Jorge
Rungo,
Domingo, 31 de Outubro de 2016
A Empresa Moçambicana de Atum (EMATUM)
tem tudo para gerar empregos, lucros e, mais importante, em meia dúzia de anos,
pode saldar a dívida de 800 milhões de dólares que serviu para a aquisição das
27 embarcações. Quem o diz é o antigo director de frota da extinta NAVIQUE,
Mário Dimene, que sublinha que aqueles barcos devem ser habilitados a pescar
mais do que atum.
“A EMATUM pode ser rentável”, repete Mário
Dimene. A frase desperta curiosidade porque vem na contramão da avalanche de
críticas que alguns sectores da sociedade fazem ao projecto, parido da
contratação de dívidas que não foram reveladas em tempo útil e pelos canais
apropriados.
A nossa fonte passa ao lado dessa
polémica, e centra as suas atenções no que se deve fazer com aqueles meios, “porque não podemos devolver ou deitar
fora. Precisamos de uma saída. Pelos cálculos que tenho feito com operadores do
ramo pesqueiro, acredito que aquela empresa pode dar lucro e, num punhado de
anos, estará em condições de liquidar a dívida de 800 milhões de dólares”,
afirma.
À primeira vista, esta posição parece
carregada de simplismo e optimismo exacerbado, mas estamos perante uma voz
abalizada que durante a década 80 dirigiu a frota de cabotagem da NAVIQUE,
constituída por 24 navios e que era considerada uma das maiores do continente
africano.
Entre experiências profissionais na
área naval, Dimene foi gestor da Sociedade Moçambicana de Construção,
Reabilitação e Reparação de Navios (SOMONAV), do barco Victória II para a pesca
de camarão de profundidade, entre outros.
Para além disso, a nossa fonte tem
estado a realizar estudos e a produzir projectos marítimos de relevo, como a
co-autoria num estudo “Classificado” sobre os meios para a “Fiscalização Marítima e Soberania nas
Águas Nacionais”.
Nos cálculos a que tivemos acesso e
que podem servir de base para a melhoria da produtividade dos barcos da EMATUM
observa-se que a pesca de atum para a venda “em bruto” não dá lucro nenhum.
Antes pelo contrário. Só dá prejuízos.
A solução, segundo Mário Dimene, passa
pelo investimento em salas de processamento específicas que permitam que este produto
seja colocado com valor acrescentado em mercados exigentes, como o europeu.
Das contas feitas resulta que cada
embarcação destinada à pesca do atum deve ter pelo menos nove tripulantes,
nomeadamente um capitão de pesca, capitão de barco costeiro, chefe de máquinas,
segundo maquinista, contramestre, cozinheiro e três marinheiros. A despesa com
o salário destes trabalhadores daria algo próximo de 630.000 meticais.
Para além dos salários, a empresa tem
despesas operacionais que são estimadas em cerca de 2.300.000 meticais para o
pagamento de Seguro de Casco, Máquinas e tripulantes, combustível, mantimentos,
sobressalentes e equipamentos, docagem anual, licenças, impostos, pagamento de
descargas e iscas para um mês de operação. Somadas as despesas com a tripulação
e as operacionais, o esforço financeiro se situa em torno de 3.000.000 de
meticais.
A seguir, cada barco deve ir ao mar e
capturar pelo menos uma tonelada por dia que custa cerca de 98.000 meticais e
mais alguns trocados que, multiplicados por 30 dias dão algo próximo de
3.000.000 de meticais.
Dado que importa ressaltar nesta
componente refere-se às avaliações feitas pela atuneira moçambicana que indicam
que cada um daqueles barcos pode pescar três toneladas de atum por dia, o que,
na óptica da nossa fonte, é bastante bom.
Voltando à aritmética: retiradas as
despesas com a tripulação e com as operações, a empresa acumularia um prejuízo
de cerca de 55.000 meticais por barco a cada dia, ou seja, um saldo negativo
mensal de 1.500.000 na soma dos 27 barcos e, se quisermos ir mais longe, ao
final de um ano, a EMATUM teria um dano financeiro de 18.000.000 de meticais.
“Por isso mesmo é que defendo que se deve pensar numa sala
de processamento, como fez o Governo e o empresariado das Ilhas Seychelles. Só
assim é que se pode ter um saldo positivo nas contas daquela empresa”,
sublinha.
Barcos da EMATUM não enferrujam
O assunto EMATUM é polémico a todos os
níveis e, por vezes, alega-se que os 27 barcos estão parados há meses e, por
isso, a ganhar ferrugem no seu casco. Mário Dimene, que também é projectista de
embarcações, explica o fenómeno em breves linhas.
“O casco daqueles barcos é feito de fibra de vidro e as
manchas que se vêem, umas acastanhadas e outras esverdeadas, são algas que
podem ser retiradas com uma lavagem com jactos de areia, portanto, esse nunca
será um problema”, afirma.
Mais adiante diz que a direcção
daquela empresa tomou recentemente uma decisão acertada ao investir na
adaptação dos barcos para poderem pescar outras espécies que não sejam apenas o
atum. “Tanto é que o
atum é uma espécie que só pode ser capturada em 180 dias (seis meses) por ano.
O que fariam os barcos nos restantes seis meses?”.
Aliás, a reconversão daqueles barcos
gerou algum burburinho recentemente quando se anunciou que estava em curso
porque poucos entenderam qual era a necessidade de se fazer correcções em
embarcações novas.
Mário Dimene, que fez parte da equipa
que na década 80 viajou pela Europa para comprar barcos para a NAVIQUE, diz que
“um barco novo nunca é
um meio acabado. Há sempre itens que devem ser aprimorados em função da
finalidade e das condições específicas dos locais onde este vai operar”.
Disse ainda que é comum que as
construtoras de embarcações contratem uma entidade certificadora, mas quem
adquire o barco pode (e deve) solicitar que uma outra empresa certificadora
verifique se o meio adquirido preenche todos os requisitos.
“Tivemos essa experiência no passado. Os barcos que foram
comprados pela NAVIQUE eram certificados na origem, mas nós recorríamos à
MANICA para fazer a verificação final. Isto só traz vantagens para o comprador
porque pode requerer uma compensação caso haja falhas e, com esse dinheiro,
pode concluir os trabalhos no seu país”, sublinhou.
Entre as especificações que podem
levar a alterações consta o tipo de portos onde as embarcações devem atracar,
as operações a realizar para carregar e descarregar a mercadoria que podem
obrigar à aplicação de guindastes (pórticos), equipamentos de comunicações,
entre outros.
“Por outro lado, existem elementos de vistoria que não
vale a pena fazer no local de construção da embarcação porque a encarecem. O
ideal é fazer esses trabalhos no país de destino para poupar divisas”,
sublinha.
Com efeito, observada a comparação de
custos (em dólar americano) de trabalhos de acabamento de embarcações,
observa-se que Moçambique tem a menor taxa de compensação de mão-de-obra quando
comparada com os países onde tradicionalmente são feitas as finalizações.
A tabela de comparação de custos de
acabamentos mostra que estes trabalhos podem ser feitos em Moçambique onde, e
como se disse, a compensação da mão-de-obra é mais barata quando comparada com
a África do Sul, China, Holanda, Coreia do Sul, Singapura, Bahrein, Reino Unido
e no resto do mundo, onde o custo triplica.
Assim sendo, Mário Dimene afirma que
faz todo o sentido que se tenha tomado a decisão de fazer os acabamentos em
território nacional porque, para além de ser mais barato, criam-se condições de
ter postos de trabalho activos, gera-se a capacidade de fazer reparações
internamente e, em alguns casos, de construção nacional de peças para as
embarcações.
Com os barcos à mão, a alternativa que
se avista no horizonte é usar aqueles meios para pescar outros mariscos, a
começar pelo camarão de águas profundas.
Para o efeito, a EMATUM precisaria de
oito tripulantes por barco, a quem pagaria 1.400.000 meticais no seu todo
(recorde-se que, nestes cálculos, os pescadores de atum receberiam a volta de
630.000). As despesas operacionais seriam de 2.300.000 meticais por barco (as
mesmas para o atum e para o camarão).
Somados os salários e as despesas
operacionais, a atuneira nacional teria de desembolsar cerca de 3.800.000
meticais por mês para cada barco. Parece assustador. Porém, observe-se que 800
quilogramas de camarão de profundidade podem custar acima de 500 meticais por
quilograma. E esses 800 quilos podem ser pescados num dia por uma embarcação.
“No final, cada embarcação produziria mensalmente 24
toneladas que dariam mais de 11.800.000 meticais. Observando pelo lado da
totalidade dos barcos da EMATUM, podemos chegar à conclusão de que descontando
a facturação mensal das despesas de igual período, as 27 embarcações
produziriam um lucro que se poderia situar em mais de 2.000.000.000 de meticais”,
frisou.
Outra saída seria usar os mesmos 27
barcos para a pesca à linha. Aqui, as despesas com a tripulação e com questões
operativas não mudaria em nada quando comparada com a pesca do camarão de
profundidade. A diferença situar-se-ia ao nível dos lucros. A pesca à linha
passaria para 8.000.000, excluindo os impostos e outras obrigações fiscais.
Mas, mais do que isso, a espécie que
seria capturada com a pesca à linha seria, por exemplo, o tubarão que pertence
ao grupo de “selachimorpha”, que é capturado por redes palangre de fundo. Este
peixe é utilizado para consumo e seu óleo de fígado.
“O óleo do fígado deste tubarão é um produto com elevada
procura no mercado, e o seu preço é alto, havendo compradores muito
interessados em firmar acordos de comercialização exclusiva para períodos de
médio e longo prazos”, aponta Mário Dimene com a ajuda de dados
colhidos na internet.
Estimando que é possível produzir
26.000 litros de óleo de fígado por mês e cada litro a ser colocado a 430
meticais, cada barco produziria 19.000.000 de meticais por mês, o que é uma
pipa de massa. Todos os 27 barcos envolvidos nesta operação dariam acima de
4.000.000.000 por ano.
Pescar primeiro a papelada vem depois
Mário Dimene afirma que é preciso que
se saiba e se compreenda que os barcos da EMATUM são de pesca e não servem
apenas, e exclusivamente, para a captura de atum. “Esse é o primeiro entendimento que se
deve ter. Assim sendo, é preciso que estes barcos sejam colocados no mar porque
é lá onde devem estar a pescar para que o produto possa ser vendido e se salde
a dívida”.
Entretanto, e antes de se colocar os
barcos no seu “posto de trabalho” é preciso assegurar que todos eles disponham
de certificados nacionais e internacionais que são de porte obrigatório a
bordo, com destaque para os Certificados de Navegabilidade e a Licença de
Estação passados por entidades locais.
A lista de documentos originais que
cada embarcação deve conter a bordo é bastante extensa, mas seleccionamos
alguns que são vitais, nomeadamente o Certificado de Registo, Certificado
Internacional de Número IMO, de Tonelagem e de Linhas de Carga, Folheto de
Estabilidade Intacta e os Documentos de Tripulação Mínima de Segurança.
Também são fulcrais documentos como o
Certificado para comandantes, oficiais e graduados, de desratização ou de
isenção e desratização, de prevenção da poluição por óleo, livro de registos de
óleo, Declaração Marítima de Óleo, de Saúde, Certificado de Segurança, de
Construção e Certificado de Equipamento.
Apesar da extensão da lista de
documentos que se deve ter a bordo, Mário Dimene afirma que a posse de parte destes,
que até são passados por entidades nacionais ligadas à gestão marítima, permite
que as embarcações realizem as suas actividades e o pescado que daí resulta
possa ser comercializado em território nacional e em alguns países vizinhos.
“Não precisamos ficar a espera de ter toda a papelada para
podermos produzir. A União Europeia, Japão, Estados Unidos da América e outros
mercados são bastante exigentes em termos de certificados, mas podemos ir
explorando os mercados menos exigentes”, sublinhou.
Por outro lado, a nossa fonte
argumenta que a pesca e venda de pescado para mercados menos exigentes (em
matérias de certificados) pode permitir que a empresa angarie fundos
necessários para a tramitação de outros documentos mais dispendiosos.
“O que se deve fazer é emitir certificados, por exemplo de
três meses, com recomendações sobre as alterações que devem ser feitas. São
certificados condicionados, mas que permitem que se vá pescando enquanto se
aguarda por um certificado de longo prazo e mais completo”,
sublinhou.
Na década 80 o país importou barcos
Excluindo a barulheira que há, amiúde
em torno da dívida que permitiu a criação da EMATUM, há que recordar que na
década de 80 o país adquiriu navios na Europa, bem maiores que os 27 desta
empresa, e que foram usados para a cabotagem (navegação entre portos marítimos
de um mesmo país sem perder a costa de vista).
Os referidos barcos, denominados
Inharrime, Lugela, Lugenda, Nguri, Polana, Muanza, Save, Liazi, Linde, Luabo e
Macuze foram adquiridos a mais de 350 milhões de meticais (naquela época) na
Espanha, Holanda, Alemanha, Dinamarca, Portugal, Japão e na Inglaterra, no
quadro dos esforços que visavam o estabelecimento da NAVIQUE.
Apesar da depreciação do metical que
se verificava na época, constatamos que a aquisição destes meios levou a uma
dívida de dois milhões e seiscentos e quatro mil dólares, angariada junto de
fornecedores locais e estrangeiros, sem incluir operações bancárias, entre
outros.
Esta frota serviu para reforçar a já
existente no país e que tinha sido nacionalizada pelo governo, logo a seguir à
Independência Nacional, da posse de empresas como Companhia Colonial de
Navegação, Companhia Nacional de Navegação, Empresa do Limpopo e da Parceria
Marítima de Xai-xai.
No total, a NAVIQUE possuía 22
embarcações, das quais 11 foram adquiridas na Europa (conforme referimos
antes), seis eram fretadas, nomeadamente Lady Aneta, Laura, Anna, Castle
Dignity, Castle Pride e Dimini II.
Do conjunto de 22 embarcações, duas
eram para o transporte de passageiros (Estrela do Mar e Metangula), cinco eram
navios-tanque e os restantes realizavam o transporte de carga geral ligando os
15 portos com que o país contava naquela época.
Nos arquivos que visitamos também
constatamos que, para além da aquisição daquelas embarcações, em 1986 o Governo
moçambicano contratou serviços de assistência técnica-naval e até financeira a
uma empresa norueguesa conhecida pela sigla NFDS.
No quadro dos acordos rubricados
naquela altura, a NFDS prestava serviços sob a “vigilância” da Agência
Norueguesa de Desenvolvimento (NORAD) que ajudou a alterar a tendência de
resultados negativos que se verificava até então. A empresa foi reabilitada e
os seus recursos humanos foram formados por especialistas noruegueses.
Colocar a bandeira nacional no mar
Com a extinção da NAVIQUE, por razões
diversas, o país também assistiu ao desaparecimento da cabotagem, facto que
contribui para perdas económicas de diversa monta, tendo em conta que possui
uma linha de costa de aproximadamente 2850 quilómetros, a que se somam 200
milhas que vão da costa até ao interior do Oceano Índico, parte dos quais
partilhados com Madagáscar e Ilhas Comores.
O desaparecimento da cabotagem deu
origem à “falência” de parte dos 15 portos que existiam naquele tempo. Como se
sabe, cinco já não funcionam, nomeadamente os portos de Palma, Ilha de
Moçambique, Pebane, Macuze e Chinde.
O segundo grupo, que funciona
“assim-assim” é composto pelos portos de Mocímboa da Praia, Angoche, Moma,
Vilanculo e Inhambane, e os outros cinco operam em pleno são os de Maputo,
Beira, Quelimane, Nacala e Pemba.
Ainda no que se refere às perdas
resultantes da inexistência de embarcações de bandeira nacional nas águas
territoriais, a nossa Reportagem acedeu a um relatório, produzido em Novembro
de 2006, com o título “Meios
de Fiscalização Marítima, Soberania das Águas Nacionais da República de
Moçambique”.
Neste documento “Classificado”, consta
que “na maioria dos
casos é bastante difícil garantir uma vigilância completa do espaço marítimo e
aéreo como se faz com o território terrestre. Todavia, numa operação de
policiamento não é necessário que cada metro quadrado seja vigiado. Basta a
presença regular de patrulhas ou de embarcações pesqueiras, para desanimar a
tentação dos transgressores”.
Para o antigo Director de Frota da
NAVIQUE, Mário Dimene, a ausência de meios de vigilância militares, pode ser
compensada com a presença de embarcações de cabotagem e de pesca, que até há
pouco não existiam, pelo que entende que faz todo o sentido que as embarcações
da EMATUM sejam lançadas ao mar para realizarem as suas actividades ao mesmo
tempo que marcam território.
É que, no espaço marítimo ocorrem
violações por estrangeiros que podem ser fruto de erros de navegação, de má-fé
e que podem ocultar operações perigosas como o tráfico de drogas e de seres
humanos ou acções terroristas, como o sequestro de um navio da Pescamar no
Banco de Sofala ocorrido há poucos anos.
“Hoje, todos os países são chamados a estar vigilantes
porque nenhum Estado está completamente seguro. Os terroristas, por exemplo, no
lugar de atacar os interesses de um país bem protegido, podem prejudica-lo
sabotando os seus empreendimentos num outro que tenha poucos sistemas de
defesa, como é o nosso caso”, indica o documento.
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