ESCOLHA DE NYUSI PARA MINISTÉRIO ESTRATÉGICO
Agradável surpresa ou tiro no escuro
Por Armando Nhantumbo, Savana 21-10-2016

Dezoito dias depois de exonerar o economista Pedro Couto, o Presidente Filipe Nyusi voltou a surpreender a tudo e todos com a nomeação, última segunda-feira, de Letícia Klemens para o estratégico Ministério dos Recursos Minerais e Energia que, pela frente, tem difíceis decisões por tomar, mormente, no ramo dos hidrocarbonetos e minérios onde de olho estão os grandes colossos mundiais do sector.

Se a exoneração, a 29 de Setembro último, de Pedro Couto deixou estupefactos alguns sectores político-económicos, a nomeação, neste 17 de Outubro, de Letícia Klemens, veio confirmar que o Presidente da República ainda busca “um onze base” (recorrendo à linguagem futebolística) no seu Executivo.

Tido pelos colossos mundiais no sector dos recursos minerais como uma “pedra no sapato” que dificultava os lobbies para a entrega de bandeja de jazigos de hidrocarbonetos, principalmente, na bacia do Rovuma, Pedro Couto foi exonerado ao fim do mês passado e seguiu para a Hidroeléctrica de Cahora Bassa, onde é actualmente o Presidente do Conselho de Administração (PCA).

O afastamento de Pedro Couto foi visto como um “erro estratégico” de Filipe Nyusi, de quem, no mínimo, se aguardava uma nomeação, pelo menos, à medida do anterior Ministro. Mas não foi o que aconteceu.

Depois de longos 18 dias de “trabalho de casa”, depois da “escolha falhada” de Max Tonela, o Presidente da República veio brindar os moçambicanos com uma jovem empresária estreante nos meandros da governação, precisamente para um ministério estratégico e numa altura do campeonato que exige uma mão forte e já experimentada.

Pelo contrário, Nyusi foi buscar Letícia Klemens, alguém que conhece mais do mundo das ONG’s e de associativismo económico do que do “hard core” da política e do mundo dos negócios. Quarta-feira, na Praça dos Heróis, ela mesmo admitiu à imprensa estar a entrar para um ramo que lhe é novo. Se a aposta não resultar, claramente Filipe Nyusi será o mais penalizado.

Uma das teorias que circula nos meios do poder é que, dado o melindre do pelouro, será o Presidente o “verdadeiro ministro”, nomeadamente, no que concerne ao penoso relacionamento com os “pesos-pesados” do gás e petróleo.

Sem experiência no sector, a nova ministra, com interesses na área dos Recursos Minerais, típicos na nomenklatura predadora do partido a que pertence, deverá liderar importantes dossiers na Bacia do Rovuma, que envolve players mundiais da área de hidrocarbonetos como as americanas Anadarko e Exxon Mobile e a italiana ENI.

O lacónico comunicado, vindo esta semana da presidência da República, refere apenas que, até à sua nomeação, Letícia da Silva Klemens desempenhava as funções de Presidente da Mesa da Assembleia Geral do Millennium BIM (habitualmente uma reunião anual mais ou menos protocolar) e de Presidente da Associação das Mulheres Empresárias e Empreendedoras Moçambicanas (FEMME).

Uma breve busca indica que a nova ministra requereu, junto da Direcção Provincial de Recursos Minerais e Energia, a atribuição, em 2013, de um Certificado Mineiro para extracção de areia, no Distrito de Moamba.

Em 2014, a mesma Direcção Provincial subordinada ao Ministério agora nas mãos de Klemens atribuiu, a favor da agora ministra do sector, o Certificado Mineiro n.º 6422, válido até 24 de Outubro de 2015, para a extracção de areia de construção, no distrito de Boane, na mesma província.

Na área da formação, o seu CV menciona uma série de pequenos cursos de formação profissionais feitos entre Maputo e Lisboa, para além de uma licenciatura na actual Politécnica.

De boas relações com os círculos do poder, Klemens criou, juntamente, com Miguel Nhaca Guebuza, irmão do então Presidente da República, Armando Guebuza, e Tendai Mavhunga, a Beta Holding – Business And Technology Aplications, Limitada, uma sociedade por quotas, detida maioritariamente pela actual ministra.

Com um capital social de 100 mil meticais, Letícia Klemens detinha, à data da criação da sociedade, uma quota de 34 mil meticais, contra 33 mil de Miguel Nhaca Guebuza e Tendai Mavhunga cada. Com os filhos do antigo estadista Joaquim Chissano, criou, em Setembro de 2015, a Galilei, Limitada, uma empresa na área de produção e comercialização.

De acordo com o Boletim da República (BR) de 3 de Março de 2011 III SÉRIE - Número 9, a Beta Holding – Business And Technology Aplications, Limitada, tem por objecto o exercício, entre outras actividades, de construção de pavimentos, blocos e produção de outros materiais de construção; gestão de projectos e participações; prestação de serviços; d) constituição de parcerias empresariais/societárias com vista ao desenvolvimento de negócios e empreendimentos em Moçambique; comércio internacional de importação e exportação, representação de sociedades nacionais ou estrangeiras, consignações e venda a retalho ou a grosso em qualquer ramo de actividade em que a sociedade acordar.

Mas a lista de interesses empresariais da Ministra dos Recursos Minerais e Energia é longa. Klemens é também sócia da +258, Limitada, uma sociedade com um capital social de 60 mil meticais, distribuídos em 12 mil meticais pelos cinco accionistas. Para além da ministra estreante, a + 258, Limitada é detida por Namoto Chipande, filho do General Alberto Chipande, por Joaquim Tobias Dai, antigo ministro da Defesa e irmão de Maria da Luz, esposa do antigo Presidente da República, Armando Guebuza, por Jaime de Jesus Irachande Gouveia e pela sociedade Third – Gestão e
Participações, Limitada.

Em 2013, a ministra constituiu, com Nuno Miguel de Almeida Fernandes Resende, João Carlos Pereira Venichand, Carlos Alberto Venichand, Miguel Angelo da Lapa Rico Cabrita, a THINKINETICS – Innovation Agency Moçambique Limitada, uma sociedade por quotas com um capital de 300 mil capitais, sendo Letícia Deusina da Silva Klemens detentora de 48 mil meticais, o correspondente a 16% do capital social.

De acordo com o BR de 5 de Março de 2013 III SÉRIE – Número 18, a THINKINETICS – Innovation Agency Moçambique Limitada tem como objecto, principalmente, publicidade, design, marketing, relações públicas, comunicação e multimédia.

Na prática não se conhecem bem as actividades de todas estas sociedades, mas é típico da nomenklatura frelimista criar sociedades comerciais que se tornam “activas” quando aparece um “parceiro estratégico”, habitualmente estrangeiro e com capital para investir.

Letícia Klemens esteve ligada a uma empresa familiar de comercialização de redes mosquiteiras, trabalhava na CTA no pelouro das relações laborais, sendo também “embaixadora” do Departamento de Estado norte-americano para as mulheres empreendedoras africanas. No partido, sempre esteve ligada às actividades da juventude da Frelimo, nomeadamente, nas campanhas eleitorais.

Apesar do generalizado cepticismo sobre as suas competências, Klemens pode vir a ser uma “agradável surpresa” como ministra, ou um “tiro no escuro” como o foram a informática Catarina Pajume, ex-Vice da Agricultura, o topógrafo Pedrito Caetano, ex-Ministro da Juventude e Desportos e o professor Itai Meque, duas vezes nomeado como governador provincial e agora administrador na HCB.

A vida é feita de desafios

Um dia após a sua nomeação, a Ministra dos Recursos Minerais e Energia diz que a vida é feita de desafios e que a sua indicação constitui um grande desafio para ela, seus colaboradores e a todos os moçambicanos.

Reconhece que está num sector bastante complexo, mas que as regras de jogo estão já definidas em vários programas de desenvolvimento, sobretudo no
Plano Quinquenal do Governo.

Sublinha que vai para dar prosseguimento ao trabalho iniciado pelo seu antecessor, Pedro Couto, e seguir o que está plasmado no Programa do Governo.

Sobre a gestão do dossier recursos minerais, a nova titular do pelouro refere que o seu trabalho irá cingir-se no discurso presidencial que consiste em fazer com que os recursos beneficiem aos moçambicanos. “Com o apoio dos meus colaboradores e assessores, irei procurar perceber todos os dossiers a fim de dar um encaminhamento apropriado”, frisou.

Quanto aos questionamentos em torno da sua nomeação, a nova ministra recusou tecer comentários alegando que está preocupada com a missão que lhe foi confiada pelo Chefe de Estado que é de garantir que os recursos minerais sejam geridos de forma racional e que beneficiem os moçambicanos.


Em relação ao sector da Energia, que também é um sector complexo, disse: “estou ciente de que um dos grandes objectivos do Governo é continuar com os programas de electrificação e, como ministra do pelouro, tudo farei no sentido de garantir que a energia de qualidade chegue a maior número possível moçambicanos, sobretudo nas zonas rurais, bem como nas entidades produtivas”, disse.

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