A VAIDOSA QUE ENCANTOU NYUSI E VAI CUIDAR DA
PELE NOS RECURSOS NATURAIS
Por Matias Guente,
Canal de Moçambique, 19 de Outubro de 2016
O título confunde-se
com matéria cor-de-rosa dirigida a um público mais relaxado. Mas não. Fica-se
mesmo pela aparência de enunciação. Vamos, é, tratar de um assunto muito sério:
os nossos recursos minerais e de energia.
Depois de “personalidades”
como Osvaldo Petersburgo e Celso Correia, por exemplo, terem chegado a cargos
de topo em Ministérios sensíveis, estava claro que com Nyusi tudo era possível
e que era necessário alargar a margem do impensável.
A impossibilidade passou
apenas a ser uma questão de tempo. Mas, como se as anteriores nomeações não fossem
suficientes como indicadores da “nova era”, na noite da passada segunda-feira
meio mundo ficou chocado com o anúncio da indicação da jurista Letícia Deusina
da Silva Klemens para o cargo de Ministra dos Recursos Minerais e Energia.
Foi substituir Pedro
Couto, que foi afastado para PCA da HCB, por alegadamente não ter permitido a
tramitação do expediente à moda “take away” das multinacionais, com destaque
para a “Anadarko”.
Minutos depois de a
Presidência da República ter libertado o comunicado que oficializava a então Presidente
da Mesa da Assembleia-Geral do Millennium
BIM e da Associação das Mulheres
Empresárias e Empreendedoras Moçambicanas como a ministra da mais apetecível,
mas também complicada, pasta ministerial, as redes sociais inundaram-se de interrogações,
tendo como base comum a incredulidade.
Não era para menos!
Letícia Deusina não
tem qualquer experiência de gestão mediana, muito menos de topo, em recursos
naturais e públicos. No seu curriculum, publicado pelo Millenium BIM, está
patente a ausência de experiência da nova ministra em matéria de recursos
minerais. A sua única experiência digna de realce é mesmo a de presidente da
mesa da AG do BIM, questionando-se em que circunstâncias terá convencido Nyusi e
dado credenciais suficientes para gerir processos tão exigentes como os que
abundam no sector extractivo e de energia.
O sector extractivo moçambicano
tem estado a caminhar para um estágio onde se requer visão estratégica sobre a
exploração dos recursos, enquanto cresce a consciência da responsabilidade por
parte da opinião pública e organizações independentes especializadas.
Serão os recursos uma
bênção ou uma maldição? Seremos mais um desses países africanos com recursos
mal geridos, que terminam em guerra, ou vamos tentar imitar a pérola
escandinava, a Noruega? É o que se pergunta de forma recorrente, se bem que a
resposta vive teimosamente encostada à primeira opção.
Depois do frenesim do
carvão, os olhos estão agora postos no gás natural, de resto cartada mais
directa e imediata da salvação da economia nacional.
Dados mais recentes divulgados
pela Empresa Nacional de Hidrocarbonetos indicam que, nos últimos cinco anos, Moçambique
descobriu reservas calculadas em cerca de 170 triliões de pés cúbicos (TCF) de gás
natural, nas Áreas 1 e 4 da Bacia do Rovuma, exploradas pela empresa
norte-americana “Anadarko” e pela empresa italiana “Eni”. Os dois projectos terão
um investimento global na ordem dos 39,6 biliões de dólares norte-americanos.
Mais recentemente, a
empresa norte-americana “Warburg Pincus”, accionista da “Delonex Energy”,
anunciou para 2017 a prospecção de petróleo no bloco P5-A, na zona da povoação
da Palmeira, na Província de Maputo. Sobre estas incomensuráveis quantidades de
gás, cruzam-se e entram em conflito interesses nacionais e privados, algumas
das vezes não se sabendo o limite de um e do outro, muito por culpa de um
sistema obscuro e clientelista, dominado pelo poder dos predadores do partido
governante, que muitas vezes têm prejudicado o Estado a favor de chorudas
comissões.
Ao longo do vale do Rio
Save, as autoridades anunciaram ocorrência potencial de minas de diamantes. Há
até um conjunto de legislação específica já aprovado e que entrará em vigor em
Novembro próximo.
É neste teia de
conflitualidade e de clientelismo que não sobreviveu Pedro Couto, que tentou imprimir
alguma probidade em defesa do interesse nacional e acabou com o epíteto de “inflexível”,
como descreveu o jornal “Savana” em trabalho recente, citando fontes ligadas
aos meandros dos hidrocarbonetos.
Uma mulher clássica
para um terreno conflituoso
A escolha da
inexperiente Letícia Deusina da Silva Klemens visa fundamentalmente dar
resposta à urgência de ter no topo do Ministério uma “individualidade” maleável
e facilmente manipulável, capaz de cumprir ordens sem capacidade de
questionamento.
O Canal de Moçambique sabe, por exemplo, que interesses ligados
aos habituais generais de Pemba chegaram a ser colocados de lado por Pedro
Couto, que se mostrou muito duro na questão do gás a ser comercializado em Moçambique
e a ser exportado, para além do badalado debate com a “Anadarko” sobre se o gás
sai por via da “Afungi” ou por via da Base Logística de Pemba, onde, há muitos
dirigentes da Frelimo que esfregam as mãos à espera de negócios terciários.
A flexibilização da negociação
dos contratos de cedência de participação entre as multinacionais e as
respectivas comissões ou luvas, muitas vezes para evitar procedimentos burocráticos
tributários a favor do Estado (as chamadas “mais-valias”), é outra questão que
a nova chefe do Ministério tem potencialidade para facilitar, por estar em
águas desconhecidas.
Uma vaidosa com
cheiro a Chipande
Mas, se Letícia é, de
todo, uma ilustre paraquedista no sector extractivo, salvo alguns buracos de areia
de construção que explora no interior da Província de Maputo, não é
desconhecida nos círculos de negócios do grupo actualmente dominante. É sócia
da família Guebuza em vários empreendimentos.
Mas, o que mais salta
à vista, é o facto de partilhar acções com Namoto Chipande, o filho de Alberto
Chipande, o controverso autor do agora questionado “primeiro tiro”, apontado de
forma recorrente e pelo seu comportamento como sendo o verdadeiro Presidente da
República em matéria de facto.
Juntos, têm, há mais
de seis anos, uma sociedade de consultoria denominada “+258, Limitada”, da qual
faz parte o filho de Tobias Dai, ex-ministro da Defesa e cunhado de Guebuza.
Em 2011, a
recém-nomeada ministra cedeu parte significativa das suas quotas da empresa a
favor do filho de Chipande. É, por essa via, considerada também como encomenda
pessoal da família Chipande, mas há quem diga que a senhorita também é próxima
de Celso Correia, um outro jogador muito interessado em controlar o processo dos
hidrocarbonetos, de resto um Ministério que, a par das Finanças, ele sempre
ansiou por ocupar.
Mas, em todo o caso, uma
garantia parece visível: a senhorita, que se diz “clássica” por gostar de Roma
e Atenas (como a própria fez questão de sublinhar em entrevista recente ao portal
português “Sapo”), vem para tramitar expedientes.
Se não são públicas
as suas competências profissionais, deixamos aqui uma pequena “self description”,
um auto-retrato, da nova ministra que vai cuidar dos nossos recursos minerais e
de energia:
“Sou muito vaidosa,
gosto de cuidar muito de mim, do meu corpo, da minha pele e tenho uma
alimentação muito cuidadosa”, disse ela, num passado recente, ao “website” da “Sapo
LifeStyle”.
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