LIVRO MOSTRA
COMO LULA, O ITAMARATY E BNDES AJUDARAM EMPREITEIRAS NA ÁFRICA
Telegramas secretos e inéditos revelam diplomacia brasileira propondo
favores para Moçambique. Investigação relaciona perdão de dívida do país africano com
sucesso da Vale na África
Telegramas
inéditos e ainda dados como secretos dentro do governo mostram como o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Itamaraty e o BNDES actuaram para
favorecer empresas brasileiras em negócios com a África, já no primeiro mandato
do ex-presidente.
O livro
“Moçambique, o Brasil é aqui – uma investigação sobre os negócios brasileiros
na África”, da jornalista Amanda Rossi, revela o teor de documentos sigilosos
da diplomacia brasileira. Os comunicados indicam a pressão da administração
Lula a favor de empresas brasileiras buscando negócios na África, informa o
repórter do UOL André Shalders.
Algumas
trocas de mensagens também expõem também como o Brasil tentou influir pessoas
com poder em Moçambique para receber em troca a simpatia para empresas do
Brasil. O livro será lançado em São Paulo no dia 11.ago.2015, pela Editora Record.
Amanda Rossi
teve acesso a “centenas de correspondências diplomáticas confidenciais,
trocadas entre a Embaixada do Brasil em Maputo e o Itamaraty, de 2003 a 2009”.
A jornalista diz que todos esses documentos “ganharam o carimbo de ‘secretos’
em 2012, o segundo maior grau de sigilo previsto pela Lei de Acesso à
Informação, válido por 15 anos”. Ou seja, a “consulta pública só deve ser
aberta a partir de 2018, para os mais antigos, e em 2024, para os mais
recentes”.
Um dos
capítulos do livro trata sobre essa documentação inédita. Na avaliação da
autora do livro, as mensagens revelam como o governo Lula e a diplomacia
brasileira fizeram lobby junto a autoridades moçambicanas para favorecer a
Vale, uma empresa privada, numa disputa por minas de carvão no país, em 2004.
As minas de
Moatize, como são conhecidas, são hoje o maior empreendimento brasileiro no
continente africano. Empréstimos do banco de fomento oficial para obras em
outros países serão um dos alvos das investigações da chamada “CPI do BNDES”,
que será instalada pela Câmara nesta semana.
Em uma
mensagem a Brasília em 17 de Novembro de 2004, a então embaixadora brasileira
em Maputo, Leda Lúcia Camargo, comemora a vitória da Vale. Entre outras
afirmações, diz que o perdão da dívida externa de Moçambique com o Brasil
“contribuiu” para a vitória da mineradora.
O telegrama
se referia ao fato de que em Agosto de 2004, cerca de 3 meses antes de a Vale
vencer a licitação para explorar as minas de Moatize, Lula havia oficializado o
perdão de US$ 315 milhões em dívidas de Moçambique com o Brasil.
A intenção
de perdoar a dívida era antiga. Havia sido anunciada por Fernando Henrique
Cardoso, em Julho de 2000. Mas as coisas só andaram durante a administração de Lula
no Planalto e no mesmo período em que a Vale disputava o direito de explorar as
minas de carvão.
A
embaixadora Leda Camargo enumera as acções do Estado brasileiro que teriam
fortalecido a Vale no processo licitatório. “Parece-me ter ajudado no desfecho
dessa concorrência […] a visita a Maputo do presidente do BNDES”, escreveu a
diplomata.
Em meados de
2004, o então presidente do BNDES, Carlos Lessa, foi a Moçambique em companhia
do presidente da Vale, Roger Agnelli. A jornalista Amanda Rossi escreve que
“cerca de um mês depois, Lula recebeu em Brasília o chefe de Estado
moçambicano, Joaquim Chissano, e indicou que o BNDES poderia participar do projecto
de Moatize”.
“Outro factor
que contribuiu [para a vitória da Vale], com toda a certeza, para a boa vontade
(que nitidamente se percebia crescente) do lado das autoridades moçambicanas,
foi a assinatura do perdão da dívida pelo Brasil. Coube à Comissão
Interministerial, sob a chefia da então primeira-ministra Luísa Diogo, que
gestionara por aquela assinatura, aprovar o parecer dos técnicos locais e
internacionais a favor da Vale”, escreveu a embaixadora Leda Camargo.
O livro
“Moçambique, o Brasil é aqui” informa que o perdão da dívida de US$ 315 milhões
foi “o maior cancelamento de débitos concedido pelo Brasil”.
Em um outro
telegrama que enviou ao Itamaraty, a então embaixadora brasileira em Maputo
sugeriu que o governo considerasse “com especial atenção” a candidatura da
filha de um político moçambicano a uma vaga de intercâmbio em uma universidade
brasileira.
“Tomo a
liberdade de recomendar que seja considerada com especial atenção a candidatura
da estudante (…) ao curso de Estilismo e Moda da Universidade de Londrina. A
estudante é filha de Sérgio Vieira, alta autoridade do núcleo político do
governo moçambicano, um dos mais importantes integrantes do grupo que decidirá
sobre as minas de Moatize”, escreveu, Leda Camargo, em telegrama de Julho de
2004. A estudante acabou excluída da selecção pelo MEC.
OUTROS LADOS
Em
entrevista para o livro “Moçambique, o Brasil é aqui”, Lula justificou-se
dizendo que o Brasil tinha “interesse estratégico” na vitória da Vale: “A Vale
é uma empresa brasileira. Era muito mais interessante que ela estivesse na mina
de Moatize do que os chineses. (…) O minério é uma coisa estratégica para
qualquer país do mundo. E sobretudo quando se trata de carvão, que o Brasil não
tem”. O BNDES chegou a ofertar créditos para a operação da Vale, que não
chegaram a ser empregados.
Leda e o
Itamaraty disseram à autora do livro que não poderiam comentar o teor de
mensagens “secretas”. A Vale afirmou, em nota, não ter “nenhuma relação com o
tema”.
Sérgio
Vieira disse à autora, via e-mail, que a Vale “obteve a concessão porque ganhou
num concurso em que participaram várias transnacionais […]. Pelo que eu sei,
foi a melhor proposta”. Depois de deixar o governo, em 2012, Vieira se tornou
crítico da operação da Vale em Moçambique.
Roger
Agnelli, então presidente da Vale, foi um dos oradores convidados para o jantar
de despedida de Leda de Moçambique, no fim de 2007.
VALE, ÂNCORA
DO BRASIL NA ÁFRICA
O perdão da
dívida moçambicana também abriu a possibilidade de que o BNDES pudesse
financiar obras de empreiteiras brasileiras naquele país. “A Vale foi a âncora
do Brasil em Moçambique. Depois dela, as primeiras multinacionais brasileiras a
desembarcarem no país africano foram grandes construtoras”, anota a jornalista
Amanda Rossi no capítulo “O perdão e as obras”.
Para
viabilizar as obras de escoamento do minério extraído pela Vale, empreiteiras
hoje investigadas pela força-tarefa (Task
Team) da Lava Jato obtiveram
empréstimos de bancos oficiais brasileiros.
A primeira
obra infra-estrutural dessa ordem em Moçambique foi um aeroporto na cidade de
Nacala, construído pela Odebrecht com
um financiamento de US$ 125 milhões do BNDES. Em seguida, a Andrade Gutierrez
obteve do mesmo BNDES outros US$ 466 milhões para a construção de uma barragem
perto de Maputo, iniciada no ano passado.
Até o fim de
2014, observa a autora do livro, o Brasil já havia emprestado a Moçambique
outros US$ 132 milhões.
Comentários
Enviar um comentário