UMA NOMEAÇÃO À MEDIDA DE UM PRESIDENTE SEM AS COMPETÊNCIAS NECESSÁRIAS
Não se deve brincar de governar
(Roberto Tibana, 18-10-2016)

Quero que o nosso Estado e os moçambicanos em geral, sejam os verdadeiros donos das riquezas e potencialidades da nossa pátria… Lutarei para que os moçambicanos sejam os donos e a razão de ser da economia, assegurando uma crescente integração do conteúdo local e a participação efectiva dos moçambicanos nos projectos de investimento, em especial na exploração de recursos naturais.

O meu Governo vai assumir-se como parceiro estratégico na afirmação de uma classe empresarial moçambicana mais ampla e robusta… Estou confiante que juntos iremos construir o bem-estar do nosso povo e um futuro risonho para as nossas crianças.

Extractos do discurso inaugural de Filipe Nyusi, Presidente da República de Moçambique.

Isto vem a propósito da recente nomeação da Letícia Deusina da Silva Klemens para o cargo de Ministra dos Recursos Minerais e Energia.

Letícia Klemens é nomeada para este importante cargo quando exercias as funções de (i) Presidente da Mesa da Assembleia Geral do Millennium Bim e (ii) Presidente da Associação das Mulheres Empresárias e Empreendedoras.

Dado o currículo rigorosamente BREVE desta jovem - que enverga BANDEIRA PORTUGUESA(!?!) na imagem - sou dado a pensar que o Presidente Filipe Nyusi quer dirigir, ele próprio, o pelouro dos recursos minerais e energia, quiçá coadjuvado pelo já Ministro da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural, Celso Correia (busto à direita, na imagem).

Importa recordar aqui, que o nome de Celso Correia apareceu recentemente associado com uma dívida de mais de 50 milhões de euros, contraída junto a instituições portuguesas de crédito.

Sou levado a pensar assim, porque não encontro nenhuma explicação lógica (nós profissionais da ciência usamos lógica formal para tomar decisões) para esta decisão do Presidente Filipe Nyusi. E não quero pensar que ele está a brincar de governar.

É que o pelouro dos recursos minerais e energia é estratégico. Muitos dos recursos financeiros que Moçambique precisa encaixar rapidamente, para sair da crise, são esperados deste pelouro. Não seria este o momento apropriado para colocar alguém que ainda precisa de aprender muita coisa na vida para aprender a gerir neste pelouro.

Rigorosamente, o pelouro dos recursos minerais e energia precisa de um gestor que tem alguma experiência profissional e sensibilidades técnica - e política! - e nos domínios de gestão e de negociação de contratos de exploração comercial dos recursos minerais e projectos de geração de energia para diversos fins, incluindo a electrificação de um país.

Na concepção e execução de políticas públicas no pelouro dos recursos minerais e energia há muitos interesses conflituantes, cuja gestão requer uma experiência comprovada no domínio de fazer trade-offs adequados, para que um país possa produzir riqueza através da exploração comercial dos seus recursos naturais.

Por causa do momento que Moçambique atravessa, é rigorosamente desaconselhável fazer do pelouro dos recursos minerais e energia um lugar para exercitar ou testar capacidades de liderança de quadros ainda em processo de formação.

O país tem já vários quadros com as competências requeridas para a direcção do pelouro dos recursos minerais e energia, quadros esses que o Presidente Filipe Nyusi preteriu para "experimentar" a Letícia Klemens, uma mulher jovem e sem qualquer relação anterior com nenhum tipo de actividade específica de gestão dos recursos minerais e energia.

Se não for com o apoio do próprio Presidente Filipe Nyusi, ou de alguém de sua confiança - qual Celso Correia -, não creio tanto que a Letícia saberá racionalizar melhor ou mobilizar os recursos humanos e materiais que este pelouro tem e precisa ter, do que terá feito Pedro Couto. É por pensar assim, que estou em crer que o Presidente Filipe Nyusi quer ser ele próprio o pelouro dos recursos minerais, tendo a Letícia, e quiçá o Celso, como seus "assistentes" mais directos.

Enfim, acho que a filosofia de treinar a juventude para pegar o leme do barco, quando chegar a hora, não deve envolver arbitrariedades. O povo precisa de instar constantemente o seu "empregado" a cingir-se ao seu discurso inaugural.

A mim não me parece que a recente nomeação da Letícia Klemens, para dirigir o pelouro dos recursos minerais e energia, esteja bem alinha com o discurso inaugural do Presidente Filipe Nyusi, particularmente com os trechos citados acima, no início desta reflexão. Cada vez mais me parece que ele (Filipe Nyusi) está a brincar em serviço.

Muitas vezes se confunde tarefas com competências. A Constituição da República de Moçambique tem esse problema também.

No Capítulo II, no lugar de escreverem TAREFAS do Presidente da República, escreveram COMPETÊNCIAS. Muito certamente cingiram-se ao sentido legalista do termo, o que posso entender, mas este é muito restritivo.

No sentido mais lato e educativo, competências significa capacidades, habilidades, técnicas, aptidões, proficiência, domínio do saber-como fazer bem as coisas, experiência, e adequação. É neste sentido que faltam as competências ao nosso Presidente.

Não basta ter as tarefas e o poder. É necessário ter as competências para as executar e exercer o poder condignamente. Ser Presidente é uma tarefa, que exige competências no exercício do poder.

A nomeação de um Ministro de Estado dá sinais muito importantes de como o Chefe de Estado se prepara para atacar os problemas da área para a qual nomeia. E isso cria uma grande agonia ao Chefe de Estado ou do Governo, a quem caiba a tarefa de fazer essa nomeação. Tratando-se de um sector estratégico da economia, essas considerações tomam ainda maior peso.

Fala alguém que não tem experiência de Ministro, mas que já esteve envolvido em assistir um processo semelhante.

Quando vi a demora na nomeação do Ministro da área, pensei que o Presidente da República estivesse a fazer um trabalho profundo de análise das personalidades que lhe podem ter sido postas em consideração. Se levou tanto tempo para nos brindar com o que nos brindou, então não! O nosso Presidente não sabe, ou se sabe, ignorou por completo o mínimo que se pode exigir de uma pessoa para ser Ministro de uma área como a de Recursos Minerais e Energia em Moçambique hoje.

A lealdade ao Chefe de Estado deve ser combinada com uma competência técnica e profissional DEMONSTRADA, uma das coisas que deveria ter preocupado o Chefe de Estado. Não acredito que o Chefe de Estado possa provar com sucesso que a pessoa que nomeou para Ministra dos Recursos Minerais e Energia seja entre os moçambicanos mais leais ao Chefe de Estado (como Chefe de Estado!), e também a pessoa mais competente para ocupar aquele posto.

Fui estudante e docente na Universidade Eduardo Mondlane. Tenho muitos colegas e ex-estudantes economistas que estão na FRELIMO. Neste país já formamos pessoas que já trabalharam e deram mostras de lealdade, competência e valentia ao serviço do Estado.

As únicas competências que se podem esperar da Ministra nomeada, é que ela seja uma boa servidora dos interesses obscuros do grupo que a colocou lá. E quem assinou o papel, foi o Senhor Nyusi.

Que não nos venha um dia dizer que assinou sob coação!

O que aconteceu nestas últimas semanas ao sector dos recursos minerais e energia foi um golpe fatal em qualquer esperança (para quem ainda a tivesse e ainda mantém uma certa sanidade – porque estamos todos a ser embrutecidos) de que o país esteja a ser dirigido por um Presidente vindo de um Partido genuinamente interessado em salvaguardar os interesses do País e da maioria dos moçambicanos nas negociatas que se fazem a volta dos recursos naturais. Eu não me vou perder em explicações.

O Presidente da República tratou-nos todos como bobos. Fez da cadeira que ocupa o seu banquinho de brincadeira. Esqueceu-se das obrigações constitucionais para defender os interesses do país e salvaguardar o presente e o futuro dos moçambicanos. É repugnante que tenhamos o assento mais alto do poder na República a ser usado com tanta leviandade e abuso. O homem não tem a fibra de que se faz um Presidente.

Mas, como eu já disse em outras ocasiões, a questão Nyusi é uma responsabilidade colectiva da FRELIMO. Ele é o líder que eles escolheram para lhes representar e exercer o poder que eles reclamam terem ganho. Bem pouco tempo atrás, estiveram em dois conclaves, um recomendativo e outro deliberativo.

Os conclaves não foram tomados como momento de se puxarem as orelhas uns aos outros e para começarem a pôr travão às forças destruidoras deste país, que vivem e se fortificam todos os dias no seio deles. Saiu vitoriosa a ala mais belicista, corrupta, arrogante, abusadora que existe no seio deles. E, aparentemente, todos saíram de lá “muito disciplinados”. Há ali dentro um juramento de sangue. Ninguém pode furar o barco.

E, entretanto, amanhã vão cantar hossanas a Samora Machel, o homem que sempre disse: Abaixo a corrupção! Abaixo o nepotismo! Abaixo o abuso do poder! Vão evocar essas qualidades dessa figura, para tentarem lavar as suas imagens da corrupção, nepotismo e abuso do poder que praticam todos os dias com desdém total pelos cidadãos.

O que o Senhor Presidente Nyusi nos serve todos os dias é o prato amassado pela FRELIMO. Ele representa os interesses preponderantes dentro daquela formação política. Por isso não se preocuparam em determinar com cuidado as competências (no sentido definido acima, não o legalista) da pessoa para o cargo. Não se preocuparam em colocar lá uma pessoa que pudesse manter a dignidade do lugar, a dignidade de um povo inteiro, que olha para o Presidente como Pai (na tradição Africana, com a qual eu não concordo, pois Presidente deve, em primeiro lugar, ser um servidor do povo!).

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