PRESSÁGIO
QUE SE MATERIAZOU PASSADOS POUCOS ANOS APÓS A SUA MORTE
Há
gente de mente abençoada, para não dizer profeta. Porque o meu conterrâneo
David Aloni nunca foi profeta. Apenas foi um académico visionário na sua
leitura do passado, comparado com o presente que vivia e tirou conclusões sobre
um futuro que não está a viver.
David
Aloni soube assim fazer a leitura correcta dos factos histórico no tempo e no
espaço. Ele deixou-nos este legado que hoje, celebrando os 24 anos da
Assinatura do Acordo Geral de Paz (AGP) em Roma, vivemos uma guerra que os bem-entendidos,
de forma arrogante, preferem dizer que em Moçambique não guerra, como que as
pessoas que estão morrendo com os tiros das armas fossem meros mosquitos.
Estamos
a comemorar os 24 anos do AGP, após a magna 10ª Reunião de Quadros do Partido
Frelimo no poder que decorreu de 01 a 03 de Outubro de 2016 na Escola Central
da Frelimo na cidade da Matola, Província de Maputo.
O
Partidão defendeu nesta reunião que Moçambique não está em guerra, quando no mesmo
instante estavam a morrer moçambicanos, vítimas de balas assassinas nas
Províncias do Niassa, Nampula e Zambézia, cenário que ilustra o que se segue:
DAVID ALONI
(RENAMO) SOBRE ARROGÂNCIA DE GUEBUZA
Nelo Cossa (nelo_mz@yahoo.com.br)
In: Pravda, 04.09.2007
O académico
e quadro sénior do partido Renamo, com a pasta de Ministro-sombra da Indústria
e Comércio e membro do Conselho de Estado, Doutor David Aloni, numa longa
entrevista ao MAGAZINE, quebrou o silêncio ao acusar o Presidente da República de ser prepotente e arrogante,
cujo comportamento vai incendiar Moçambique, a qualquer
momento.
Aloni
recorda os momentos críticos da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), sem
deixar de manifestar a sua preocupação em relação ao estágio actual do País,
pois para ele, Moçambique está a mudar para o abismo.
Se
continuarem fechados, empurrando o diálogo para o lixo, o que não acontecia na
governação de Joaquim Chissano, a situação vai ficar feia, avisa Aloni para
quem dirigir a Renamo não faz parte da sua agenda, pelo que prefere deixar o
lugar para os jovens.
Siga os
trechos mais significativos da conversa concedida ao jornal MAGAZINE
INDEPENDENTE.
O Dr. Aloni
andou desaparecido da vida sócio-política e cultural do País por causa de
doença. Como se sente hoje?
- Não estou cem por cento bem de
saúde, mas dá para trabalhar, pois durante um período estava interdito pelo meu
médico de exercer qualquer actividade intelectual. Mas agora ele disse que já
posso voltar a ler e escrever. Muito obrigado por se terem preocupado com a
minha saúde, pois agradeço também a oportunidade que me dão para poder dizer
aos moçambicanos aquilo que penso do nosso belo País.
Académico,
intelectual, político como é que vê o País?
- Esta é uma
pergunta difícil de responder sr. Cossa, porque cada um de nós vê o País à sua
maneira; cada um de nós vê o País sob seu ponto de vista, sob uma determinada
perspectiva. Como sabe, diz-se que a prática é o critério da verdade e eu digo
que a experiência também o é. Diante de um objecto, a gente diz que está aí uma
mala bordada, porque a vejo numa determinada perspectiva, enquanto uma outra
pessoa enxerga a mesma mala numa outra perspectiva, por estar sentada numa
determinada posição diferente da que me encontro.
Mas o
objecto da nossa atenção, da nossa análise é a mala no seu todo. Se digo que a
mala que enxergo é bonita, a outra pessoa pode dizer que vê a mesma mala e não
a acha tão bonita como eu a vejo. Mas, atenção, estamos a falar da mesma mala,
que é vista por duas pessoas em perspectivas diferentes. Onde está a verdade? A
verdade é a própria mala, pelo que nem Aloni e muito menos a outra pessoa têm a
verdade. Aquela mala é que é a verdade, objectivamente falando. Mas a mala
existe ou não existe? Claro que existe e eu estou a vê-la, e a outra pessoa
também diz que existe e está a enxergá-la. Ou o senhor vê a mala na esquina e
eu na sua plenitude. Então, a prática é a mala. Isto para dizer que vejo o País
de uma maneira diferente, porque eu venho desde o tempo colonial, o tempo da Luta
Armada de Libertação Nacional; eu vivi a independência. Eu vivi o desenrolar do
processo político moçambicano, desde a proclamação da Independência até, por
exemplo, a criação do Partido de Vanguarda da Aliança Camponesa, cuja síntese
está neste livro que lhe mostrei sobre o Terceiro Congresso da Frelimo que se
realizou de 3 a 7 de Fevereiro de 1977. O que se seguiu depois foi aquilo que
obrigou aos moçambicanos a começar a dividir-se, porque uns pensavam de uma maneira
e outros de outra, o que é natural.
Dentro de
vinte 20 milhões de moçambicanos podemos dizer que há 20 milhões de pensamentos
a reflectir sobre o mesmo objecto, que é mala, neste caso a mala é todo o País
como já referi. E como tal, por exemplo, temos que admitir que o sr. Cossa
pense de uma forma diferente, porque é uma personalidade distinta da minha; o
senhor pensa à sua maneira e eu penso à minha maneira. O seu pensamento e o
meu, bem conjugados vão dar-nos uma síntese do que é o País. Por isso, a
verdade não é mais do que o somatório de pequenas verdades de cada um de nós,
que são os vários pontos de vista; as várias perspectivas, que cada um vê num
determinado ângulo.
Portanto,
estamos a falar do País. Porque não viu o País antes, naturalmente, poderá não
concordar com aquilo que vou dizer. Mas, devo referir que o depois nunca o é
sem o antes. Este é que é o ponto. Quando dizem que os velhos são uma
biblioteca, acumuladores de experiência da vida, é porque de facto, viram o
antes, o hoje, e estão a ver o depois, que é o amanhã. E porque o homem é ser
projectado, pelo que vivemos o ontem; vivemos o hoje a partir de ontem, vamos
viver o amanhã a partir de hoje. Então, a projecção consiste em estarmos
lançados para o amanhã. Anda hoje na moda que temos que ser pro-activos, o que
quer dizer que temos de agir em função do futuro. Este País podia estar melhor
do que está, porque quanto mais eu analiso a situação sócio-política,
económica, cultural e até histórica eu fico preocupado. Mas a minha preocupação
pode ser interpretada de várias maneiras, pois uns dirão que Aloni é radical e,
outros, é pessimista, porque vêem tudo com óculos escuros; bem como dirão que
Aloni não é patriota.
Embora não
tenha dito o que lhe está preocupar no País, o Dr. não tem medo de ser radical?
- Medo! Não
tenho medo, porque já estou morto. A pessoa nunca morre duas vezes. Quem define
quem deve ser patriota? Somos todos iguais perante a lei, pois o artigo 35 da
Constituição da República é muito claro e o Artigo 48 da Lei-mãe diz que eu sou
livre de pensar e escrever, expressar o que me vai na alma. É como a estória
dos reaccionários e não reaccionários; os revolucionários e os
contra-revolucionários. No meu trabalho de reflexão sobre os 45 anos da
Frelimo, eu interrogo-me: quem define quem é reaccionário; quem não é
reaccionário; quem é revolucionário e quem não o é, pois quem tem competência
para definir? Sou considerado reaccionário, mas até hoje ninguém me disse em
quê fui reaccionário.
Já procurou
saber?
- Várias vezes. A resposta é: Aloni já passou, é assunto para esquecer e
seguem-se palmadinhas nas costas. Esquecer não posso, mas perdoar sim. Há uma
canção que diz que “não vamos esquecer aquilo que passou”, pelo que o que
passei nunca vou esquecer, porque foi terrível meu filho.
Obviamente
que continua com as marcas e, certamente, elas influenciam a sua forma de
pensar e/ou e ver Moçambique?
- Continuo com marcas e nunca mudei a minha forma de pensar. O pensamento
continua o mesmo que eu tinha em 1952. Sempre vi as coisas à minha maneira.
Quando atingi os dezoito anos, estava em Boroma, na Escola de Formação de
Indígenas na Província de Tete. Em Agosto de 1958, fui de férias a Angónia,
minha terra natal, e como sempre, gostei de andar com o meu pai, pessoa
influente na zona. Ele convidou-me a uma reunião em Lisulo. Lisulo é a corte
real dos Angoni, no Malawi, cuja zona fica localizada ao longo da fronteira
comum entre Moçambique e Malawi.
O meu pai
disse-me que o salvador do Malawi ia falar. Estava a referir-se ao Dr. Kamuzu
Banda que ia dirigir um comício, pela primeira vez. Nós, os de Angónia, fomos
em massa e eu ouvi o discurso do Dr. Banda. Não faz a mínima ideia de como eu
vibrei perante aqueles dizeres, pois relacionei-os com a situação que se estava
a passar em Moçambique. O meu régulo era primo do Inkosi Gomane Kuende. As
conversas deles, já em ’52 e ’53, incidiam numa eventual independência do Malawi, integrando Angónia,
cuja intenção foi descoberta pelos portugueses. Para os portugueses aquilo que
se passava no Malawi era confusão, pelo que queriam manter o seu regime aqui no
País, mas Banda podia falar em público naquele ponto do nosso País. Nós
queríamos independência de Moçambique, bem como os malawianos queriam também
ser livres.
Naquele
tempo ainda não estávamos organizados, naturalmente. Willard Gomane Kuende
disse ao seu primo que nós ficaríamos independentes se nos encostássemos a
eles. Em termos sociológicos e políticos, isto queria dizer que era anexação de
Angónia ao Malawi. E o meu Inkosi queria que isso acontecesse, mas foi
descoberto pelos portugueses, o que lhe custou a prisão. Quando regresso
daquele comício eu galvanizei os meus colegas na Escola normal, até que houve
uma agitação que me valeu a acusação de mentor da rebeldia. Foi atrevimento
demais, o que nos valeu uma punição até dizer basta.
Nessa
altura, não sei se existiam a União Nacional Africana de Moçambique Independente (UNAMI), o Mozambique African National Union (MANU, à maneira da
KANU do Quénia) e a União Democrática
Nacional de Moçambique (UDENAMO).
Passado um tempo, mantenho contacto com o fundador de UNAMI, o moçambicano
Cândido Gadaga. Ele e Baltazar Chagonga, pai de Filipa Baltazar, que foi
deputada na Assembleia da República, foram os fundadores da UNAMI, cuja
agremiação passaria automaticamente a ser o meu movimento, porque congregava o
distrito de Tete e parte da Zambézia. Mas, os fundadores estavam escondidos no
Malawi. Nas celebrações dos 45 anos da Frelimo perguntei se conhecem uma tal
carta de Eduardo Mondlane dirigida a Baltazar Chagonga.
O que é que
dizia essa carta?
- Não posso revelar agora o conteúdo da mesma. É a partir dessa
correspondência que a UNAMI aceita integrar um movimento único para a
libertação de Moçambique. O MANU e a UDENAMIO devem ter mantido correspondência
com Mondlane para se unirem. Nasce, deste modo a Frente de Libertação de
Moçambique (FRELIMO), a qual todos nós pertencemos. Estou a falar do famoso dia
25 de Junho de 1962, pois o que se discutiu no Primeiro Congresso está muito
claro. Foi no Primeiro Congresso onde se institucionalizou a Frente de
Libertação de Moçambique como um movimento de libertação, pelo que foi muito
aliciante e interessante.
Perante o
que se passou naquele congresso ninguém duvidou que devíamos nos unir para
conquistar a independência, dentro de uma perspectiva democrática. Daí que
houve eleições. É evidente que todos achavam que Eduardo Mondlane era aquele
que devia liderar a frente.
Além disso,
tinha que se eleger um Vice-Presidente: o Reverendo Urias Simango foi eleito Vice-Presidente
da Frente de Libertação de Moçambique e os dois são reeleitos no Segundo
Congresso em 1968. Sabe que este ano foi conturbado na história da Frente de
Libertação de Moçambique, pois foi nessa altura que começa a fermentar e,
depois, A nascer uma nova ideologia, que já não era de carris democrático.
Independentemente
de a Frente ser apoiada por países diversos, uma vez que estávamos na fase crítica
da Guerra Fria entre o Leste e Oeste, as coisas complicaram-se. Naturalmente,
os do Leste, que constituam o Bloco Socialista estavam interessados na
libertação das antigas colónias, tendo dado apoio possível, nomeadamente a
ex-União das Repúblicas Socialistas Soviética (URSS) com todos países satélites
e a República Popular da China, justamente para conquistarmos a nossa
independência, a nossa soberania.
Mas é
preciso ter presente isto: Mondlane foi formado no Ocidente, portanto, num país
capitalista. Toda a sua intelectualidade e estrutura mental estavam em
conformidade com a ideologia capitalista; por isso, leia com muita atenção a
obra Lutar por Moçambique, onde vai perceber qual era o pensamento político
de Mondlane, o que Mondlane queria para este Moçambique. Ele fala de
socialismo, de justiça social, mas a pergunta que devemos colocar é: de que
socialismo falava Mondlane? É uma pergunta que muitas pessoas não colocam, mas
eu a coloco.
A crise na Frente
acontece numa altura em que dentro do Bloco Socialista começa a haver
divergências muito sérias, pois os chineses e os soviéticos entraram em rota de
colisão, apesar de ambos serem da mesma ideologia. E isto reflectiu-se na
Frente de Libertação de Moçambique, uma vez que houve correntes ideológicas
diferentes. Uns defendiam a sintonia com a União Soviética e outros com a
China, por razões que não sei. Ressalta a pergunta: de que corrente pertencia
Eduardo Mondlane? Não pertencia a nenhuma delas, porque ele pensava com a sua
cabeça. Ele foi professor universitário, funcionário das Nações Unidas e tinha
uma estrutura de pensamento diferente de outros camaradas seus, pois não era
fácil de o manipular: era um osso duro de roer.
O facto de
ele ter uma estrutura de pensamento diferente, custou-lhe a vida?
- No meu artigo sobre os 45 anos da Frelimo eu pergunto: não terá sido
precisamente por pensar diferente que lhe tiraram a vida? Porque ele podia
constituir um obstáculo para a implementação de uma das ideologias, mais tarde
num Moçambique independente. Este é um raciocinou lógico.
Mondlane é
assassinado, mas deixa um Vice-Presidente, que automaticamente devia liderar a
frente. Na sua opinião o que aconteceu para que isto não acontecesse?
- Está a
colocar uma questão pertinente. Esta é uma pergunta que é colocada por muita
gente que se interroga e pensa com a sua própria cabeça. Os Estatutos da Frente
de Libertação de Moçambique rezam que a estrutura orgânica da Frente tinha o
ponto máximo o Congresso, depois o Presidente e Vice-Presidente. Porque é que,
depois do bárbaro assassinato de Mondlane, o Reverendo Urias Simango não
assumiu automaticamente a liderança da Frente? Começa outro problema, pois as
tais duas correntes não estavam interessadas em ver o Vice-Presidente a liderar
a Frente.
Quando
dizemos Reverendo logo estamos a falar de um homem de Deus, um homem que
acreditava nos valores mais sublimes, acreditava na existência do Senhor e
rezava. Mas outros camaradas seus defendiam que a religião era o ópio do povo.
E pergunta quem disse isso? A resposta é: foi Karl Max. Mas não interpretaram
correctamente o seu raciocino. Está a imaginar um Reverendo a dirigir uma Frente
de Libertação. Todos os valores éticos, morais e toda a ambiência que rodeava o
Reverendo não permitiriam trafulhices. Foi nessa altura em que começa a
hegemonia política de uma região sobre outra, daí que era preciso neutralizar
Urias Simango.
Criaram um Triunvirato
para o abater. Os Estatutos previam a criação de um Triunvirato? Não. A questão
da Frelimo pontapear as leis, pontapear a Constituição da República não é de
hoje. É óbvio que naquela altura não havia Constituição da República, mas sim Estatutos,
que foram pontapeados. Havia um objectivo, pois o Vice-Presidente não se sentiu
confortável. Que o pusessem como Presidente e num Congresso extraordinário
elegessem um Vice-Presidente, era uma saída justa e coerente de acordo com os
próprios Estatutos. Não quiseram, prefiram criar um Triunvirato composto por
Samora Machel, Marcelino dos Santos e Urias Simango.
Não gosto de
falar de pessoas que nos deixaram, mas veja essas duas primeiras figuras
tenebrosas e tenebrosas... E tudo fizeram para que o Reverendo se revoltasse,
pelo que as duas ideologias continuaram a avançar em paralelo até à proclamação
da independência. De acordo com alguns pensadores, analistas, historiadores e
políticos, o que estava na cabeça de Mondlane é que, após conquistarmos a
independência, devia agir-se em conformidade com as regras universais que regem
os princípios democráticos.
No governo de transição deveria ser permitida a constituição de partidos que seriam os mesmos a concorrer às eleições na altura da independência. Mas, isso não aconteceu, abocanharam o poder. Tenho a certeza de que este não era a ideia de Eduardo Mondlane. Sabe que na altura existiam o Grupo Unido de Moçambique (GUMO), a Frente Unida de Moçambique (FUMO) e outros partidos, e o próprio Reverendo tinha um partido dele, queria também participar, mas a Frelimo esmagou a todos, à força: implantou a ditadura e o totalitarismo; prenderam a gente.
Onde estava
quando se proclamou a independência?
- Quando se
proclamou a independência eu não estava cá, estava na Holanda a fazer a última
formação académica em Relações Internacionais e Diplomacia. O meu estágio foi
no Tribunal Internacional de Haia. Eu conheço aqueles corredores, pois assisti
a dois julgamentos, o que me galvanizou para a causa de Relações Internacionais.
No dia em
que Moçambique fica independente, os meus colegas fizeram-me uma grande festa
para, depois, no dia 27 de Junho de 1975 eu ser graduado. A Reitoria
convidou-me para dar aulas na mesma universidade, mas como fui à Europa para
roubar conhecimentos para poder fazer crescer o meu País, decidi voltar.
Desembarco no Aeroporto Internacional da Beira, exactamente no dia em que
Samora Machel decretou, através de um discurso, num comício as nacionalizações,
dia 24 de Julho de 1975. Estava uma agitação terrível; pelo que vim a saber,
mais tarde, outros moçambicanos que tinham estado a estudar nos Estados Unidos da
América e noutros cantos do mundo, a formarem-se, ao desembarcarem no aeroporto
foram presos; não foram vistos pelos familiares, depois de muito tempo fora de
Moçambique.
Quando
outros, ainda no exterior, se aperceberam desta situação, não voltaram. Não
quiseram vir viver um comunismo puro”que a Frente de Libertação de Moçambique implantara. Vivia-se um terrorismo
de Estado e, eu não estava habituado a esse tipo de vida.
Fiquei
hospedado em casa de um irmão meu que era Chefe Regional dos Aeroportos da Região
Centro. Entre várias estruturas, onde me apresentei, quando cheguei a
Moçambique, foi o Ministério da Educação e Cultura em Maputo. Na altura, era Ministra
a senhora Graça Simbine. A minha audiência não passou de uma inquisição. Chegou
a ponto de questionar os meus conhecimentos. “O senhor pensa que é quadro? Quadro formado por quem e para quem? Estou a
citar alguns excertos da inquisição. O fim foi muito triste, pois prefiro não
dizer, pelo que, não insista.
Regressei à
Beira e encontrei uma crise tremenda de falta de professores, porque estavam a
abandonar as escolas. Apareceu alguém que tinha uma empresa que operava na
indústria e comércio, pela qual fui convidado a ocupar o cargo de sub-gerente,
embora não tivesse feito um curso específico; tinha noções de gestão com base
na filosofia económica. Por causa da minha entrega e rápido enquadramento, fui
evoluindo até ao ponto de ser responsabilizado outros cargos. É através do
sócio-gerente que venho a conhecer Orlando Cristina. Que coincidência! É
preciso dizer que, nessa altura, 1976, André Matsangaisa e Afonso Dhlakama
estavam na Beira.
Teve algum
contacto com eles?
- Não tive
contacto com eles. Mas já sentia que alguma coisa iria acontecer, no país.
Também fui abordado para dar aulas, e expus logo o assunto ao meu patrão. Este
deu-me a luz verde para aceder ao convite, mas sem me esquecer da empresa. Comecei
a dar aulas no Liceu e no Instituto Industrial e Comercial, mas sempre deixei
claro aquilo que fui dito no Ministério da Educação e Cultura. Encontrei três
professores que tinham sido enviados aos Estados Unidos da América por Eduardo
Mondlane a darem aulas e um deles era Joaquim Marungo, hoje Chefe do Gabinete
Central de Eleições da Renamo e deputado da Assembleia da República. Havia
quatro negros com formação superior nas duas instituições supra, o que se
traduziu num delírio, no Liceu e no Instituto.
Mas isto foi
sol de pouca dura. Num belo dia 17 de Setembro de 1976, fui convidado por um
casal amigo para jantar em casa deles. Dei deveres aos meus alunos. Os meus
colegas foram dar aulas; foi precisamente nesse dia que o Dr. Marungo estava a
explicar Matemática, quando aparece alguém, por trás, a dizer-lhe para o
acompanhar. Quando chega na sede do SNASP, apercebe-se que outros dois colegas
já lá estavam. No dia seguinte, fui a uma exposição de livros, entre os quais
estavam meus dois. Quando, no intervalo, regressei à casa para almoçar, minutos
depois de me sentar à mesa, toca a campainha, e abro a porta. Deparo-me com uma
figura alta, grande e feia com uma notificação que dizia para o acompanhar.
Essa notificação há-de sair no meu livro.
Tenho seis
livros à espera de oportunidade para serem publicados. Veja que eu não sabia
que os meus colegas tinham sido detidos. O fulano que me veio prender era meu
aluno; veja até onde vai a baixeza dos homens! Então, lá fomos ao sítio, onde
fiquei mais de três horas, de pé, sem ninguém me dizer nada, e a minha falecida
esposa (que Deus a tenha em paz), estava grávida. Foi um psicodrama que não se
pode esquecer!...
Horas
depois, o meu irmão toma conhecimento e vem ao meu encontro. Minutos depois
alguém vem e diz-me para o acompanhar à cela e eu recuso. Depois, aparecem três
para me pegarem, à força, e eu sacudi-os, porque eu já estava uma fera. Nunca
fiquei tão nervoso como naquele dia, mas o meu irmão aconselhou-me a
acompanhá-los. Meteram-me na cela 11. Mais tarde, vim a saber que o meu crime
tinha a ver com o facto de ser contra-revolucionário e reaccionário. Mas quem
prova isso?
Não gostaria
de entrar em detalhes, porque os momentos que se seguiram foram violentos para
mim. Ficámos presos durante um mês na Beira e não nos comunicávamos. Houve uma
confusão na Beira, protagonizada pelos alunos. Eles questionavam o porquê de
até professores negros serem presos e afastados quando havia crise de
professores? Este questionamento foi levantado, porque muitos professores
brancos estavam a abandonar o País. Todas as escolas queriam entrar em greve,
tendo o SNASP se apercebido de que nós tínhamos influência. Entretanto, este
senhor que é Presidente da República, faz uma visita à Beira, porque era Ministro
do Interior. Ele queria saber se havia ou não presos políticos. E nós ficámos
satisfeitos, porque vimos que era uma oportunidade para expor o nosso problema.
Esconderam
os nossos nomes, para, depois, sermos desterrados para a Zambézia. O senhor
Bonifácio Gruveta, que era governador na Zambézia, impressionou-nos, pela
positiva, pois ele quis saber que crime cometêramos na Beira. Não levámos
nenhum documento ou guia de marcha que informasse o mal que nós havíamos feito.
O Gruveta fez diligências na Presidência da República Popular de Moçambique
para poder agir em consciência. Recebeu instruções para fazer coisas que não
lhe posso dizer.
Essas coisas
eram mortais?
- Não posso
revelar, porque é muito chocante. Chegou, depois, uma ordem que mandava que
fôssemos para a reeducação, uma vez que o Governador não quis cumprir a
primeira. Até hoje não recebi nenhum documento a dizer que já fui reeducado, se
já estou identificado com o povo. “E para eu me identificar com o povo, tinha que ser submetido a trabalhos
forçados e violentos. Tudo quanto disse atrás é, exactamente, para afirmar que
eu defendi sempre a democracia pluralista; nunca aceitei o monopartidarismo,
embora numa determinada fase tivesse defendido só a existência de dois partidos
em qualquer país africano ou uma outra hipótese que eu me colocava, era um
partido único, sim, mas de cariz, efectivamente, democrático. Porque não se
aceitou que os moçambicanos se congregassem em partidos, em Moçambique? Tivemos
e continuamos a viver um regime de terror. Este regime terrorista está
disfarçado de democracia. Não é por acaso que os partidos políticos da oposição
são hostilizados, amordaçados e perseguidos. A governação de Guebuza está a
levar o País para o abismo. Tudo está claro que este regime de Guebuza está a
voltar ao monopartidarismo, pois, o meu presidente Dhlakama já chamou a
atenção.
O Presidente
Armando Guebuza, durante as celebrações dos 45 anos da Frelimo, disse que não
há razões para se voltar ao monopartidarismo...
- Isso é
conversa fiada. É uma afirmação para enganar o outro, pois eles estão a
conduzir o País para uma situação a que chamo altamente perigosa. Tudo indica
que pode rebentar uma convulsão social e política de consequências
imprevisíveis. Numa das intervenções desse mufana, Edson Macuácua, diz que a Frelimo
é o partido do povo para o povo. O que é que ele está a dizer? Eles pensam que
nós estamos a dormir? Pelo menos eu não estou. Falar de partido do povo para o
povo, é o mesmo que dizer um partido de todo o povo moçambicano, um partido
aglutinante, de que todos nós fazemos parte. E no substrato de um partido
aglutinante, o que é que está lá é o monopartidarismo, totalitarismo.
É preciso
prestar muita atenção ao que dizem. Uns parênteses: aqueles números da
composição da Comissão Nacional de Eleições significam o processo de
triunvirato; pois nota-se uma hegemonia de uma determinada região sobre outras,
o que é perigoso. Devo dizer que, com a situação que o país atravessa, de
enormes dificuldades, há maior probabilidade de se incendiar um barril de pólvora
que, a qualquer momento, poderá explodir. E a explodir, não sei quem vai
aguentar os efeitos. Ilusoriamente, a comunidade internacional continua a dizer
que Moçambique é um exemplo de reconciliação nacional. Onde está essa
reconciliação nacional? É uma reconciliação fictícia e teórica. Esta não
interessa, porque queremos uma efectiva. Se Guebuza continuar com a atitude
arrogante, o País pode arder, sim! Se continuarem fechados, empurrando o
diálogo para o lixo, o que não acontecia na governação de Joaquim Chissano, a
situação vai ficar feia.
Qual é o
papel da oposição perante este cenário que está a levantar?
- A oposição
está a ter dificuldades em desempenhar o seu papel. Há quem diga que a oposição
está de férias, o que não é verdade. A oposição está a ter dificuldades em
desempenhar a sua função, pelo que essas dificuldades, hoje são mais salientes
e altamente perigosas. Porque, quando faço referência ao antigo Presidente Joaquim
Chissano, não é por acaso: ele é o expoente máximo da diplomacia moçambicana,
se não africana. Admiro-o bastante.
Estou a
distinguir Chissano de Guebuza, embora todos sejam do mesmo partido. Por que
Chissano dialogava e Guebuza não? Segundo a nossa tradição, o diálogo é uma das
vias indispensáveis para a busca de soluções. Hoje, o país está a enfrentar
dificuldades de vária ordem, porque não se abre espaço para que a oposição
contribua, também, com as suas ideias. Não é a Frelimo que vai construir o país,
sozinha; cada moçambicano tem a sua parte. Pois, bem disse o actual Presidente
da República que, cada um, faça a sua parte. Então, como vai fazer a sua parte
se não lhe dá oportunidade? Logo, é conversa fiada.
Veja como o
sindicato do crime organizado tomou conta do Estado. Isto é vergonhoso! O
sindicato do crime está a governar, porque não há autoridade. Como se pode
combater o crime, enquanto as próprias forças ditas de defesa e segurança estão
envolvidas nesses crimes? Quando não se entendem, baleiam-se. Tenho pena de
José Pacheco, pois nem sabe o que está a dizer; Pacheco está feito um
fanfarrão. Esse Comandante-Geral descoberto nas Forças Armadas de Defesa de
Moçambique, que nem se quer patente tinha para exercer as funções de
Comandante-Geral da Polícia, é uma vergonha Nacional. Consultaram a Lagos
Lidimo, Chefe do Estado Maior-General? Que compromissos é que há? Um general
fabricado à última hora: isto é palhaçada demais! Os moçambicanos não merecem
esta vergonha, merecem mais consideração, respeito e auto-estima, mas Guebuza
fala de auto-estima, só que não a pratica. Ele é que se auto-estima; está a
utilizar o povo para os interesses pessoais inconfessados. Até quando o povo
vai ter que aturar isto?
Se se
criasse uma oportunidade para que a oposição se sentasse à mesma mesa com o Governo
para, em conjunto, encontrarem alguma solução dos problemas que levanta, quais
seriam os pontos prioritários a debater?
- A primeira
coisa, para se abrir um diálogo, é haver eleições livres, justas e
transparentes. É aqui onde começa o diálogo, pelo que quem não é transparente
só quer ganhar com base em esquemas. Só dizem que a Renamo ou Dhlakama fala em
fraudes; pois, é verdade, não são estórias. Quem ganha eleições com base em
esquemas, sejam eles informáticos, sejam de intimidação, à boca das urnas,
sejam eles em manipulações de recenseamento, é porque não está seguro.
Temos uma
nova Comissão Nacional de Eleições?
- Outra
fantochada. Já escrevi sobre a nova CNE, pelo que respeito muito as pessoas que
lá estão. Espero que o Professor Doutor Leopoldo da Costa seja coerente com a sua
intelectualidade, que se distancie do comportamento da performance daqueles
dois reverendos que apareceram misteriosamente por obra da Frelimo. Eram
fantoches. Aquela composição em si é sugestiva, pelo que, sugere-nos que pode
haver uma jogada qualquer. Temos seis naturais de Maputo, três naturais de
Gaza, dois, de Inhambane, um, de Tete e, um, da Zambézia. Querem manter o poder
no sul? As três províncias do sul o que representam em relação às sete? Não sei
se o total da população de Nampula não supera a do sul todo, particularmente
Maputo. Faço esta análise com muita preocupação e mágoa, porque sou patriota.
Estiveram
reunidos, recentemente, a apreciar a estratégia da revolução verde. Temos a jatropha, a luta contra a pobreza e
agora a revolução verde. São palavrões bonitos e tudo conversa. Agora se me
disser que está a lutar por maior riqueza, isso posso acreditar. Estão a deixar
o povo moçambicano a vegetar. Uns dizem que o povo moçambicano é pacífico, eu
digo que não é pacífico, é passivo de mais, até um dia. Temos chefes que dão
cinco mil meticais aos filhos para esbanjarem ao fim de semana, enquanto o
trabalhador mal ganha o salário mínimo. Onde está a justiça social de que tanto
se fala? Onde está a distribuição equitativa da riqueza nacional? Se eu fosse
Presidente, não abriria a boca, ficaria pasmado perante a desgraça e miséria
que enferma os moçambicanos, em vez de dizer que a pobreza está a fragilizar-se.
Sente que o
Conselho de Estado é um órgão moribundo?
- Não há
vontade política para que este órgão funcione, de facto. Há quem pense que eu
quero que se reúna o Conselho de Estado (CE). Negativo. Quanto mais tempo livre
me dão, melhor para mim, de forma a ocupar-me de outras coisas, e se calhar,
até mais importantes para o país. Outros pensam que o membro do CE ganha 50 mil
meticais, o que não é verdade, pois, nem um cêntimo de dólar recebem para fazer
cantar um cego. Há que se respeitar o preceituado na Lei-Mãe. A tragédia de
Malhazine e o crime violento que tomou conta do país, são motivos suficientes
para se convocar o CE.
O actual
Chefe de Estado é prepotente e arrogante. Se quisesse ver o país a andar, havia
de ouvir aqueles velhos que perfazem o CE. Mas ele se intitula sabichão e
omnisciente. Como sabe, nós só reunimos uma única vez, para tratarmos da
questão do regimento interno, cartão de identificação, e de lá a esta parte,
não sabemos o que se passa com o CE. Ele diz que Moçambique está a mudar. Sim,
está a mudar, mas para o abismo. Moçambique está a regredir em termos de
democracia.
Tirando a
questão da sua saúde, vozes há que dizem que Dr. Aloni está a ser isolado no
seu partido...
- Não é
verdade. Na Renamo há democracia. Sou membro do Conselho Nacional, e lá digo
aquilo que penso e ninguém me trava a palavra. Igualmente, estou no Governo-sombra,
onde ocupo a pasta de Ministro da Indústria e Comércio. Tenho liberdade de
pensar e dizer o que eu quiser na Renamo. Portanto, não estou isolado.
Fala-se na
figura de David Aloni ou Davis Simango como os prováveis sucessores de Afonso
Dhlakama. Pensa em candidatar-se?
- Recuso-me
a ocupar esse lugar, porque a idade já não me permite correr. Deixo este tipo
de cargos para jovens, porque a vida deste país está nas mãos da juventude.
Acha que a
liderança de Afonso Dhlakama chegou ao fim?
-Recuso-me a
responder a essa pergunta.
Na qualidade
de Ministro-sombra”da Indústria e Comércio, qual é o comentário que faz
em torno da integração económica na Comunidade para o Desenvolvimento da África
Austral?
- É
sobejamente visível que vamos ser engolidos, até porque já o estamos. Houve uma
precipitação em se querer meter neste processo, sem fazer um sério trabalho de
casa. Em que sector vamos ser competitivos, se não se produz nada competitivo?
Faliram os sectores têxteis e do caju, onde havia sinais de nos impormos na
região. É claro que se a Renamo governasse, tudo faria para revitalizar estes
sectores. Podíamos criar formas de actualizar, em formação e capacitação, o
exército de trabalhadores que tanto produziu quando estava no activo. Podíamos
criar formas competitivas de produção de batata como as produzidas em Moamba e
em Angónia. São saídas viáveis...
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