@Verdade, Posted: 23
Aug 2015 11:58 PM PDT
Quando os primeiros
exploradores chegaram a África, há cerca de seis séculos, traziam missangas e
espelhos para trocar por ouro, marfim e outras riquezas naturais, e foram
ajudados por alguns africanos a delapidar o “Berço da Humanidade”.
Hoje os exploradores
chamam-se investidores e continuam a vir buscar as nossas riquezas naturais,
trazem dinheiro, prometem casas e outros bens materiais e continuam a ser
ajudados pelos nossos conterrâneos, só que hoje esses africanos são membros do
Governo, eleitos para servir o povo e fazer cumprir as leis do Estado.
A julgar pelas reuniões,
que deveriam ter sido consultas públicas, que se realizaram nas aldeias de
Senga, Maganja e Quitupo, a História vai repetir-se em Moçambique.
“A reunião de Quitupo foi aquilo que eu chamo a exibição da
maldição do dinheiro, combinada com uma clara manipulação e instrumentalização
das pessoas da aldeia” relatou ao @Verdade, em entrevista telefónica, Alda
Salomão, directora da organização não-governamental Centro Terra Viva, que
sustenta a sua afirmação com a união e coesão que se recorda de existir, em
2013 e 2014, nesta aldeia localizada na península de Afungi, no distrito de
Palma, e que será obrigada a mudar-se para outra região para permitir a
implantação do projecto de produção de gás natural liquefeito (GNL).
“O discurso que tem sido passado para as aldeias, e sobretudo para
Quitupo, é o discurso sobre o dinheiro e os benefícios que as pessoas vão
receber por causa do projecto. As questões de fundo que precisam de ser
percebidas e abordadas são secundarizadas ou de forma superficial porque toda
gente sabe que o dinheiro é um forte atractivo para qualquer pessoa, em qualquer
lugar do mundo”, lamenta a jurista que nos revelou que a consulta pública desta
quinta-feira (20) começou mal.
“O primeiro incidente foi
quando o presidente do comité comunitário da aldeia pediu a palavra, um ponto
de ordem, e o administrador proibiu. Mais de metade dos membros do comité
retirou-se da reunião”, que só prosseguiu após os representantes legitimamente
eleitos pelos aldeões de Quitupo terem tido a garantia de que iriam poder
apresentar as suas questões.
As questões de fundo são: o Governo de Moçambique, mesmo sabendo
que a península de Afungi estava ocupada por cidadãos moçambicanos, atribuiu o
Direito de Uso e Aproveitamento da Terra (DUAT) à Empresa Nacional de
Hidrocarbonetos, E.P. (ENH) sem antes extinguir os direitos dos ocupantes
actuais; para extinguir o DUAT dos milhares de residentes nessa região o Governo
pode declarar que este projecto de GNL é de “interesse público” ou de
“utilidade pública”, mas ainda não o fez e, entretanto, está a realizar o
processo de reassentamento; pior, os investidores decidiram que valor da
compensação pretendem dar antes de apresentarem o censo daquilo que são os
direitos de cada um dos afectados e nem mesmo negociar com as comunidades os
valores que pretendem pagar pela terra, árvores e outros direitos desses
cidadãos; o DUAT atribuído cobre uma área de sete mil hectares sem contudo
existir ainda a delimitação das infra-estruturas que vão ser construídas e que
mostrem existir necessidade de se ocupar toda aquela terra.
Aldeia dividida
Ignorando as dúvidas da
comunidade de Quitupo, seguiram-se duas horas de propaganda da empresa Anardarko sobre as casas muito melhores
que serão construídas, e da vila que vai ser erguida transformando a pequena
aldeia numa cidade, destacando os valores monetários que serão pagos.
A directora do Centro Terra Viva, organização que está a prestar
assessoria jurídica às comunidades que serão afectadas por este mega-projecto
que vai tornar Moçambique num dos maiores produtores mundiais de gás natural
liquefeito, referiu que quando foi aberto espaço para intervenções notou-se
então que a aldeia está dividida: de um lado estão as pessoas adultas e mais idosas,
que não são contra o projecto de GNL, mas primeiro querem perceber bem o
processo e os seus direitos, e do outro os mais jovens (que de alguma maneira
já estão a prestar serviços à Anadarko)
que querem receber rapidamente as novas casas e o dinheiro e acham que a
intervenção do Centro Terra Viva está atrasar as benesses.
“Isto para mim é sinal de que nós estamos a criar todos os
ingredientes para grandes conflitos no futuro, porque em relação aos jovens,
que muito legitimamente estão preocupados com as compensações, com as casas,
estão preocupados em dar seguimento à sua vida, o facto de terem sido
convencidos a não se preocuparem com os seus direitos hoje certamente vai ser
motivo para eles amanhã serem os protagonistas de situações de conflito e confrontação
com a empresa e o Governo. Porque mais tarde hão-de se aperceber de que afinal
poderiam ter negociado compensações melhores se tivessem tido a paciência de
esperar e de insistir para que os seus direitos fossem protegidos agora”,
explicou Alda Salomão.
Pior mesmo foi o término abrupto da consulta pública numa altura
em que se preparava para intervir a directora do Centro Terra, que nos
clarificou que a necessidade de tomar a palavra deveu-se à menção no encontro
de várias questões relacionadas directamente com a organização. O administrador
do distrito de Palma, Pedro Romão Jemusse, simplesmente deu por terminado o
encontro; porém “a população levantou-se toda, aos gritos dirigindo-se à mesa
que saiu em debandada”, referiu a nossa fonte.
O representante do Governo central, Arlindo Dgege, que é director
do Ordenamento Territorial e Reassentamentos, embora tenha reconhecido que
existem irregularidades neste processo de implantação da fábrica de GNL, não
detalhou que anomalias são que o Executivo assume e, principalmente, que
medidas é que estão/vão ser tomadas para a sua solução.
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