CÓLERA EM MOÇAMBIQUE
Uma situação preocupante
26 de Fevereiro de 2015
Em entrevista, o coordenador médico
de Médicos Sem Fronteira (MSF), Ruggero Giuliani, fala sobre a epidemia de
cólera no país e na Província de Tete.
Casos de cólera foram registados em
Moçambique desde Dezembro passado, mas a epidemia se expandiu rapidamente no
mês de Fevereiro, infectando cerca de 3.500 pessoas e matando 37.
Na província ocidental de Tete, actual
foco da epidemia, a situação é preocupante. Ruggero Giuliani, coordenador
médico da organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) no
país, explica o caso.
Qual é a dimensão da atual epidemia
de cólera em Moçambique?
Das três províncias afetadas pela
cólera, Nampula, Niassa e Tete, a situação em Tete é a mais preocupante: maior
número de casos (1.826 do total de 3.500), maior número de mortes (24 de um
total de 37), e progressão mais rápida do número de casos.
Um factor agravante é que Tete, ao
contrário de outras províncias, não vivenciava um surto de cólera desde 2009, o
que significa que uma grande quantidade de pessoas não tem resistência natural
à bactéria e, por isso, o risco de ficarem doentes é maior.
Existe o risco de uma repetição da
epidemia de cólera de 2008, que contemplou toda a região?
Tete é um centro regional de
viagens. As pessoas se movimentam muito, compartilhando línguas e culturas
entre as fronteiras de Moçambique, Maláui e Zimbábue, assim como também buscam
oportunidades económicas que surgiram com o recente boom da mineração em
Tete e seus arredores. Essa alta mobilidade aumenta o risco da epidemia
“viajar” com as pessoas. Foram registados 30 casos no Maláui, aparentemente de
trabalhadores retornando de Moçambique. Dois desses casos foram fatais.
No entanto, não estamos nem perto da
escala do surto de 2008, que matou mais de 4 mil pessoas na região.
Medidas concretas devem ser
implementadas rapidamente para minimizar o risco de propagação, sendo a
primeira delas a estruturação de um sistema de monitoria com bom funcionamento
que avalie onde e como a doença está se espalhando.
Como os pacientes de cólera são
tratados?
A maioria dos casos de cólera são
tratados com sucesso por meio da reidratação do paciente, via oral para a
maioria dos casos e por perfusão intravenosa para os mais graves.
MSF construiu e coadministra,
juntamente com o Ministério da Saúde de Moçambique (MISAU), dois grandes
centros de tratamento de cólera em Tete (150 camas) e Moatize (45 camas), ambos
actualmente operando com capacidade máxima.
Também é importante descentralizar o
tratamento da cólera para perto das comunidades mais afetadas, para permitir
diagnóstico e tratamento mais rápidos dos casos mais leves, o que é essencial
para reduzir a gravidade da doença em pacientes individuais.
Entretanto, essa descentralização do
tratamento ainda não começou, em parte devido à dificuldade de encontrar
recursos humanos suficientes para ter profissionais trabalhando nos centros, e
o tratamento continua acessível apenas em locais relativamente distantes dos
focos do surto.
O que está sendo feito como
prevenção?
As medidas preventivas são tão
importantes quanto o tratamento, já que elas têm impacto direto na duração e na
gravidade da epidemia. Normalmente, um surto de cólera dura de um a três meses.
A doença é transmitida por meio da
água contaminada, motivo pelo qual as comunidades mais afetadas são,
geralmente, as de pessoas mais vulneráveis, com acesso precário a saneamento.
Com saneamento adequado, uma
epidemia de cólera não é muito provável. Mas em Moçambique, apenas 84% da população
urbana e 37% da população rural têm acesso a melhores fontes de água.
Actualmente, em Tete, os focos da
doença são as favelas localizadas ao longo do rio. Mas na medida em que foram
construídas em terreno rochoso, é muito difícil construir latrinas, um processo
fundamental, já que a bactéria se espalha por fezes contaminadas.
A MSF está apoiando as equipas do MISAU
na sensibilização sobre a cólera e as formas de evitá-la, na busca activa por
casos nas comunidades e na desinfecção com cloro e cloração da água utilizando
baldes próximo aos pontos de suprimento.
Cólera alastra-se em Moçambique
Tete
é a província mais afectada com mais de mil casos e 19 óbitos até 19 de Fevereiro
de 2015.
Depois da província
moçambicana de Nampula ter registado em Dezembro de 2014 casos de diarreias e
cólera, esta última alastrou-se agora aa províncias de Niassa e Tete.
A situação é mais preocupante na Província
de Tete, onde o número de casos da doença continua a subir.
A epidemia de cólera matou 41
pessoas em Moçambique, num total de 4.518 casos diagnosticados entre 25 de
Dezembro do ano passado e 27 de Fevereiro deste ano, anunciou o MISAU.
Segundo o Diretor Nacional-Adjunto
da Saúde Pública no MISAU, Quinhas Fernandes, os óbitos ocorreram nas
províncias de Nampula e do Niassa, no norte de Moçambique, e em Tete e Zambézia,
no centro do país.
"Continuamos em plena época
quente e chuvosa, altura em que o risco de propagação de algumas doenças, como
a cólera, é maior", referiu Quinhas Fernandes, num comunicado que leu
durante a conferência de imprensa sobre este problema de saúde pública.
Sem especificar o número de casos em
cada uma das províncias, o Diretor Nacional-Adjunto da Saúde Pública disse, em
resposta às perguntas dos jornalistas, que a situação é preocupante na Província
de Tete, uma vez que se regista uma tendência de aumento de casos, situação que
é estável noutros pontos do país.
"A situação é
preocupante na Província de Tete, porque se nota uma tendência de aumento de número
de casos. Nas outras províncias é estável, porque não temos situações novas",
afirmou Quinhas Fernandes.
Segundo informações
obtidas junto de fontes oficiais, há 2.477 casos de cólera registados pelas
unidades sanitárias da Província de Tete, com 1.130 casos e 19 óbitos. A Província
de Nampula tem até agora mais de 900 casos de cólera, enquanto na Província de Niassa
os casos ultrapassaram os 300.
As autoridades de
saúde em Nampula têm vindo a chamar a atenção, há algum tempo, da população
para a melhoria dos cuidados de higiene individual e colectiva.
Com a chuva, que
continua a cair com grande intensidade no país, sobretudo em Nampula, o sistema
de saneamento do meio está cada vez mais deficiente, o que facilita a rápida
proliferação da cólera.
Armindo Tonela, Director
Provincial de Saúde, confirma a situação crítica, mas garante que o seu sector
está preparado para a enfrentar, pese embora haja insuficiência de recursos
humanos.
De salientar que a Direcção
Provincial de Saúde e a Cruz Vermelha de Moçambique (CVM) enviaram várias equipas
às casas das pessoas com mensagens sobre higiene. Entretanto, aquelas
estruturas lamentam a falta de colaboração da população que acusa as equipas de
propagarem a cólera. Há registos de agressões aos voluntários e líderes
comunitários. O Secretário de um bairro, no Distrito de Lalaua, foi espancado
até à morte pela população.
O surto de cólera
em Moçambique teve como epicentro as províncias do norte e do centro do país,
atingidas pelas cheias que fustigam o país desde 12 Janeiro de 2015 e já que
afectaram mais de 177 mil pessoas e causaram mais de 150 mortos.
Prevenção é palavra de ordem para travar cólera em Moçambique
Em três semanas, a cólera já matou
31 pessoas e infetou 2.903, metade das quais na Província de Tete.
O Governo moçambicano, ONU e MSF
apelam ao reforço das medidas preventivas para travar o surto.
O surto de cólera seguiu-se à
catástrofe das cheias no centro e norte de Moçambique, que mataram 159 pessoas.
Na quinta-feira, 19 de Fevereiro de 2015,
o Presidente Filipe Nyusi convocou o Grupo de Emergência contra a Cólera para
uma reunião em Maputo. "Não queremos estar atrasados, tendo em conta que a
evolução histórica desta doença indicava que, a qualquer momento, estaria
evitada em Moçambique", declarou o Chefe de Estado no final do encontro.
O surto de cólera "parece
estacionário" em Niassa e em Nampula, mas na Província de Tete "os
casos aumentam rapidamente", lê-se num comunicado divulgado naquela quinta-feira
pelo Ministério da Saúde, UNICEF, Organização Mundial de Saúde (OMS) e MSF.
Noutras províncias a prevenção é a
palavra de ordem. Segundo Marco Artur, Diretor do Hospital Distrital de Caia,
na Província de Sofala, onde foram igualmente constatados casos de diarreias
agudas, mas não há ainda confirmação de um surto de cólera na região.
"Recolhemos amostras aqui no Distrito
de Caia, que enviamos para o laboratório provincial, e os resultados foram
negativos. Por isso, ainda continuamos a tratar os casos como diarreias
agudas", disse o médico em entrevista à Deutsche Welle (DW) África.
Alerta máximo nacional
Contudo, como algumas províncias já
declaram um surto da epidemia, todo o cuidado é pouco. E depois de o MISAU ter
anunciado na terça-feira, dia 17 de Fevereiro de 2015, alerta máximo para
Moçambique devido à cólera, Marco Artur considerou a situação "preocupante
e complexa".
Prevenção é
palavra de ordem para travar cólera em Moçambique
"A cada dia que passa, algumas
províncias vão anunciando o surto. A Província de Tete também já teve casos de
cólera. E como estamos muito perto de Tete estamos em alerta máximo",
explica.
Por isso, as autoridades estão a
trabalhar com as comunidades nas medidas preventivas de higiene. "Porque
se as comunidades não acatam a nossa informação, só o tratamento clínico não
nos irá a ajudar a combater o surto", sublinha.
O Diretor do Hospital Distrital de
Caia aponta o fraco saneamento e a falta de higiene individual e coletiva como
algumas das causas que contribuíram para a eclosão deste surto, que afeta
sobretudo crianças no norte e centro de Moçambique. Estas regiões foram
atingidas pelas cheias que mataram, desde 12 de Janeiro de 2015, 159 pessoas e
afetaram 185 mil.
"A maioria da nossa população
não possui latrinas. A própria água que as pessoas bebem está bem próxima dos
sítios onde acabam por fazer as suas necessidades, onde lavam a roupa. Por
isso, a propagação é maior", lembra Marco Artur. "Por mais que
tratemos os pacientes, se estes não deixaram a prática do fecalismo a céu
aberto, principalmente nas margens dos rios e das lagoas, nada teremos a
fazer."
Aposta na prevenção
No Distrito de Marromeu, outra
região perto de Tete e da Zambézia, as chuvas continuam a cair, o que preocupa
a médica Nilza Ali. "Como a cólera normalmente é uma doença causada pela
má higiene ou consumo de água imprópria, isso contribui para causar doenças diarreicas.
Em Marromeu está a chover e isso também ajuda à propagação da doença",
explica.
A cólera é causada pela bactéria Vibrio cholerae, que se multiplica
rapidamente no intestino humano.
Embora não haja registo de qualquer
caso de cólera, os técnicos de saúde em Marromeu continuam a trabalhar na
prevenção, uma vez que são "vizinhos das províncias de Tete e da Zambézia
e os casos confirmados foram em Tete e Nampula", lembra Nilza Ali.
Em Chibabava, a situação é de
normalidade, mas a prevenção é a palavra de ordem, confirma Benildo Machehane, Médico-Chefe
distrital. "Já instalamos kits
em todas as unidades sanitárias caso haja um surto de diarreia e também temos
uma tenda para receber doentes se houver um surto e for preciso fazer
investigação", revelou o médico.
Segundo Benildo Machehane, o Distrito
de Chibabava enfrenta muitos problemas de saneamento, nomeadamente devido à
falta de água potável, o que faz com que a população utilize, para tudo, a água
dos rios que passam pela região.
A epidemia de cólera está a
alastrar-se em Tete, centro de Moçambique, atingindo agora, além da cidade
capital e Moatize, também o distrito de Mutarara, onde duas pessoas morreram da
doença, elevando para 21 o número de vítimas mortais só nesta província.
O Director Distrital da Saúde em
Mutarara, António Catemene, disse à Lusa que a doença foi diagnosticada na Localidade
de Sinjale, Distrito de Mutarara, onde até terça-feira estavam internadas 37
pessoas com diarreias agudas, alargando a área de expansão da doença, num
momento em que as autoridades moçambicanas declararam alerta máximo em todo o
país.
Segundo António Catemene, o surto de
cólera em Mutarara já provocou dois mortos e atinge 68 pessoas, a primeira dos
quais surgiu a 15 quilómetros de Sinjale, num povoado onde se pratica o garimpo
e vivem mais de duas mil pessoas de diferentes nacionalidades, sem observar as
mínimas condições de higiene.
Face a esta situação, ainda segundo
Catemene, foi activado um centro de tratamento de cólera em Sinjale e técnicos
de saúde estavam hoje a caminho da região para reforçar o pessoal local.
"Estamos muito preocupados com
a zona de Sinjale, visto que as condições de saneamento do meio são precárias e
tememos que rapidamente o surto se alastre por toda a zona", explicou
Catemene, acrescentando que as medidas preventivas já estão a ser tomadas
também em Nhamayabue, sede distrital de Mutarara, onde já se preparou uma tenda
para receber possíveis casos novos.
Com a eclosão do surto de cólera em
Mutarara sobe para 21 o número de óbitos na Província de Tete, num total de
1.340 casos detectados neste Distrito e também em Moatize e na Cidade de Tete.
O MISAU anunciou na terça-feira o
alerta máximo para Moçambique devido ao surto de cólera, que tinha matado até
então pelo menos 28 pessoas, a maioria em Tete, e atingiu mais de 2.400 nas
províncias do centro e do norte do país.
"Estamos em alerta máximo e a
situação é muito complexa. Só em Tete, em média, as unidades sanitárias atendem
70 a 75 pessoas com cólera por dia", afirmou à Lusa a Directora-Adjunta de
Saúde Pública, Benigna Matsinhe.
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