SAMORA MACHEL AUFERIA 60 MIL ESCUDOS EM 1975 E SEM DIREITOS A ABONOS ADICIONAIS
Borges Nhamirre, CANALMOZ – 28.01.2011
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Sobre o secretismo dos salários dos dirigentes do Estado

Os salários de todos os dirigentes superiores do Estado foram fixados no Decreto n. 10/75, do Conselho de Ministros, e publicados em Boletim da República I Série, n. 29 do dia 30 de Agosto de 1975.

Trinta e seis (36) anos depois, agora em 2011 (e já estamos em 2015), os salários dos dirigentes são um segredo mantido a sete chaves. O Estado regrediu na transparência.

No Governo de Samora Machel, os salários do Chefe de Estado e dos demais dirigentes superiores do Estado não constituíam segredo, conforme atesta o Boletim da República I Série, n. 29, do dia 30 de Agosto de 1975.

O decreto que fixou a remuneração dos dirigentes foi publicado e era de conhecimento de todos. Hoje, o mesmo assunto é tratado com grande secretismo. Ninguém quer revelar quanto ganham os “grandes chefes”, pretendendo assim ignorarem que os governantes são funcionários superiores do Estado e o Estado é dos cidadãos.

O Canalmoz pesquisou e encontrou o Boletim da República em que o Governo de Samora mandou publicar as remunerações dos dirigentes.

O salário do Presidente da República estava fixado em 60 mil escudos. O ministro auferia 35 mil escudos, o mesmo valor que ganhava o Presidente do Tribunal Popular Supremo e o governador do Banco de Moçambique.

No terceiro escalão, encontravam-se o vice-ministro, o vice-governador do Banco Central e o vice-presidente do Tribunal Supremo. Estes tinham direito a 30 mil escudos de vencimento.

No quarto e último escalão dos dirigentes superiores do Estado encontravam-se o Governador provincial; Secretário-geral; Chefe do Estado-Maior General das Forças Populares de Libertação de Moçambique; Comandante-Geral do C.P.M (Corpo da Polícia de Moçambique) e seu vice; Embaixador de Moçambique; Chefe do Estado-Maior do Exército; Chefe do Estado-Maior da Marinha; Chefe do Estado-Maior da Força Aérea e; Reitor da Universidade. Os titulares destes cargos auferiam 28 mil escudos, cada um.

Estes salários foram fixados pelo Decreto 10/75, do Conselho de Ministros.

Sem direito a abonos adicionais

O artigo 4 do Decreto 10/75 determinava ainda que “os responsáveis acima referidos não têm direito a quaisquer abonos adicionais”.

Quanto valia um escudo?

Segundos apurámos nas nossas pesquisas, neste período de 1975, um dólar norte-americano era cambiado por cerca de 24 escudos. Isto significa que em 1975, o Presidente da República auferia o equivalente a 2.500 dólares norte-americanos.

Em meticais isto equivale a aproximadamente 87.500MT, com o câmbio de US$ 1= 35MT.

Quanto ganha Armando Guebuza e seus ministros?

Isto é o que o Governo actual não quer tornar público. A remuneração e as regalias dos dirigentes do Estado são tratados em diplomas confidencias, não publicados em Boletim da República. Não se sabe o que eles temem, certos é que não querem revelar quanto ganham.

Está publicado no website “meusalário.org” que o presidente Guebuza aufere mensalmente133,050.00MT. É o sítio da Internet onde também constam salários de outros chefes de Estado, mas não está referenciada a fonte donde foram retirados.

Entretanto, tudo quanto se pode dizer com relação aos salários dos dirigentes superiores do Estado em Moçambique, roça a especulação, na medida em que nunca foi confirmado por uma fonte oficial.

O semanário Canal de Moçambique já questionou, durante uma “Grande Entrevista” a presidente da Assembleia da República, Verónica Macamo, sobre quanto ela auferia, mas ela recusou a responder, alegando que o salário dela era o do primeiro-ministro e ao revelar quanto ganha publicamente estaria a divulgar, também, o salário do primeiro-ministro.

Abdul Carimo apela transparência do Estado

Salários e regalias dos dirigentes devem ser de domínio público. Nos outros países da região, os salários dos dirigentes são publicados – Dr. Abdul Carimo Issa.

Os salários e regalias dos dirigentes superiores do Estado são confidenciais em Moçambique. Não existe diploma legal publicado no Boletim da República que fixa o salário e as regalias do Presidente da República, do presidente da Assembleia da República, dos ministros, deputados e demais dirigentes do Estado.

Abdul Carimo, académico e director da Unidade Técnica da Reforma legal, diz que nada justifica este secretismo, até porque, no tempo de Samora, o salário do próprio chefe de Estado era de domínio público.

Abdul Carimo Issa já foi vice-presidente da Assembleia da República na primeira legislatura depois das primeiras eleições.

Esta questão do secretismo na fixação dos direitos dos dirigentes superiores do Estado foi contestada pelo Centro de Integridade Pública (CIP) que já propôs uma reforma na legislação para que os benefícios dos dirigentes sejam conhecidos por todos os moçambicanos.

A reportagem do Canalmoz e Canal de Moçambique foi ouvir o director da Unidade Técnica da Reforma Legal (UTREL), Abdul Carimo Issa, sobre esta questão. Era nossa intenção saber se a preocupação levantada pelo CIP é legítima e se há espaço na actual reforma legal para rever e divulgar os benefícios dos dirigentes.

No Governo de Samora Machel até o salário do próprio presidente era público

Abdul Carimo confirmou que, de facto, não existe um diploma legal, publicado no Boletim da República, onde os cidadãos podem apurar quanto ganham os dirigentes do Estado, bem como as regalias inerentes aos cargos.

“As regalias dos dirigentes não estão plasmadas no Boletim da República. Não foram objecto de publicação. Portanto, as regalias e benesses não se conhecem. Se me perguntar quanto recebe um ministro e onde está publicado o seu salário, não sei dizer. O mesmo se aplica a deputado e mais dirigentes”, começou por dizer o jurista.

Juiz de carreira, Abdul Carimo disse que não vê motivo para tanto secretismo, num Estado de Direito Democrático. “Não vejo qualquer temor que deva existir por parte das instituições públicas para a não publicação destes direitos e regalias. Isto deve ser de domínio público”, acrescentou.

“Durante o Governo de Samora, os salários dos dirigentes dos órgãos do Estado eram publicados em BR, portanto já houve momentos em que os salários foram publicados”, disse.

Secretismo é um caso raro em Moçambique

De acordo com o director da UTREL, o secretismo nos benefícios dos dirigentes em Moçambique é um caso raro.

“Pesquisamos na região, em países como Botswana e África do Sul. Na América Latina, devido a proximidade em termos de desenvolvimento económico e sociopolítico com Moçambique. Em quase todos estes países é público o salário e regalias dos dirigentes. Mesmo em Portugal existe um diploma que diz que o salário do presidente (da República) é isto, e do presidente da Assembleia da República é 80% do salário do Presidente da República”, disse Carimo.

Divulguemos em nome da transparência

Segundo Abdul Carimo, a divulgação dos direitos dos dirigentes é de extrema importância num Estado de Direito Democrático e só dignifica o Estado e protege os próprios dirigentes.

“Isto só dignifica o Estado e protege os dirigentes, porque deixam de ser vítimas e objecto de especulação”.

“Num momento em que Moçambique quer se afirmar no plano internacional como Estado, com política clara de combate à corrupção e boa governação, não vejo por que razão as regalias e os dirigentes não são públicos”, vaticinou.

A iniciativa é do próprio Governo

Quanto à possibilidade desta matéria vir a ser incorporada na actual reforma legal em curso, Abdul Carimo disse que isto não é responsabilidade da UTREL, mas sim do Governo.

Segundo o director da instituição, para proceder a reformas legais, a UTREL “recebe mandato da Comissão Interministerial da Reforma do Sector Público (CIRESP), para o efeito”.

“Embora nunca tenha sido suscitada (a questão das regalias dos dirigentes), sou da opinião que deve ser divulgado. Os salários são definidos, bem como as regalias. Há-de haver algum documento formal ou informal onde se define. O que é preciso é publicar isto no Boletim da República. Afinal eles ganham o que eles têm direito. Não vejo por que razão há-de haver temor”, afirmou o juiz de carreira que também já presidiu (interinamente) a Assembleia da República.

MAE está a rever direitos do Presidente da República

Entretanto, o director da UTREL disse que teve conhecimento que o Ministério da Administração Estatal está a proceder à revisão da Lei 21/92, que regula direitos e regalias do Presidente da República em exercício e cessante. Desde seu salário, ajudas de custo, subsídios, casas e empregados.

O que não sabe é se depois de revista, esta lei será publicada no Boletim da República.

“Desconheço se estes diplomas em revisão prevêem a obrigatoriedade da publicação destas regalias. Assim, voltamos ao ponto inicial. Se não prevê isto, deveria prever. Isto só dignifica ao Estado e a toda a sociedade”, finalizou.

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