AVISO DE SAMORA MACHEL
Buracos onde havia ouro e diamantes
Gustavo Mavie, em Paris
Noticias, Segunda-feira, 20 Julho 2015

A CRISE financeira que abala a Grécia é apenas a mais mediatizada, dado que quase todos os países do mundo estão a braços com graves dificuldades de tesouraria, incluindo os desenvolvidos, como o Japão, Estados Unidos da América e mesmo a França que, desde ontem, domingo, está a ser visitada pelo Presidente da República, Filipe Nyusi, a convite do seu homólogo francês, François Hollande. A visita termina amanhã.

Estudos feitos por economistas conceituados, como os norte-americanos Jeffrey Suchs e Joseph Stiglitz, revelam que a falência financeira da Grécia e de muitos outros países tornou-se inevitável quando os sucessivos políticos que os foram governando, nos últimos 30 anos, se deixaram enganar ou subornar pelos que aspiravam ser proprietários de multinacionais a quem delegaram a governação real dos seus países, tendo, a partir daí, passado a explorar, descontrolada e desenfreadamente, os recursos naturais das suas nações a preço de banana.

Essa delegação acabou fazendo com que haja agora 1.826 donos de multinacionais, que já são multi-bilionários, e cuja fortuna combinada totaliza já 7.03 triliões de dólares, segundo a revista Forbes, especializada em aferir as fortunas pessoais. Estes 1.826 homens mais ricos do mundo têm muito mais dinheiro do que o somatório do que está na posse da maioria dos cerca de 200 governos de igual número de países e que têm de zelar, por exemplo, pela educação e saúde dos mais de sete biliões de pessoas que habitam o planeta Terra. Um estudo anterior feito, há 20 anos, por dois jornalistas económicos alemães, Hans-Peter Martin e Harald Schumann, que o publicaram na forma de livro, com o título The Global Trap, concluiu, então, que mais de 80% da riqueza que se produzia no mundo ia parar às mãos de um punhado de 400 pessoas que na altura se haviam tornado em já em multi-bilionários. Agora há 1.826 multi-bilionários. Eles diziam que os donos das multinacionais destinavam apenas 20% para os mais de seis biliões que então vivem repartidos em cerca de 200 países, o que, obviamente, é quase nada.

Desde a publicação do The Global Trap, ou Armadilha Global, a situação piorou, porque há cada vez mais donos das multinacionais que se apoderam, sozinhos, das riquezas do mundo. O que é espantoso é que destes 1.826, há apenas um africano, que é o nigeriano Aliko Dangote. Além destes bilionários, há centenas de multimilionários que completam este quadro de afortunados. Salvo raras excepções, estes afortunados acumularam as suas fortunas abocanhando as riquezas das nações, que em princípio deviam beneficiar a todos os actuais sete biliões de habitantes da terra. Pior do que isso, é que mesmo estes 20 porcentos são desigualmente repartidos entre os sete biliões de seres humanos, daí que haja ainda milhões que ganham salários correspondentes a dois dólares por dia, incluindo a maioria dos moçambicanos.

Por incrível que pareça, todas as reservas mundiais de recursos naturais já descobertos são propriedade exclusiva deste punhado de 1.826 homens e mulheres, e não mais dos povos dos países em que estão localizados. Graças aos biliões que acumularam, tal um punhado, que é também dono de todas as grandes fábricas e bancos que empregam milhões de pessoas em todo o mundo, a quem também pagam magros salários, tudo em prol da acumulação rápida de mais dinheiro. Isto prova que tinha razão Karl Marx, de que a tendência dos capitalistas é a maximização irreversível dos seus lucros.

Avisos de Boutros Ghali não tomados em conta

Já no início da década de 90, o então Secretário-Geral das Nações Unidas, Boutros Boutros Ghali, alertara aos líderes mundiais que incorriam em risco de ver os seus países falirem financeiramente, porque estavam delegando o poder aos donos das multinacionais e que estes estavam agindo em função da sua ilimitada ganância. Ele vincou então que isso iria afundar as suas economias e dar cabo da soberania dos seus países. Como resultado da globalização, os estados como entidades individuais tem cada vez menos e menos capacidade de influenciar as coisas, enquanto os poderes dos actores globais nos domínios das finanças, por exemplo, estão crescendo e crescendo sem que estejam a ser controlados por ninguém. Será que os chefes de Estado estão a par disto­? Claro que NÃO! Não estão, se bem que como líderes dos seus países eles ainda assim estão com essa impressão de que estão no comando da sua soberania e que, portanto, podem fazer face a globalização ao nível nacional. Mas é claro que não gostaria de expressar, perante eles, a minha dúvida quanto a sua capacidade política e mesmo da sua inteligência perante este dilema”, assim avisou Boutros Ghali, citado no livro The Global Trap, publicado em 1997.

O que mostra a gravidade do abocanhamento das riquezas mundiais pelos donos das multinacionais é que os pouco mais de 160 biliões de euros que a Grécia deve aos seus credores é quase igual a fortuna pessoal de dois dos multi-bilionários mais ricos, do mesmo modo que os cerca de 100 biliões de euros que aquele país espera receber de novo dos seus credores, equivale também a fortuna pessoal de outros dois multi-bilionários mais ricos. O que é mais inconcebível é que no lugar desses multi-bilionários doarem parte dos seus biliões para que se possa resgatar os países em crise, como esta Grécia, o que está acontecer é que são os estados, melhor dito, os governos, que estão a se endividar, para que essas instituições financeiras, como os bancos privados gregos, tenham dinheiro para ser levantado pelos seus clientes. Dito doutra forma, os donos desses bancos continuam multi-bilionários, mas os seus clientes não podem ter o pouco dinheiro que o foram depositando nesses seus bancos. Isto dá razão ao Papa, quando diz que os actuais capitalistas são mais do que diabólicos.

Muitos outros estados irão também à falência

Um estudo da McKensey Global Institute, resumido na edição do dia 16 deste mês do diário The Wall Street Journal, vinca que enquanto se fala mais da Grécia pelo facto de a sua crise ter já arrebentado pelas costuras e resvalado para um verdadeiro tsunami, o certo é que todo o mundo está sofrendo duma dívida pública asfixiante.

“Desde 2007, a dívida pública nas economias dos países desenvolvidos aumentou em 35 pontos acima dos seus rendimentos económicos, segundo o mesmo McKensey Global Institute. O estudo diz que em muitos países, aumentou muito para além do normal para já ser insustentável, como são os casos da França, que tem mais 35 pontos acima do normal, da Itália, que está com mais 47 pontos acima da média aceitável, da Grã-Bretanha, que somou já mais 50 pontos, do Japão, que já esta com 63 pontos, da própria Grécia que tem mais 69 pontos, de Portugal que somou já mais 83 pontos e da Espanha que somou mais 93”.  O estudo diz que o que faz com que a Grécia seja o país que se ressente mais do seu endividamento, é que a sua dívida é tão alta, a sua recessão tão profunda e a sua economia tão não competitiva que o não dá nenhuma luz no túnel para poder sair por si só dessa crise.

Os peritos deste Instituto, como Susan Lund, estão mais do que convencidos de que a Grécia é apenas o primeiro de entre vários países que verão as suas dívidas arrebentarem também pelas costuras, dado que o seu crescimento económico está numa estagnação quase total. Susan Lund diz que para se ver que haverá mais países que cairão no mesmo abismo em que quedou agora a Grécia, basta que se olhe à volta do mundo, e logo se vê que há muitos outros países que estão muito endividados e que não serão capazes de pagar, porque as suas economias estão asfixiadas pelo efeito tóxico dessas pesadas dívidas. De facto, de há uns 10 anos para cá, há apenas um igual número de países que estão a registar um crescimento médio de sete porcentos. Entre esses países, conta se, por incrível que pareça, Moçambique. Lamentavelmente, há quem tudo faz para induzir a ideia de que Moçambique é o mais endividado e o mais estagnado economicamente. Deste pequeno grupo, há mais seis africanos, sendo a China o que está no topo e um dos três que não são de África. Nenhum destes 10 é do bloco ocidental. O que é inconcebível, é que no lugar desses bilionários doarem parte dos seus biliões para se resgatar os países em crise, como esta Grécia, cujos bancos privados já não conseguem garantir sequer que os seus clientes levantem as suas magras poupanças, agora são os governos que se endividam para salvar essas instituições financeiras de privados, para que tenham cash para ser levantado pelos seus clientes. Dito doutra forma, os donos desses bancos continuam multi-bilionários, mas os seus clientes não podem ter o seu pouco dinheiro. Isto dá razão ao Papa, quando diz que os actuais capitalistas são mesmo diabólicos. Até agora, o total gasto pelos governos em resgate a bancos privados e empresas de privados, ascende a mais de 700 biliões de dólares.

Fuga ao fisco empobrece Estados

O que faz com que os governos não tenham dinheiro suficiente é que os donos das multinacionais recorrem a esquemas para não pagarem os impostos. No caso de Moçambique, até há aos que não só não pagam impostos, como não canalizam ao Instituto de Segurança Social os descontos que fazem aos seus trabalhadores. Na verdade, estas multinacionais passam a ser donos absolutos dos recursos que cada país tem, a partir do momento que são licenciadas a explorá-los, como se fez agora em Moçambique, onde se tem atribuído licenças para explorarem, por exemplo, o gás de Cabo Delgado e o carvão de Tete. Se não houver um controlo cerrado por parte do governo, poderá acontecer que aqueles recursos não tragam nenhuma prosperidade à maioria dos moçambicanos, como está acontecendo em muitos países, como a Nigéria e Guiné-Equatorial, onde só as suas elites políticas é que recebem trocos dos biliões de dólares que resultam da venda do seu petróleo.

Já Samora Machel não se cansava de avisar que se não nos precavermos, iríamos ficar com buracos onde havia ouro ou diamantes. Os autores do Global Trap, desvendam vários truques usados pelos donos das multinacionais para não pagarem impostos. Entre os truques que expõem, é o facto da fábrica alemã de automóveis, BMW, ter declarado, em 1988, que havia tido 545 milhões de lucros, mas que nos quatro anos seguintes, declararia que só teve lucros que correspondiam a seis porcentos daquele valor, ou seja, apenas 31 milhões. Mas uma investigação feita depois pelos inspectores do Estado, concluiu que neste período de quatro anos, ou seja, entre 1989 a 1993, a BMW evitou, deliberadamente, pagar de impostos, um bilião de dólares. Outro caso é o da gigante eléctrica Siemens, que entre 1994 a 1995, teve um lucro líquido de 2,1 biliões de marcos, mas que só pagou menos de 100 milhões em impostos. Ora, se isto é feito em países onde a fuga ao fisco é punida com uma prisão efectiva, é só imaginar o que não farão num país como Moçambique, onde ainda não há uma capacidade de fiscalização rigorosa.

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