A VERGONHA DOS NOSSOS DEPUTADOS
Centelha por Viriato Caetano Dias
WAMPHULA FAX – 06.07.2015
“É
necessário dizer que a política não é um luxo de alguns, mas um direito e um
dever de todos. Para agir politicamente, não basta querer fazê-lo; é necessário
saber fazê-lo. Para saber fazê-lo, há que respeitar os princípios que ensinam a
discernir, há que ter capacidade de diálogo e sentido ético da vida.” Pe. Manuel Maria Madureira da Silva
I. Educação
É um
autêntico desconcerto e desconforto espiritual e uma gritante ofensa aos
obreiros e fiscais da gramática da língua portuguesa ouvir alguns deputados –
melhor seria chamá-los de “amputados”, parafraseando o humorista
nacional Chaguatica N´zero. Uma leitura péssima, mediocridade nos discursos e
uma intervenção desastrosa, a maioria dos deputados da presente legislatura é a
mais sonante vergonha da incompetência académica.
É possível
que seja um problema de higiene linguística que flagela a qualidade democrática
no “mapa do povo”, como também, e principalmente, os ouvidos dos
telespectadores. Travo comigo uma guerra entre desligar ou não, ou ainda mudar
de canal quando a “escolinha de barulho” entra em acção, dada a facilidade e
elevação com que se atropela a língua de Camões.
O que também
devia ser a “casa magna” do povo é uma orquestra de desafinados que nem sequer
se dão ao luxo de preparar os discursos, antes de poluírem o ar com tanta
asneira que dizem. Não sei se o problema é do berço escolar, falo aqui da má
formação académica ou falta dela; o salteamento de etapas académicas que faz
com que algumas pessoas, em idade adulta e no poleiro da vida profissional,
reimprimam o seu passado inglorioso; ou talvez porque essas pessoas nunca
tenham falado português e a Assembleia da República é para elas a primeira
escola do bê-á-bá em matéria da língua portuguesa. Aquilo que ouço deles nem é
“português moçambicano”, é qualquer outra coisa que eles, deputados, estão a
construir, sendo por isso que nunca se entendem.
É urgente a
contratação de um professor de português para despoluir a “casa do povo” e
evitar erros de palmatórias como “indivídios” versus indivíduos,
“houveram” x houve, “convintes” x convite, “muinto” x
muito, “enconomia” x economia, “sêfosse” x se fosse, “patência”
x patente, “prepectivas” x perspectiva, “porcentos” x “porcento”,
“quilos” x quilo, “códico” x código.
Afora isso,
o uso recorrente de má pronúncia em palavras como “Joanquim”, “Fer r
rei ra” “Per r rei ra” , “car r ro” , “empreeendedorismo”,
“carrreira”, etc. Já agora, importa fazer uma outra correcção, pois o
termo “despoletar” não significa descobrir e nem vir à tona, mas sim “travar”,
“impedir”, “tornar inactivo…”.
Estes são
alguns de muitos erros cíclicos com que os deputados nos brindam nas suas
intervenções. Paradoxalmente, muitos deles possuem formação superior de
licenciados, mestres e Professores Doutores.
II.
Qualidade dos debates
Sim, o
parlamento não é uma sinagoga, onde se constrói e fortifica o dogmatismo
religioso. Deve ser uma assembleia eleita verdadeiramente pelo povo, para
resolver os problemas do país. O então deputado comunista Bernardino Soares,
actualmente autarca de Loures, chama o parlamento de “mapa de povo”. Eu
acrescentaria é “o mapa e a geografia do povo”. Neste aspecto de representação
étnica, Moçambique é uma referência mundial. Porém, a qualidade de um
parlamento não se faz por raças, pigmentação da cor, etnia, confissão
religiosa, mas sim pela qualidade de debate como resultado das preocupações,
anseios e apetites do povo. Neste ponto, creio que somos expoentes máximos da
vergonha.
Como se
fosse uma agenda de trabalho, raramente os debates parlamentares terminam sem o
desferimento de golpes verbais na honra alheia. E o que mais me entristece são
os aplausos que as bancadas fazem em cada descarregamento dos insultos.
Comemora-se a desonra em apoteose como se tivesse descoberto a cura para a
falha de memórias que muitos deles têm tido no acto de votação. Não se conhece,
na gesta do parlamento, caso de um deputado que tenha votado contra ou a favor
da decisão da sua bancada (Chaguatiza diria pancada). O abuso é
generalizado, nem as mulheres – que ninguém devia machucar – escapam à
malcriadez de alguns representantes (?) do povo.
Trazem ao
plenário assuntos irrelevantes para alimentar o boato, a fofoca e a intriga. O
populismo e a gabarolice com vaidade à mistura encarnaram no espírito do
deputado que antes apresentava uma conduta moral igual ao do mais humilde
monge do mosteiro. No acto de desespero agitam as cinzas para ver de onde sai o
fogo, para ganhar simpatia e falso heroísmo popular. No imaginário de um sono
não reparador, apresenta uma extensa lista de acusações sentenciando com pedido
de prisão de antigos governantes do Estado.
Termino como
comecei, citando o padre Manuel Maria Madureira da Silva “Em cada
dia que passa, aumentam os queixumes porque nos sentimos defraudados.
Parece-nos existir um enorme vazio nas políticas que nos haveriam
de assegurar a cidadania e nos políticos que foram eleitos para
exercer essa missão. Serão os programas políticos desajustados ou
serão incompetentes alguns políticos que, apesar de bem pagos,
não investem o seu suor por lhes faltarem conhecimentos adequados ou
terem como único programa a disciplina partidária? Fim de citação.
P.S.: Está
de parabéns a Universidade Pedagógica, mais concretamente o de Ciências
Filosóficas, pela organização da Primeira Conferência Internacional de
Filosofia dos Países Africanos Falantes da Língua Portuguesa que decorreu em
Maputo, nos dias 2 e 3 de Julho de 2015 sob o lema “Por uma Filosofia da
Cultura da Paz”. Bem-haja a comissão organizadora do evento, especialmente
ao amigo Mário Alberto Viegas, e que a felicidade lhe sorria a cada dia que
nasce.
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