TETE, TERRA DOS MISTÉRIOS!
29/11/2009
O pensamento
Viriato Caetano Dias
“Um homem
pode viajar para Roma ou Jerusalém, mas transporta no seu coração os valores da
sua pátria: o mesmo acontece comigo.” Paulo Coelho, escritor brasileiro.
Seria
injusto que depois de algum tempo na “estrada literária” não dedicasse uma
reflexão em torno da minha terra, Tete.
Os “mizimos” (espíritos dos antepassados) que velam pelas almas dos filhos da
terra, não me teriam perdoado por um eventual esquecimento, ou por uma suposta
falha de memória. Nem com o habitual e tradicional sacrifício de entrega de um
“mbuzi” (cabrito) bode e de cor preta
aos “espíritos veladores”, fosse qual
fosse a defesa, a minha “pena” não teria sido suspensa. Teria sido condenado de
qualquer forma!
Muitos antes
de mim o fizeram – se calhar com a mesma pretensão, ou talvez não, admirados
pelo seu encanto natural, atribuíram-lhe (a Tete) características ímpares na
nossa bela e densa pátria amada – Moçambique. O Dr. David Aloni foi um deles. Chamou-lhe no seu livro “CENTELHAS, Tópicos para uma Reflexão”
de “terra dos mistérios.” Com uma capital – estou a citar o Dr. Aloni – que não
deixa de ser a única e legítima princesa do grande Zambeze, com a sua
portentosa e artística ponte a ligar Matundo com a vetusta cidade. A velha e
histórica cidade de Tete goza de um tão raro privilegio de estar situada mesmo
nas barbas de uma das mais raras maravilhas de obras de engenharia – a Hidroeléctrica de Cahora-Bassa.
Não só tem
Tete a barragem de Cahora-Bassa, como também possui o grande Zambeze, as minas
de carvão de Moatize, a rica fauna, a sua poderosíssima cultura (a dança “Nhau”, por exemplo, foi classificada
pela UNESCO património imaterial da humanidade), a sua riquíssima história a
que se junta a do país em geral, a sua temperatura de fazer inveja a qualquer
um. É, no fundo, um ponto nefrálgico do turismo nacional e, sobretudo, para
quem por recomendações médicas necessita de descanso e de paz. Mas atenção: a
maior riqueza de Tete (modesta à parte), não é a Hidroeléctrica de
Cahora-Bassa, nem as minas de carvão de Moatize. A maior riqueza que Tete
possui é, sem sombra de dúvida, a generosidade do seu povo. O povo nyungwe é um
povo de uma bondade invulgar, imbatível, anti-raça. Convive com todos os outros
povos com alto sentido de irmandade, porque é um povo de extrema bondade, como
diria o falecido artista plástico português, António Charruas “que na vida podemos combater tudo, menos a
bondade de um povo.” A bondade de um povo (enfatiza o mestre Charruas) nunca falece. Um povo assim (digo eu)
está condenado ao progresso.
Foi
justamente a generosidade do povo “nyungwe”que mobilizou os guerrilheiros da
FRELIMO na grande marcha sobre o Zambeze rumo à Independência Nacional, com a
célebre canção “tiende pamodzi nantima umodzi, tiambukhe Zambeze nantima umodzi” o
que quer dizer, numa tradução livre “todos juntos e com um só coração
atravessemos o Zambeze.”
Era proibido
um soldado não saber cantar as letras desta canção. O povo, mui sabedor,
fazia-lhes o coro tal e qual as “batidas” do ritmo musical do saudoso Thazi ou de Eugénio Mucável (já falecidos). E vemos! A música (penso eu) tem um duplo sentido, primeiro funciona como
uma espécie de bálsamo para espantar os “maus espíritos” e, segundo, serve
também de “musealização” das nossas emoções, sejam ela de alegria ou de
tristeza.
Das
“escavações” feitas à memória dos anciãos da terra, não há um único comício em
que Samora Machel não tivesse
entoado com o povo esta canção. Era uma espécie de segundo Hino-Nacional.
Talvez venha daí a alegoria – para
aqueles que acreditam em representações fantasiosas, tal como eu – não foi
Machel à Mbuzine sem antes despedir-se do seu povo em Tete. Foi a última visita
que um Chefe de Estado fez à uma província do país. Por isso mesmo que ainda hoje os ensinamentos de Samora Machel no que
toca aos valores da pátria estão acima de qualquer interesse pessoal do povo
nyungwe. E o povo nyungwe não costuma desfazer pactos!
Conta Arune Valy nas suas habituais crónicas
radiofónicas, que a Província de Tete para além de abundante em “crocodilos
misteriosos”, as águas do grande Zambeze também purificam às almas do seu povo
e dos seus visitantes de eventuais “espíritos maus.” Diz-se que quem beber
daquela água é quase certo que para lá voltará. Daí que se acredita, também,
que os mortos um dia voltarão à escalar Tete. São mitos que valem a pena ter em
conta, afinal a História não é senão a sucessão de mitos.
As poucas
notícias de que disponho sobre Tete apontam para um desenvolvimento franco e
assinalável, não obstante algumas situações de “primitivismo” de que falarei
mais adiante.
As minhas
fontes falam na existência de mais escolas (no meu tempo, em 1990, haviam
pouquíssimas), falam de mais unidades sanitárias, falam ainda da entrada em
breve do funcionamento do carvão de Moatize, da construção de uma segunda ponte
(já está em curso a reabilitação da ponte Samora Machel), da energia eléctrica
que já chega em quase todos os distritos da província, da reabilitação de
estradas e pontes, e de outras infra-estruturas, como bancos, casas de
comércio, hotéis.
É claro que
não me esqueci do comboio que em breve voltará a apitar nas linhas-férreas de
Tete. Às vezes é preciso despir às
rivalidades políticas e saber dizer “tatenda”
(obrigado) Governo de Moçambique por estas e outras iniciativas boas”. Falta
ainda fazer mais, de resto, a verdade seja dita, a obra de nenhum governo é completa!
Tal como
reza o adágio popular “não há bela sem
senão”, Tete não foge à regra. À semelhança de outras províncias do país, Tete
está refém de um certo primitivismo mental de alguns dos seus dirigentes. Enquanto o Governo não “mandar” para a
reforma às ferramentas do passado, o país estará condenado a perder as batalhas
do presente. Temos o exemplo
muito claro do Vale de Zambeze cujo timoneiro é, por sinal, um tetense. Lá diz
o velho ditado: “santos de casa não fazem milagres”. Pois é,
não fazem.
O Coronel e
ancião Sérgio Vieira está a ver
estrelas em tempo de chuva, num projecto que era suposto dinamizar a economia
nacional em todas a sua plenitude. É mais um daqueles projectos criados para “o
inglês ver”, “português dançar” e o “moçambicano bater palmas” como sóis
dizer-se!
É também
sabido que Tete é (pelo menos até ontem) o maior criador de gado bovino e
caprino do país, daí o refrão popular “Há
mais cabritos em Tete do que pessoas” mas, mesmo assim, o seu povo não come
queijo, não toma leite e ainda por cima, têm uma dieta alimentar das mais
péssimas em todo o país segundo dados não oficiosos disponíveis na
Internet. Nem sequer há indústria de transformação de matéria-prima, a partir
de peles de animais para o fabrico do calçado e outros derivados. A única que
havia faliu há mais de 10 anos! O que é que se passa afinal? Será que o
empresariado tetense foi mordido pela mosca tsé-tsé?
A outra área
de interesse local seria a cerâmica. Os tetenses já não constroem casas com
recurso ao tijolo convencional (é mais barato, seguro e consciente). No pico
das hecatombes naturais que assolou a Província de Tete nas décadas de 80 e 90,
a Cerâmica sempre foi uma das principais fontes de sobrevivência das famílias e
de receitas local. A Cerâmica era o
nosso petróleo. Tudo isto ficou para as gavetas da História, esquecido ou
ignorado!
Parafraseando
o Professor José Hermano Saraiva, a
CERÂMICA não é senão barro amassado em talento. Ora, em [Tete] não falta nem
barro nem talento, muito menos água. O que falta é o espírito organizado,
empresarial que ponham estes valores a render o quanto valem.
Com tantas
saudades assim, só posso lá voltar!
Zicomo Kwambiri (muito obrigado)
Comentários
Enviar um comentário