Até 12 de
Janeiro de 2015, os últimos dados oficiais registados se saldaram em 73 pessoas
vítimas de envenenamento após o consumo de uma bebida tradicional de fabrico
caseiro, vulgo pombe ou Bwadwa em Cinyungwe, língua local.
Mais de duas
centenas terão bebido aquela pombe na Vila de Chitima, sede do Distrito de
Cahora Bassa na Província de Tete, centro de Moçambique, o que obrigou o
Governo a decretar três dias de luto nacional.
As primeiras mortes ocorreram na madrugada de sábado,
dia 10 de Janeiro de 2015. A Rádio Moçambique avançou no domingo, dia 11 de
Janeiro de 2015, que já eram 50. O número subiu depois para 69 e na terça-feira,
13 de Janeiro de 2015, já eram 73 em apenas três dias.
Para além
das vítimas mortais estiveram internadas 196 pessoas, segundo dados declarados
pela Directora Distrital de Saúde de Cahora Bassa, Paula Bernardo, quando o
número de mortos estava quantificado em 69 na segunda-feira, dia 12 de Janeiro
de 2015.
A directora
provincial de Saúde de Tete, Carla Mosse Lázaro, afirmou que só depois de
conhecidos os resultados das análises às amostras de bebida e ao sangue e urina
das vítimas se poderá saber que produto teria sido usado para o envenenamento
da pombe para causar tamanha tragédia em apenas três dias.
"É
muito triste esta situação, é a primeira vez que estamos perante uma tragédia
deste tipo", declarou Carla Mosse Lázaro.
A pombe, uma
bebida actualmente fermentada à base de farinha de milho e açúcar, é uma bebida
tradicional parecida com a cerveja, que em tempos era preparada com base a farinha
de cerais de uma espécie de sorgo como Mulumbi
(um cereal de grãos pequenos parecidos a cevada e de cor castanha), N´chewele (mexoeira) ou mapila (mapira). No lugar de açúcar, usa-se
malambe (fruto de embondeiro).
De acordo
com fontes locais, a bebida foi consumida por um grupo de pessoas que
regressava de um funeral e que parou em Kawira
B para beber, numa casa onde habitualmente se consumia pombe de muito boa
qualidade segundo os apreciadores da bebida.
Paula
Bernardo contou que os primeiros sete mortos entraram na morgue do Centro de
Saúde local na madrugada de sábado, dia 10 de Janeiro de 2015. Entre elas,
estava a fabricante e dona da casa onde foi preparada a bebida, uma filha sua e
quatro seus vizinhos. Quando se preparavam para apurar as causas da morte,
começaram a entrar em massa pessoas com diarreias e dores musculares. A seguir
foram trazidos corpos sem vida de vários bairros, o que nos despertou atenção”,
explicou a Directora Distrital.
A maior
parte das mortes ocorreu nas enfermarias do Centro de Saúde da Vila de Chitima
e do Hospital Rural da Vila do Songo, bem como nos bairros da Vila de Chitima, a
sede do Distrito de Cahora Bassa.
Uma equipa
clínica liderada pela Directora Provincial de Saúde de Tete se deslocou para
Chitima e recolheu amostras para análise. “Estamos a todo o momento a aguardar
pelos resultados dos testes que encomendámos ao Hospital Central de Maputo,
para identificarmos o tipo de produto introduzido na bebida”, disse Carla Mosse
Lázaro.
A mesma
responsável admitiu, na altura, a possibilidade de as amostras serem enviadas
para análise na África do Sul. Depois soube-se que foram enviadas àquele país,
bem como a Portugal e Estados Unidos da América (EUA), mas até a data não há
resultados laboratoriais que identifiquem a natureza e tipo do veneno.
Técnicos da
Polícia de Investigação Criminal (PIC) e dos Serviços de Informação e Segurança
do Estado (SISE) foram destacados para a região para investigarem o sucedido.
Domingos
Torcida, membro do Conselho de Administração da empresa Hidroeléctrica de
Cahora Bassa, considerou que tudo indica que se tratou de um crime e apelou às
autoridades para esclarecerem o caso. “Isto é uma tragédia. Os culpados devem
ser encontrados o mais urgente possível para serem responsabilizados”, afirmou.
O Governo moçambicano
decretou três dias de luto nacional. Na tomada de posse dos deputados eleitos
nas eleições gerais de 15 de Outubro de 2014 para a Assembleia da República, na
segunda-feira, dia 12 de Janeiro de 2015, o Presidente da República cessante,
Armando Emílio Guebuza, pediu um minuto de silêncio antes da eleição da Presidente
do Parlamento.
Até a data, o número oficial de vítimas de envenenamento em Chitima saldava-se
em 72 pessoas. Vários membros de mesmas famílias perderam a vida no Distrito de
Cahora Bassa, na Província de Tete em consequência da ingestão daquela bebida
de fabrico caseiro envenenada.
O líder da
Renamo, Afonso Dhlakama, que tinha previsto um comício do principal partido da
oposição em Chimoio, capital da Província de Manica, deslocou-se a
Chitima para se solidarizar com as famílias das vítimas.
Dlhakama foi explicado que a bebida é conhecida localmente por pombe
(Bwadwa em Cinyungwe, a língua local). Ela foi ingerida durante e após uma
cerimónia fúnebre que aconteceu na sexta-feira, dia 9 de Janeiro de 2015, em
Chitima, vila sede do Distrito de Cahora Bassa no centro de Moçambique.
De entre as vítimas mortais havia inclusive uma criança de dois anos.
Outras cinco dezenas de pessoas, de ambos os sexos, estavam ainda a receber
tratamento médico no Centro de Saúde de Chitima e no Hospital Rural do Songo. A
maioria das vítimas tomava parte de um funeral em Chitima e outras dezenas de
pessoas que adquiriram a bebida para consumirem nas casas e machambas.
Enquanto aguardavam pela chegada da urna, que ainda estava na morgue do
Hospital Rural do Songo, decidiram dirigir-se a uma residência vizinha e
adquirir a bebida caseira fabricada a base de farinha de milho para consumo,
prática habitual em quase todo o país em cerimónias similares. Para a
cerimónia, foi adquirido um tambor com cerca de 200 litros de pombe consumido
por 121 pessoas de ambos os sexos e de várias idades. Alguns não constam neste
número, porque compraram a bebida para posterior consumo nas suas casas e
machambas, tendo perdido a vida nas respectivas residências e machambas.
Os que adquiriram a bebida antes de a vendeira abandonar a casa para ir
prestar pêsames à família enlutada, bem como a parte da bebida que fora levada
para o consumo na cerimónia fúnebre, não causou intoxicação a nenhuma pessoa.
Os relatos iniciais davam conta que, na madrugada de sábado, dia 10 de
Janeiro de 2015, dezenas de pessoas começaram a dar entrada no Centro de Saúde
de Chitima com diarreia, vómitos, dor abdominal e fraqueza geral. Uma parte
considerável das pessoas entrou em estado de inconsciência. Vários destes
pacientes acabaram por ser transferidos para o Hospital Rural do Songo devido a
gravidade do seu estado clínico e a pouca capacidade de tratar tantos doentes
no Centro de Saúde de Chitima.
Até cerca das 14 horas daquele sábado, tinham sido admitidos no Hospital
Rural do Songo mais de 25 pessoas, das quais cinco acabaram perdendo a vida
naquela tarde. Por volta das 16 horas o número subira para 24 vítimas. Até ao
fim daquela tarde, quando eram 18 horas, já se contabilizavam 26 pessoas mortas
no Centro de Saúde de Chitima e outras cinco no Hospital Rural do Songo.
Entretanto, até as 10 horas de domingo, dia 11 de Janeiro de 2015, o número de
vítimas mortais não parava de aumentar: mais seis mortos no Hospital Rural do
Songo e mais 21 mortos no Centro de Saúde de Chitima, totalizando 58 vítimas
mortais.
Durante este período da madrugada de sábado para domingo, deram entrada
sete pessoas no Hospital Rural do Songo vindos de Chitima e as 8:30 horas deram
entrada mais oito pessoas, muitos delas idas por meios próprios e que nem
sequer passaram pelo Centro de Saúde de Chitima. A Directora Provincial da
Saúde em Tete, Carla Mosse, teria dito a Rádio Moçambique (RM), que as
autoridades não tinham ainda conhecimento das causas da tragédia, avançando que
estavam a ser colhidas amostras, não só da bebida em causa, como também da
urina, sangue e fluidos gástricos dos pacientes que serão enviados à capital do
país, Maputo.
"Não temos capacidade interna para análises. As amostras serão
enviadas para Maputo e eventualmente para a África do Sul", teria revelado
Carla Mosse, adiantando que só a partir dos resultados das análises se saberia
se a causa das mortes foi por envenenamento ou não.
Porém, fontes locais em Chitima já referiam ter sido encontrado, pelo
menos, um frasco pequeno dentro do tambor que continha pombe consumido que
apresentava partículas de substâncias verdes, daí que surgira a suspeita de
envenenamento. A fabricante da bebida caseira, uma irmã e um filho seu, também
estavam entre as vítimas mortais o que dificulta apurar o que poderá ter
acontecido com a bebida. Eles foram os primeiros a tomarem a bebida após terem
regressado da cerimónia fúnebre.
Para fazer face à situação calamitosa, o Hospital Rural do Songo teve que
requisitar os serviços de todo o seu pessoal médico disponível, de pouco mais
de uma dezena de profissionais entre médicos e enfermeiros. A equipa médica
revelou que, entre os seus pacientes, estava uma mulher grávida.
Referir que o Conselho de Ministros decretou ao fim da tarde de domingo,
dia 11 de Janeiro de 2015, três dias de luto em Moçambique a partir das zero
horas da segunda-feira, dia 12 de Janeiro de 2015, em memória das até então 58 vítimas mortais de envenenamento
no distrito de Chitima, vila sede do Distrito de Cahora Bassa, na
Província de Tete. Informações indicavam que
continuavam internadas no Centro de Saúde de Chitima e no Hospital Rural do
Songo cerca de uma centena de pessoas que ingeriram aquela bebida de fabrico
caseiro.
13/01/2015
AS MENSAGENS DE CHITIMA
Sou tetense. As mortes dos meus
conterrâneos me deixam inconsolável. Mas nelas busco forças e coragem para
continuar a chamar atenção a lâmina sobre a qual vivemos pendurados. Vivemos em
cima de uma lâmina. Cunho o aforismo de Carlos Serra, tetense, sociólogo
moçambicano e meu professor, que escrevera em 2003 um livro intitulado "Em
cima de uma lâmina, Um estudo sobre precariedade social em três cidades de
Moçambique".
Este país vive em cima de uma lâmina.
E a tragédia de Chitima tratou mais uma vez de expô-la, principalmente em relação
ao nível de preparação da sociedade e do Estado na sua capacidade de lidar com
grandes crises.
Até agora morreram 63 pessoas em consequência do envenenamento do pombe. Das 146 pessoas que inicialmente deram entrada nos hospitais de Chitima e Songo, 63 já faleceram, representando 43%. 35 Pessoas estão internadas.
Até agora morreram 63 pessoas em consequência do envenenamento do pombe. Das 146 pessoas que inicialmente deram entrada nos hospitais de Chitima e Songo, 63 já faleceram, representando 43%. 35 Pessoas estão internadas.
Quero aqui falar da vulnerabilidade,
de impreparação das autoridades sanitárias em lidar com surtos epidémicos e
tragédias, da nossa pobreza, da esperança e da organização.
ALGUNS DADOS BÁSICOS
Quando as primeiras pessoas se fizeram
ao hospital, os médicos que atenderam pensavam que se tratasse de intoxicação
alimentar. Só depois de ver a evolução e da gravidade da situação percebeu-se
que se tratava da intoxicação por bebida alcoólica. Entre a primeira fase e a
segunda, tiveram que morrer pessoas.
O tratamento que se dá em Chitima é um procedimento básico que consiste na administração do leite, "um comprimido" e soro. Chamam isso de desintoxicação. Entretanto, estão a "desintoxicar" algo que não conhecem porque os resultados dos exames seguiram a Maputo no Domingo, dia 11 de Novembro quando as primeiras mortes se verificaram no sábado.
O
que está acontecer em Chitima são primeiros socorros. Primeiros socorros de 72
horas!
A
Polícia da República de Moçambique, PIC e SISE estão "no terreno" mas
de mãos atadas porque também estão a espera dos "resultados" das suas
análises para iniciar as suas investigações.
A
equipa médica que o Governo diz ter expedido vem de regiões circunvizinhas e Cidade
Tete. Portanto, esta equipa médica está lá para trabalhar com os meios
encontrados no local: apoio técnico e primeiros socorros.
Quando
as primeiras vítimas se fizeram ao hospital local, foram administrados paracetamol e soro. Alguns que
apresentaram "sinais de melhoria" foram imediatamente dispensados
para casa. Mas regressaram na mesma noite em estado grave. Alguns morreram
quando tentavam explicar o que estavam a sentir, de acordo com Amos Fernando, o
único jornalista que está a cobrir os eventos deste as primeiras horas.
Na visita do Ministro Manguele, disse
aos microfones da STV que alguns doentes estavam a recuperar. Mas a história
dos que foram dispensados para casa e regressaram graves e morreram deviam
obrigá-lo a ser comedido nas palavras tendo em conta que a taxa de mortalidade
tende a crescer.
Deixem-me antes de prosseguir, trazer
mais dois casos de morte em massa e de resto advinham o que de seguida irei
falar.
No ano de 2000, na noite de 22 a 23 de
Novembro, 120 reclusos morreram numa cela em Montepuez, Cabo Delgado, por
asfixia. Estes reclusos, em número de 200, foram encarcerados, acusados de
terem participado nas manifestações anti-governamentais promovidas pela
Renamo-União Eleitoral a 09 de Novembro de 2000.
Em 2009, 12 reclusos morreram numa
cela no Distrito de Mongincual, Nampula, depois de para lá terem sido
conduzidos acusados de promoverem a desinformação em relação a campanha de
desinformação sobre a cólera, onde os agentes da Cruz Vermelha eram acusados de
espalharem a cólera.
O que há de comum entre os três
episódios por mim relatados é a lentidão que caracteriza as autoridades em agir
ou reagir para salvar vidas. E, aliado a crónica “falta de meios” e preparação,
não somos capazes de evitar mortes quando esta afigura-se tarefa principal.
Nos casos de Mongincual e Montepuez,
os comandantes das esquadras, por ignorância, abuso de poder e/ou negligência,
permitiram que, numa cela, coubessem 20 vezes mais reclusos que o previsto,
dificultando a respiração dos seres vivos lá encarcerados.
Levou muito tempo para perceber isso.
120 dos aproximadamente 200 reclusos tiveram que morrer para que o comandante
percebesse que aquela cela era pequena demais. No caso de Mongincual, também a
situação foi a mesma, 12 dos aproximadamente 50 reclusos tiveram que morrer.
Entre o primeiro e o segundo episódio
passaram nove anos, o suficiente para nos recordar.
Em Chitima, as autoridades sanitárias
esperam 36 horas para enviarem as amostras para os exames; 24 horas para
entenderem que não se tratava de intoxicação alimentar e 72 horas para receber
resultados "vindos de Maputo" ou provavelmente da África do Sul. Os
resultados vindos de Maputo provavelmente não serão acompanhados de respectivos
medicamentos.
Mas o grave mesmo é que, até agora,
não temos informação de quantas pessoas devem andar por aí intoxicadas e que
estão em casa, uma vez que potencialmente TODOS que consumiram aquela bebida
devem ser considerados envenenados.
Ademais, os resultados, quando
chegarem, segundo o protocolo das autoridades, serão primeiro comunicados aos
familiares das vítimas já falecidas e só depois a imprensa. Ou seja ainda
ficaremos a espera que, a partir de Chitima, nos sejam comunicadas as razões da
morte.
Os 35 que estão internados, os que
foram dispensados para casa e os que potencialmente não manifestam sinais de
intoxicação, deverão ainda esperar por mais horas para que finalmente saibam do
que aconteceu.
Ora, eu tenho quase a certeza que se
se tratasse do derramamento de petróleo num poço da Anadarko em Palma ou do rapto de um navio petroleiro, o Governo moçambicano
não mediria esforços para recrutar especialistas no resgate ou nos engenheiros
e respectiva tecnologia para travar o derramamento.
O tempo que mediou entre os primeiros
sinais, as primeiras mortes até a acção das autoridades governamentais é demasiado
longo. E é tão longo para não aceitar que até hoje, terça-feira ainda estejam a
espera dos resultados dos exames para se saber de que se trata e a partir dai
tratar-se os sobreviventes que até agora estão sob observação a receber os
primeiros socorros.
É isto, caros amigos, que queria vos
dizer: nós somos de facto uma sociedade doente, em cima de uma lâmina,
proibidos de ficar doente. E ainda bem que a sorte nos acompanha, porque
falhamos muitos surtos como Ébola e
Meningite, pois a cólera ainda nos mata.
A malária mata mais que a SIDA e os raptos
continuam a nos transmitir a peste bubónica. Nem sal conseguimos garantir a
todos cidadãos. Somos pobres. Mas pior que isso, é mesmo a nossa lentidão e a
capacidade preventiva.
Por defeito, um pobre, proibido de
ficar doente, deveria ser muito mais esperto em lidar com susceptibilidades e
tal, significa maior aptidão e capacidade reactiva perante surtos ou suspeitas.
Dos polícias aos médicos; dos soldados aos políticos, falta-nos a capacidade de
antevisão, comunicação, organização e trabalho sincronizado.
Será que da África do Sul, Maputo e
Lisboa, EUA, Grã-Bretanha não poderiam sair para Chitima equipas especializadas
para, pelo menos, liderar os processos a partir do local?
Mas quando foi do avião que caiu, não
se pouparam medidas para mobilizar equipas estrangeiras e peritos nacionais
para se inteirar da situação.
Atenção, não quero nem estou a
comparar. Estou a querer dizer que era possível. Bastava querer. E existem
protocolos que regem tais procedimentos.
Imagino que o Governo distrital deve
andar muito ocupado nestas alturas com a compra de caixões, alimentos e
tratamento dos corpos. É muito trabalho para quem não esperava trabalhar em
pleno Janeiro.
Maldito povo que “decidiu morrer” nas
vésperas do novo governo.
O meu pensamento está em Chitima.
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