LAMBEBOTISMO
ATRASOU O PAÍS
Segundo
Felício Zacarias
Coutinho Fernando, Jornal
Debate, 03 Maio 2015
“É preciso que haja uma renovação
ideológica para eliminar o medo que ainda persiste em alguns membros”, Felício
Zacarias.
O antigo ministro das Obras Públicas e
Habitação e membro do partido Frelimo, Felício Zacarias, revelou recentemente
ao debate, em Maputo, que o fenómeno de bajulação ao ex-Chefe de Estado,
Armando Guebuza, em vários quadrantes do governo e do partido, corrompeu a
máquina governativa do país nos últimos seis anos.
Em entrevista exclusiva ao Debate, Felício Zacarias disse que
muitos funcionários públicos ficaram “anestesiados” em termos de produtividade
no governo devido ao culto de personalidade a Armando Guebuza e, como
consequência disso, os índices de corrupção aumentaram, a educação desqualificou-se
de forma acentuada.
Adiante, segundo entende, as
deficientes condições de vida da população agudizaram, a agricultura continuou
a ser marginalizada, mesmo sendo propalada como a alavanca da economia
nacional.
“O Governo abdicou da sua função de
prover bens e serviços para a população e limitou-se a obedecer o seu líder, e
o resultado disto é que houve recrudescimento da insatisfação popular porque
as promessas prometidas não eram implementadas, com enfoque para os sectores
dos transportes, água, infra-estruturas, alimentar, educação e saúde, que não
registaram melhorias”, desabafou Felício Zacarias.
A fonte vai mais longe e afirma que a
queda do ex-Chefe de Estado, Armando Guebuza abre espaço para a renovação do
partido no poder, e consequentemente do governo, através do rompimento do
autoritarismo, arrogância e da imposição que caracterizaram a Frelimo nos
últimos seis anos.
“Nyusi está a renovar o partido com
vista a fazer dele mais dialogante e desta forma criar alicerces para o
fortalecimento da democracia”, afirmou.
Para Zacarias, não há e nunca houve
uma Frelimo dura, mas sim ela (a Frelimo) fragilizou-se por causa do servilismo
que começou a tomar conta do partido, que teve o seu início nos finais do
primeiro mandato do ex-Chefe do Estado, que não obedecia os princípios que
regem o funcionamento das instituições públicas e do partido.
Zacarias acusa igualmente que os secretários
provinciais e distritais deixaram de trabalhar para satisfazer somente os
interesses do “chefe”.
Conforme explicou ainda a nossa fonte,
foi a própria fragilidade da Frelimo que contribuiu para que o partido perdesse
credibilidade do seu eleitorado em algumas regiões do país.
Naquela altura, recordou Felício
Zacarias, não havia vontade política para responder ou atenuar os problemas do
deficiente saneamento do meio, de acesso ao ensino, da provisão de serviços
públicos de qualidade e humanos, a eliminação da prática da mão estendida
(corrupção), e a burocracia excessiva que afugentava investidores nacionais e
estrangeiros.
Novo executivo resgata sinais de
existência
Por outro lado, de acordo com Felício
Zacarias, o actual executivo já mostra algum sinal de existência e
funcionalidade, porque mudou a sua actuação de Governo, principalmente na
abertura ao diálogo, que no seu entender, está a contribuir, ainda que de
forma precoce, para a implantação de pilares para a ruptura da visão de
hostilidade política que ainda persiste no seio dos partidos nacionais.
Aliás, anteriormente, segundo Felício
Zacarias, as ideias contrárias eram ostracizadas, descartadas e vistas como
nulas, o que acabou gerando um sentimento de exclusão dos actores políticos,
insatisfação dos servidores e dirigentes públicos.
Os servidores públicos, para a nossa
fonte (ministro, governador, administrador, entre outros), não tinham poder de
decisão, somente, deviam “obedecer a imposição, a arrogância e o
autoritarismo que tinham na sua agenda a conquista de prestígio e não busca de
solução para sanar os problemas da população”, revelou.
Entretanto, Felício Zacarias acredita
que o actual Governo não está a olhar apenas para o seu “umbigo”, mas tem
criado uma plataforma para o diálogo com todos os partidos políticos,
sociedade e a própria população.
“Esta mudança pode vir a acontecer no
seio da Frelimo, porque é preciso que haja uma renovação ideológica para
eliminar o medo que ainda persiste em alguns membros”.
Na era “guebuziana”, prossegue a nossa
fonte, a descentralização era camuflada, apenas existia no papel, todos os
dirigentes de nível central, provincial e distrital não tomavam decisões de
acordo com os programas locais, mas eram impostos pelo líder (Guebuza).
“Volvidos mais de 100 dias de
governação, há sinais de melhorias e funcionalidade das instituições políticas
e públicas, porque há uma cedência e acomodação de algumas exigências da
oposição e da sociedade civil, o que anteriormente era impensável”, disse Felício
Zacarias.
Nesta senda, o grande desafio para o
nosso interlocutor passa por reestruturar a máquina administrativa que deixou de
funcionar nos últimos anos.
“Corrupção deve ser combatida na função
pública e não fora dela...”
O nosso entrevistado apontou ainda
como causas da inactividade do Estado moçambicano a corrupção, improdutividade
dos funcionários públicos, gerada pela ociosidade fomentada pelo antigo
executivo.
Para inverter esta tendência, segundo
Felício Zacarias, deve-se purificar as mentes dos dirigentes e dos servidores
públicos.
“Não é fora do executivo que o combate
deve ser iniciado, mas dentro das fileiras do Estado, através do resgate do
espírito de entrega e abnegação ao trabalho, da competência que entrou em
desuso, criação de incentivos que desencorajem a prática e a fiscalização e
monitoria eficiente, eficaz e imparcial”, disse ainda Zacarias.
Critérios de nomeação de governadores
e administradores violados
Na sua radiografia pela governação do
país Felício Zacarias acusa ainda que o critério para a nomeação de
governadores e administradores foi violado, alegadamente porque estes eram
nomeados com base na confiança e não em competência como vem plasmado nos
critérios para a sua nomeação.
“Com esta enfermidade, o Estado
mostrou-se incapaz, incompetente para assegurar a protecção de pessoas e bens,
a implementação das acções definidas, porque a prioridade era o líder e não a
população”, concluiu.
Resgate de valores democráticos e de
inclusividade
É neste diapasão que Felício Zacarias
considera que o actual Presidente da República, Filipe Nyusi, poderá “trair”
Armando Guebuza, ao entregar o poder, autonomia e responsabilidade aos
dirigentes locais, para que desta forma, eles sejam capazes de tomar decisões
para resolver os problemas predominantes no seu distrito e ou província, de
modo a melhorar a administração pública que em algum momento deixou de existir.
“Na altura que havia liberdade de
expressão, poder e autonomia, os governantes tomavam decisões e não esperavam
pela ordem central para elaborar, implementar e ou buscar parcerias para
colmatar o défice financeiro para a materialização de qualquer projecto de desenvolvimento
no nosso território”, recordou.
Zacarias acrescenta que há necessidade
do actual Governo fortalecer e implantar o princípio do diálogo em curso, da
inclusão e respeito das opiniões da oposição, sociedade civil, que são cruciais
para acabar com a intolerância política que constitui a principal causa da
instabilidade no país.
DEPOIS DE
LANÇAR FARPAS AO ANTIGO SISTEMA NO JORNAL
DEBATE
Felício
Zacarias desafiado a provar transparência
Jornal Debate, 03 Maio 2015
O jornalista moçambicano, Marcelo
Mosse, em reacção à recente entrevista publicada pelo semanário Debate em que o antigo Ministro das
Obras Públicas de Armando Guebuza, Felício Zacarias acusou os fenómenos de
“lambebotismo” e da corrupção como empecilhos do desenvolvimento nacional,
desafiou aquele ex-governante a provar transparência no sector da mineração
onde supostamente, segundo Mosse, Felício Zacarias é magnata.
Segundo Marcelo Mosse, Felício
Zacarias tem a oportunidade soberana de ser “escravo da sua palavra” e que ele
(Felício) como magnata da mineração deve dar exemplo de transparência.
“Não sei se lhe podemos nomear de o
Patrice Motsepe cá da terra”, ironizou Marcelo Mosse para de seguida
acrescentar que Zacarias anda bem conectado no sector da mineração no país, com
participações em inúmeras empresas como a “RQL
Mining Holdings, juntamente com o sul-africano Jacobus Strydom Van Wyk e o
australiano Sholom Dovber Feldman. Feldman é o CEO da Queensland Bauxite Lda., antigamente conhecida como Australian Gold Investments Ltd,
enquanto Van Wyk é director-executivo da Regius
Coal Mining, onde Zacarias é director não-executivo”.
Adiante, segundo Marcelo Mosse, Van
Wyk é também parceiro da australiana Regius
Exploration Pty Ltd, actuando, através desta empresa, na Regius Diamonds Lda. e Mavui Diamonds Lda., cujo sócio
minoritário (com 20% do capital) é a empresa Conjane, Lda.
“Esta última empresa é detida por três
personalidades moçambicanas que já possuem participações na Afriminerals e Mozvest Mining: Felício Zacarias, José Pacheco e David Simango,
Presidente do Município de Maputo”, explicou Mosse.
Para Marcelo Mosse até aqui não há
nenhum problema, contudo defende que “mas todos sabemos que o acesso a
concessões de licenças de mineração em Moçambique está reservado a quem detém informação
privilegiada. Não sendo um mercado aberto, quem está no Governo tem maiores chances de obtê-las. E se fores
ministro, as chances são a 100% (...) é uma área onde a transparência não
governa”, denunciou.
Entretanto, o problema surge quando “Felício Zacarias deu, há dias, uma entrevista a um jornal chamado "Debate". Uma das tónicas foi a luta contra a corrupção. Houve quem aplaudisse os seus ditos. Eu torci o nariz. Zacarias apenas debitou equívocos. E um deles foi este: “A corrupção deve ser combatida na função pública e não fora dela...”, reagiu Marcelo Mosse.
Para Marcelo Mosse, a mensagem de
Felício Zacarias está completamente distorcida e decorre do mesmo equívoco em
que se baseia a actual reacção penal contra a corrupção: os corruptos são os funcionários
do Estado.
“Ignora-se, ou se finge ignorar, que a
corrupção acontece na interface entre
o público e o privado e que ela não se resume ao desvio de fundos, ao peculato e
à fraude”, denunciou Mosse.
Aliás, para a fonte está claro que
ignora-se, ou finge-se ignorar, que a corrupção é essencialmente uma troca.
Entre corruptor activo e corruptor passivo. E que muitas das vezes o corruptor
activo é justamente o agente do sector privado.
“Intriga-me que o nosso GCCC se limite
a tratar da pequena corrupção, quando todos sabemos que em Moçambique a grande
corrupção, aquela que acontece no topo da governação, é mais perniciosa que a
pequena corrupção.
Huntington dizia que a pequena corrupção até
pode propiciar uma certa paz social, porque ela permite uma
redistribuição da riqueza. Mas este é outro debate”, disse Marcelo Mosse.
Mais caricato, de acordo com o
jornalista moçambicano, é quando em Moçambique se ignoram situações onde
empresários oferecem presentes de luxo a dirigentes e seus filhos para
terem acesso a isenções fiscais e ganharem concursos públicos.
Neste diapasão, Mosse esclarece que
num contexto de luta contra a corrupção genuína, operações como a da EMATUM,
concessões de licenças de mineração e algumas PPPs deviam ser investigadas.
“Sabem, caros amigos, quantos processos judiciais o Estado moçambicano tem
contra si em tribunais estrangeiros por causa da corrupção?”
Entretanto, Marcelo Mosse espera que
“as empresas do Felício tenham criado emprego para moçambicanos e paguem os
impostos devidos. Mas a minha grande decepção é que, mesmo com a reforma do
Código Penal, continuamos a ter um conhecimento limitado sobre a economia
política da corrupção e o que fazer para que ela seja controlada. E o PR Nyusi
ainda anda nas nuvens sobre esta matéria. Não sei se de propósito mas é
tremenda esta falta de vontade para se limpar a sujeira que envolve a gestão da
riqueza nacional”.
Marcelo Mosse é jornalista
investigador que tem vindo a escrever vários artigos de opinião,
sobretudo de carácter político e social em Moçambique.
Trata-se de um jornalista que já
recebeu vários prémios de jornalismo investigativo, com destaque para o prémio
intitulado “Carlos Cardoso”, instituído em 2002 pela delegação da União
Europeia.
Faz parte da sua biografia ter ocupado
o cargo de Director-Geral do Centro de Integridade Pública (CIP), no qual foi
substituído por Adriano Nuvunga em finais de 2012.
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