BANCOS SUÍÇOS REVELAM NOMES COM CONTAS NO PAÍS
Raúl Mourinho Kuyeri, 06 de Janeiro de 2017

Dados das agências financeiras suíças, tornados públicos no site swissinfo.ch, referem que a entrada em vigor, no início de 2015, de uma nova lei sobre os activos não reclamados, a Associação dos Banqueiros Suíços (ASB) permite às autoridades financeiras suíças a revelação da identidade dos detentores de fundos não reclamados. No total são 2.600 nomes que deixaram dinheiro em ócio nos bancos suíços há pelo menos 60 anos que constam na página https://www.dormantaccounts.ch, numa carteira de 44 milhões de francos suíços. Além desta soma, a ASB dispõe de 80 cofres, cujo conteúdo ainda não é conhecido.

A ASB publicou ainda outra lista de nomes dos detentores de activos de um valor superior a 500 francos suíços. Os potenciais beneficiários foram dados o prazo, ora expirado, de um ano para reclamarem o dinheiro e cinco anos se os fundos não são reivindicados desde 1954 ou anos anteriores.

Se nenhum beneficiário se manifestar para os activos sem contacto por pelo menos 60 anos, os bancos suíços são obrigados a transferir esses fundos para o Governo suíço, medida que tornou o tesouro suíço muito poderoso que qualquer outro país. Os dados publicados até agora eram de contas inactivas desde 1955. A operação representou uma última tentativa de restabelecer o contacto com os clientes que efectuaram aqueles depósitos secretamente.

Desde que disponíveis os respectivos dados, são publicadas indicações quanto ao nome, sobrenome, data de nascimento, nacionalidade ou a razão social do cliente e sua última residência conhecida ou a sede da empresa em nome da qual foram efectuados os depósitos. Os supostos beneficiários podem fazer valer as suas reivindicações através de um formulário disponível em download na internet.

Desde 2016, a publicação dos nomes dos detentores de activos não reclamados têm vindo a cobrir anualmente os períodos de um ano a partir de 1955, o que significa que, neste ano de 2017, podem ser reclamados os valores das contas inactivas de 1956.

Os dois maiores bancos da Suíça, nomeadamente a UBS e o Credit Suisse, este último bem conhecido em Moçambique no âmbito das dívidas oculistas da EMATUM, Proíndicus e MAM, já haviam assinado, em 1998, um acordo global com os EUA sobre as contas inactivas de cidadãos judeus, tendo sido pagos US$1.25 mil milhões para um fundo especial de compensação dos pretendentes.

 

Refira-se que a Suíça tem muitos casos de lavagem de dinheiro, com cerca de 30% do chamado dinheiro off shore que é administrado pela banca na Suíça, muitos dos quais vieram à tona recentemente, referindo que a Suíça não consegue se livrar da imagem de excelente destino para a riqueza adquirida ilicitamente.


Em Janeiro de 2013, o Ministério Público Federal suíço congelou as contas relacionadas com o caso de corrupção russo conhecido por Magnitsky, para o qual foi aberto um processo contra o clã Taib da Malásia. Na altura revelações indicavam €22 milhões estariam depositados numa conta pertencente a Luis Barcenas, um político espanhol implicado num escândalo de corrupção. Os críticos dizem que as autoridades deveriam endurecer mais o controlo dos bancos que detêm uma estimativa de 30% da riqueza off shore mundial na Suíça, uma tarefa que parece ser muito difícil.

Gretta Fenner, do Instituto de Governação da Basileia, acredita que parte do problema é a atractividade da Suíça como domiciliária de dinheiros ilícitos em condições secretas. As condições que a banca suíça oferece atraem muitos clientes estrangeiros, devido à sua estabilidade, segurança e sigilo, fundamentalmente. Estas condições e outras garantias são as que atraem a muitos funcionários corruptos e criminosos em todo o mundo. Gretta Fenner sustenta que isso seria mais uma razão para que a legislação internacional fosse cumprida de forma mais rigorosa possível: "Mesmo que não seja o ideal, temos que começar a aplicar o que temos e eu não penso que estamos a fazer o suficiente na Suíça".

A especialista salienta que a Suíça não é um caso único e que a mesma crítica se aplica a outros centros financeiros, como a City de Londres. A esse respeito, Gretta Fenner defende que, em todo o mundo, "as autoridades não estão a fazer seu trabalho correctamente. Elas não são severas o suficiente em relação às instituições financeiras e por isso os bancos são tentados a ceder aos interesses empresariais em detrimento do cumprimento da lei."

Actividade suspeita

A Autoridade de Supervisão dos Mercados Financeiros suíços (FINMA), declarou à swissinfo.ch que o órgão permanece em alerta na questão da lavagem de dinheiro, controlando sistematicamente qualquer suspeita. Existe no país um sistema abrangente de denúncia para as actividades suspeitas junto das instituições financeiras suíças. A cada dia, funcionários de bancos e outros intermediários financeiros preenchem o chamado Relatório de Actividades Suspeitas (SAR) que é enviado ao Serviço de Luta Contra a Lavagem de Dinheiro (MROS) em Berna, a capital suíça. Como parte do processo de SAR, as contas em questão são congeladas durante cinco dias, enquanto as autoridades decidem como proceder.

Em 2011, um ano de muitas denúncias devido à Primavera Árabe, foram submetidos ao MROS 1.625 relatórios sobre denúncias de dinheiros ilícitos, 91% dos quais foram encaminhados às autoridades judiciais suíças. O total dos montantes envolvidos chegou a mais de três mil milhões de francos suíços.

Stiliano Ordolli, do MROS, conta que "nós temos outras ferramentas que podemos usar para verificar as informações. Temos acesso a diversas bases de dados e também podemos solicitar informações aos nossos parceiros noutros países". Ele refere que, na sequência disso, o então Vice-Primeiro-Ministro russo, Viktor Zubkov, teria anunciado que US$33 mil milhões teriam sido desviados da Rússia em 2011 através da lavagem de dinheiro. Segundo Viktor Zubkov, o dinheiro teve como destino principal o Chipre, a França, Grã-Bretanha, Hong Kong, Letônia e Suíça. Segundo Viktor Zubkov, os russos estariam comprando demasiados imóveis no exterior, o que poderia ser um sinal da evasão de divisas do Tesouro russo.

A lavagem de dinheiro


Por definição sucinta e simples, a lavagem de dinheiro é a introdução dissimulada de bens adquiridos ilegalmente numa economia legítima, com o objectivo de disfarçar a sua verdadeira origem ilegal. Isto pode ocorrer em três fases, segundo a Associação dos Bancos Suíços:

Fase 1: Operações de Investimento. Nesta fase os activos em dinheiro, principalmente, são depositados em bancos e, assim, se transformam em moeda bancária ou são usados para comprar activos que são liquidados a curto prazo no sistema leasing.

Fase 2: Operações diversificadas. O objectivo desta fase é espalhar o dinheiro depositado na fase 1. Muitas vezes envolve complexas transações internacionais que usam bancos off shore e empresas fictícias. Outra maneira de espalhar o dinheiro é através de uma miríade de transferências confusas e aparentemente desconexas.
Fase 3: Operações de integração. A fase de integração é quando os activos são reintroduzidos na economia legal pela compra de bens (por exemplo, imóveis ou metais preciosos) ou participações sociais, etc.

Lista negra

A Lei Magnitsky, assinada nos EUA em Dezembro de 2013, é uma forma de lidar com os negócios indesejados do exterior. Ela impôs o congelamento de bens e a proibição de vistos de entrada nos EUA a 60 russos envolvidos na falsa prisão, tortura e morte do advogado Sergei Magnitsky, em 2009. Seria possível ter uma lista negra mundial dos indesejáveis​​? Gretta Fenner garante que "os bancos iriam adorar isso. O debate que permanente entre os bancos e as autoridades é: 'diga-nos quem vocês não querem que o banco cuide, que nós vamos parar de lidar com eles de imediato". Em vez disso, os bancos têm de trabalhar com a definição de "Pessoas Politicamente Expostas" (PEPs) e aplicar sozinhos as medidas de verificação.

A este respeito Gretta Fenner refere que "eu não penso que conseguiremos que todos concordem com uma lista conclusiva e exaustiva de indivíduos que não podem ter conta, especialmente a nível internacional". Por sua vez, Thomas Sutter, porta-voz da Associação de Bancos Suíços, disse à swissinfo.ch que os bancos certamente concordariam com uma lista oficial de potenciais clientes que não podem abrir contas, por causa do risco de lavagem de dinheiro. No entanto, para ele, a questão de quem seria responsável em criar uma lista desse tipo também permanece em aberto, quando conclui: "É claro que essa lista teria que ser apoiada internacionalmente. Em contrapartida, o banco não pode criar esse tipo lista”.

Dados do relatório da Global Financial Integrity (GFI) referem que os principais exportadores de capitais ilícitos em 2010 foram, nomeadamente: a China, envolvendo US$420.36 mil milhões; a Malásia, envolvendo US$64.38 mil milhões; o México, envolvendo US$51.17 mil milhões; a Rússia, envolvendo US$43.64 mil milhões; a Arábia Saudita, envolvendo US$38.30 mil milhões; o Iraque, envolvendo US$22.21 mil milhões; a Nigéria, envolvendo US$19.66 mil milhões; a Costa Rica, envolvendo US$17.51 mil milhões; as Filipinas, envolvendo US$16.62 mil milhões; e a Tailândia, envolvendo US$12.37 mil milhões.

Impunidade

Enquanto isso, os intermediários financeiros, de forma consciente ou por negligência, continuam a lidar com clientes duvidosos e raramente são punidos. Pois, poucas denúncias do MROS têm tido desfechos na justiça. Por isso, é difícil aferir como a FINMA controla as instituições financeiras suíças, porque a relação ocorre a portas fechadas e a FINMA não comenta sobre casos individuais. No entanto, um porta-voz da FINMA indicou que a Suíça tem o selo de aprovação do Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI), organismo que define os padrões internacionais de combate à lavagem de dinheiro e lida com Pessoas Politicamente Expostas (PEPs).

A Associação Suíça de Banqueiros refere que a Suíça é o único país do mundo que tem regras claras de como lidar com os activos das PEPs. A associação também afirma no seu site que o sector financeiro suíço não quer dinheiro de origem criminosa e que luta activamente contra a lavagem de dinheiro. Entretanto, os bancos, as companhias de seguros, os gestores de activos e até os cassinos são obrigados a preencher os relatórios de lavagem de dinheiro e o Governo suíço se está relegando para uma das brechas de lavagem de dinheiro mais conhecida, que é a aquisição de imóveis. O mercado imobiliário tem sido visto como um elo fraco nessa cadeia, com enormes somas mudando de mãos em mãos nas transacções em numerário.

Em Dezembro de 2012, o Governo suíço anunciou a sua intenção de tornar as regras mais rigorosas, fixando um limite acima do qual as transações em dinheiro para a compra de imóveis não seriam mais possíveis, nos seus esforços de tentar combater o crime multinacional. No entanto, o crime organizado italiano, principalmente a máfia calabresa ´Ndrangheta, está no topo da lista de preocupações do Governo suíço e especialistas consideram que o país não está devidamente preparado para a luta contra a máfia. Pois "o maior perigo é a ´Ndrangheta".

No final de Março de 2012, ao informar as prioridades da estratégia de combate ao crime para o período 2012-2015, o Governo suíço não foi mais claro. Embora ainda não tenha ocorrido nenhum assassinato como o de 2007 em Duisburg, na Alemanha, onde seis calabreses foram mortos, os Ndrine, as quadrilhas calabresas, também já estão bem implantadas na Suíça. Para os especialistas, as sirenes de alarme soadas pelo Governo federal não são nenhuma novidade. Há anos, juízes, policiais e alguns políticos apontaram o crescimento da presença das organizações mafiosas italianas na Suíça. Uma presença física real que aumentou com a pressão enfrentada pela máfia na Itália.

Indícios e provas

Não faltam indícios nem provas que atestem para a presença da máfia italiana na Suíça. Em Maio de 2011, por exemplo, um perigoso ´ndranghetista, que vivia tranquilamente em Frauenfeld, no cantão de Thurgau, foi preso em Gênova. Alguns meses antes, a polícia italiana havia revelado a internacionalização das famílias mafiosas da Calábria, com importantes ramificações na Alemanha e na Suíça, especialmente em Frauenfeld e Zurique.

As escutas realizadas na investigação não deixaram margem para dúvidas. Por exemplo, uma conversa onde um certo “Ntoni da Suíça" pede ao chefão Giuseppe Antonio Primerano, preso na Itália em Julho de 2010, autorização para expandir as suas actividades na Alemanha e na Suíça, por um lado. Por outro lado, Domenico Oppedisano, o Chefão dos chefões da máfia, também preso em Julho de 2010, fala numa "garantia de 20 milhões de um moeda não especificada a ser depositada num banco na Suíça”. Por isso, de acordo com Jean-Luc Vez, numa entrevista ao jornal suíço 24 Heures, julga que, por óbvias razões geográficas, a situação é preocupante, principalmente no Ticino e no Valais. O Chefe da Polícia Federal não quis, no entanto, discutir os méritos das investigações então em curso.

Plataforma logística 

A Suíça é particularmente apreciada pelos mafiosos por causa da "força da sua economia e do seu centro financeiro, bem como da sua infraestrutura", segundo explica o Ministério Público Federal da Suíça. O país funciona como uma espécie de plataforma logística para a lavagem de dinheiro, para a qual são usados, não só bancos e administradores, mas também investimentos, por exemplo, no sector imobiliário, como foi relatado na VI Conferência sobre a Lavagem de Dinheiro.

Os mafiosos também procuram implantar na Suíça os seus esquemas de tráfico ou buscam simplesmente refúgio. Em 2010, segundo o Relatório Anual da Polícia Federal suíça, "muitas pessoas do crime organizado italiano, incluindo a ´Ndrangheta, foram extraditadas para o seu país de origem, onde já haviam sido condenadas a longas penas de prisão". Ainda segundo as autoridades suíças, "algumas haviam cometido crimes na Suíça, principalmente os relacionados ao tráfico de drogas. Outras trabalhavam normalmente no país, sem serem notadas".

Falta de centralização

Um dos problemas do combate ao crime organizado na Suíça é a falta de centralização. Governos estaduais e federais dividem tarefas que na prática estão relacionadas. Assim, enquanto as polícias estaduais lutam contra o tráfico de drogas, a Polícia Federal se ocupa do crime organizado e das investigações sobre lavagem de dinheiro.

Um outro problema ainda mais grave é que as investigações, que já são bastante complicadas quando se trata de organizações impermeáveis como a ´Ndrangheta, se tornam ainda mais difíceis com as restrições impostas à utilização de determinados métodos de investigação, como escutas telefónicas ou infiltrações nos seus sistemas informáticos.

Nicolas Giannakopolous, fundador do Observatório sobre o Crime Organizado de Genebra, concorda com a análise segundo a qual "é tudo muito complicado, com aspectos muito processuais. Devemos nos inspirar na Itália, por exemplo, no que diz respeito a medidas como o bloqueio de bens, que funciona muito bem. A estrutura legal suíça não é adequada. Para lutar contra a máfia, os métodos usados contra ladrões de galinhas não funcionam". Trata-se de uma opinião considerada um pouco exagerada.

O Ministério Público suíço pensa que a legislação actual prevê possibilidades suficientes para combater o crime organizado. Uma tarefa que Michael Lauber, seu novo responsável, conhece muito bem, já que foi responsável do Governo na luta contra o crime organizado entre 1995 e 2000. Trata-se de um sinal de que o Governo suíço está disposto a levantar a guarda diante da máfia.

Num estudo publicado em 2008, o Instituto de Pesquisas Eurispes, um dos mais importantes da Itália, estimou em cerca de €44 mil milhões o volume de negócios da 'Ndrangheta. Esta soma é igual a cerca de 3% do PIB italiano e coloca a 'Ndrangheta ao nível de empresas multinacionais como a Renault, Novartis e Nokia. Quase dois terços da sua receita vêm do tráfico de drogas (€27 mil milhões), o restante de aquisições é produto da prostituição, extorsão e tráfico de armas. O facturamento das quatro principais organizações criminosas da Itália, nomeadamente: Cosa Nostra, 'Ndrangheta, Camorra e Sacra Corona Unita, é estimado em €130 mil milhões.

O que diz o código penal suíço


O Artigo 260 do Código Penal suíço refere o seguinte sobre as organizações criminosas:

1.    Qualquer pessoa que participar de uma organização que mantém em sigilo a sua estrutura e os seus componentes, com o propósito de cometer actos de violência ou crime para se enriquecer de forma ilícita, quem suporta tal organização nas suas actividades criminosas, serão punidos com pena de prisão até cinco anos ou multa.

2.    O tribunal pode atenuar a pena (artigo 48a) se o réu ajudar a impedir a continuação da organização criminosa.

3.    Também será condenado quem cometer crime no exterior, se a organização exercer ou pretender exercer actividade criminosa em todo ou em parte no território da Suíça.

 

No entanto, se reconhece que a máfia calabresa é tão moderna e tradicional. A prisão do chefão Francesco Vottari, em Outubro de 2007 é prova disso. Nos últimos anos, a polícia italiana conseguiu infligir duros golpes ao crime organizado, mas não freou as suas actividades.


A ‘Ndrangheta tornou-se a organização criminosa italiana mais poderosa, graças ao tráfico de cocaína e à capacidade de aproveitar as oportunidades da globalização, como testemunhou a entrevista com o ex-Presidente da Comissão Parlamentar Anti-máfia italiana, Francesco Forgione.

Se a ‘Ndrangheta se encontra sob as luzes da ribalta já faz alguns anos, é porque o mérito é seu. Por causa dos trabalhos da Comissão Parlamentar Anti-máfia da XV legislatura (Abril de 2006 a Abril de 2009), Presidida por Francesco Forgione, a Europa teve que se render à ideia de que o fenómeno ‘Ndrangheta não tem a ver apenas com a Itália.

No livro Máfia Export: Como ‘Ndrangheta, Cosa Nostra e Camorra colonizaram o mundo, publicado em 2009, Francesco Forgione traça um quadro muito preocupante sobre o crime organizado na Itália e na Europa. As máfias italianas e a ‘Ndrangheta, principalmente, já se movem com desenvoltura nos quatro cantos do planeta, gerenciam tráficos e capitais colossais e corroem a economia como um câncer parecido ao que corrói a economia moçambicana em torno das dívidas ocultas da EMATUM, Proíndicus e MAM, onde um dos protagonistas é um banco suíço – o Credit Suisse.

Para o ex-deputado da Rifondazione Comunista (Re-fundação Comunista), os países europeus e a Suíça deveriam começar a reflectir seriamente sobre a unificação das normas anti-máfia e sobre a introdução de medidas importantes contra os sequestros e penhora dos bens resultantes do crime organizado.

De acordo com a swissinfo.ch, o que a ‘Ndrangheta fez para se tornar tão forte, a ponto de ultrapassar na lista das organizações criminosas as mais poderosas, como a Cosa Nostra e Camorra, devem ser a principal preocupação da justiça suíça e da Europa, senão mesmo de todo o mundo. Estas organizações mafiosas devem ser encaradas da mesma forma como é encarado o terrorismo e o Estado Islâmico (EI).

Na óptica de Francesco Forgione, a máfia internacional pelo menos já tomou duas medidas: a primeira foi a possibilidade de mover capitais de uma a outra parte do mundo em tempo real e sem controlo. A segunda foi a passagem do mercado da heroína, que durante décadas era exclusivo dos sicilianos, para o da cocaína na esfera internacional. Esta mudança pegou os sicilianos de surpresa, que  viram a ‘Ndrangheta se tornar num grande broker internacional, sobretudo no tráfico entre a América do Sul e a Europa.

A ‘Ndrangheta pôde, assim, adquirir um grande poder, não só no mundo do crime, mas também no mundo da economia e das finanças. Por isso, hoje, todos consideram que a ‘Ndragheta é a mais perigosa do que as outras duas organizações.

De qualquer forma, mesmo com esta capacidade de viver escondida, já faz algum tempo que os reflectores estão apontados para ela. Por isso, para Francesco Forgione, a ‘Ndrangheta cometeu o maior erro que poderia ter cometido ao levar a cabo o atentado de Duisburg, durante o qual sete calabreses foram assassinados na cidade alemã, em Agosto de 2007. Desde de então, os olhos da Europa e de parte do mundo se fixaram numa máfia que até aquele momento tinha vivido discretamente.

A isto juntam-se os trabalhos da Comissão Parlamentar Anti-máfia que ele presidiu e que existe desde 1964. Pela primeira vez publicou, em 2008, um relatório dedicado exclusivamente à ‘Ndrangheta. Logo depois, o Departamento do Tesouro norte-americano incluiu a ‘Ndrangheta na lista negra das principais organizações criminosas mundiais. Tudo isto fez com que as instituições e a opinião pública se interessassem pela ‘Ndrangheta e não apenas se resumiu aos organismos investigativos.

Uma coisa que espanta na ‘Ndrangheta é este seu “ser” extremamente moderno, esta sua capacidade de mover-se sem problemas no mundo globalizado e a permanência, no seio da organização, de ritos quase ancestrais. Francesco Forgione crê que isso é o elemento principal da sua força. Esta sua forte dimensão de identidade, com os ritos, a relação osmótica com a religião e o sentimento de “pertencer”, permite a construção do poder na base do pacto do silêncio. Ao mesmo tempo, tem uma grande capacidade empresarial. Sabe utilizar todas as oportunidades da globalização através de uma burguesia que se relaciona, não simplesmente com a ‘Ndrangheta, mas com as forças económicas da organização.

De acordo com Francesco Forgione, a ‘Ndrangheta aproveitou duas características: por um lado se apoiou na grande imigração calabresa no mundo. Transformou esta imigração numa verdadeira colonização de territórios. À diferença de outras organizações, quando os calabreses da ‘Ndrangheta chegam num lugar, não se preocupam apenas em fazer reciclagem mas, sim, em lançar as bases das suas estruturas, as chamadas ‘ndrine, constituindo um dos núcleos organizados que, estrategicamente, respondem de alguma maneira sempre à Calábria.

A segunda característica é a capacidade que teve a ‘Ndrangheta de viver submersa, oculta. Nunca desafiou o Estado italiano, nunca cometeu atentados como os sicilianos fizeram com Falcone e Borsellino, dois juízes anti-máfia assassinados juntos com as escoltas em 1992. A ‘Ndrangheta nunca assassinou políticos importantes.

As classes dirigentes e o mundo da informação possuem também partes de responsabilidade, porque nunca quiseram enxergar. Tudo isto permitiu à ‘Ndrangheta a possibilidade de acumular capital, de aumentar a sua força sem ser realmente combatida, à diferença da Cosa Nostra, ocupada primeiro na guerra interna entre os Corleonesi e a velha máfia e, depois, com a temporada dos atentados favorecidos pelas oportunidades oferecidas pela globalização.

Como ela utiliza a Suíça e outros países europeus, são exactamente estes países que servem de simples bases para a reciclagem do seu dinheiro ou também como territórios para implantar tráficos ilegais. Daí que Francesco Forgione considere ambos os motivos.

Em relação a outros países europeus, a Suíça tem um problema a mais, por causa das razões financeiras muito notórias, devido ao seu sistema bancário. A Suíça faz fronteira com a Lombardia, região italiana onde a ‘Ndrangheta tem uma forma de controlo do território que, segundo a justiça de Milão, é igual à calabresa. Chegou-se a um ponto tal que, como os calabreses, os empresários chantageados na Lombardia também se recusam a denunciar ou a testemunhar.

Por muitos anos na Suíça e na Europa prevaleceu a ideia de que quando chega o dinheiro dos mafiosos, não chegam os mafiosos. E acontece exactamente o contrário. As máfias alteram o território e influenciam a relação de transparência entre a economia, as empresas e o crédito, cujo os riscos de violência também afectam a Suíça.

Francesco Forgione não crê que eles sejam tão estúpidos. A principal violência é a que exercem com os capitais sobre a transparência da economia. Por isso que não crê igualmente que os atentados como de Duisburg sejam repetidos por terem causado muitos danos e a ‘Ndrangheta tem consciência disso.

Por isso, do ponto de vista jurídico, o que a Suíça e os países europeus poderiam fazer para lutar com maior eficiência contra as máfias seria unificar a legislação anti-máfia e então, estender o crime de associação mafiosa a todos os estados europeus e no mundo. Devem ainda ser implantadas medidas de cassação e penhora de bens, como acontece na Itália. É necessário que exista um reconhecimento recíproco destes procedimentos, porque o problema das máfias deve ser enfrentado a escala global ou, pelo menos, a escala europeia.

Uma organização difícil de penetrar

No seu relatório de 2008, a Comissão Parlamentar Anti-máfia italiana equipara a ‘Ndragheta a uma “estrutura de tentáculos sem direcção estratégica, mas caracterizada por um tipo de inteligência orgânica semelhante à da Al Qaeda”. Os investigadores concordam em afirmar que os inquéritos contra a ‘Ndrangheta estão entre os mais difíceis. As suas fortes relações familiares, que ainda prevalecem no interior desta organização, reforçadas por uma série de rituais, tornam  muito mais complicadas as operações de infiltração. Além disso, é muito difícil encontrar arrependidos no seio da organização.

De acordo com os últimos dados que os investigadores tiveram acesso, em 2007 os “colaboradores da justiça”, ou seja os arrependidos, sob a responsabilidade do Serviço Central de Protecção do Ministério do Interior italiano, eram 785, dos quais 268 da Camorra, 230 da Cosa Nostra, 101 membros da ‘Ndragheta, 85 homens da Sacra Corona Unita ou máfia da Puglia e 101 integrantes de outros grupos criminosos.

Em 2010, segundo o Relatório da Direcção de Investigação Anti-máfia, na Itália foram cometidos 29 homicídios  ligados à ‘Ndrangheta, 20 à Camorra, 15 à Sacra Corona Unita e 8 à Cosa Nostra. No ano anterior foi, principalmente, a guerra da Camorra que causou o maior número de vítimas, num total 51 pessoas. Os homicídios ligados à ‘Ndragheta foram 19, assim como à Cosa Nostra, e 14 para a Sacra Corona Unita.

Afinal quem é Francesco Forgione?


Nascido em 1960, em Catanzaro, na Itália, Francesco Forgione foi Redactor-Chefe e Director do jornal italiano Liberazione e militou na Rifondazione Comunista (Re-fundação Comunista), partido pelo qual foi eleito, em 2006, para a Câmara dos Deputados. Durante a XV Legislatura italiana (2006-2008) presidiu a Comissão Parlamentar Anti-máfia. Depois ele aderiu à Sinistra Ecologia e Libertà ou Esquerda Ecologia e Liberdade.

Francesco Forgione escreveu diversos livros sobre o crime organizado italiano, entre eles: o Oltre la Cupola, massoneria, mafia e politica em 1994 (Além da Cúpula, maçonaria, máfia e politica), o ‘Ndrangueta. Boss, luoghi e affari della mafia più potente al mondo em 2008 (‘Ndrangheta. Chefes, lugares e negócios da máfia mais poderosa no mundo) e Mafia Export. Come a ‘Ndrangheta, Cosa Nostra e Camorra hanno colonizzato il mondo (Máfia Expor. Como a ‘Ndragheta, Cosa Nostra e Camorra colonizaram o mundo).

Custa à Suíça se livrar de bens dos ditadores


O Primeiro-Ministro malaio, Najib Razak, está envolvido num enorme escândalo de corrupção ligado ao Fundo Soberano (1MDB). Dezenas de milhões de francos foram bloqueados nos bancos suíços pelo Ministério Público da Confederação (MPC). Mas provar ao mundo que a Suíça já não é mais a caixa-forte dos déspotas estrangeiros está a ser muito difícil. Este é o principal objectivo da nova lei sobre o bloqueio e restituição de bens de origem ilícita de Pessoas Politicamente Expostas no exterior (LVP), em discussão no Parlamento e cuja natureza exemplar foi parabenizada por especialistas do Banco Mundial.

Desde o caso Ferdinando Marcos, ex-Presidente das Filipinas em 1986, a lista dos activos de ditaduras que mancharam a reputação da Suíça e os seus bancos é muito longa. Constam nomes como de Mobutu Sese Seko Kuku Ngbendu Wa Za Banga (Presidente do ex-Zaire), Sani Abacha (ex-Presidente da Nigéria), Carlos Salinas de Gortari (ex-Presidente do México), François Duvalier (ex-Presidente do Haiti), Laurent Gbagbo (ex-Presidente da Costa do Marfim), Zine El Abidine Ben Ali (ex-Presidente da Tunísia), Muammar Mohammed Abu Minyar Gaddafi ou Coronel al-Kadhafi (ex-Presidente da Líbia), Hosni Mubarak (ex-Presidente do Egipto), entre outros, permanecerão para sempre associados à cumplicidade de alguns bancos suíços com governantes que espoliaram e empobreceram os seus povos.

Na Suíça, muitos querem acreditar que essas práticas são coisas do passado. A crise financeira, as pressões insustentáveis que levaram à morte lenta do sigilo bancário e as cada vez maiores exigências de transparência e combate à lavagem de dinheiro teriam frenado tais actividades criminosas. Pois, o deputado federal do Partido Democrata-Cristão suíço (PDC), Jacques Neyrinck, diz que "nós não somos mais os receptores do mundo. O sector bancário deu início a um processo de moralização. Ele também percebeu que não era necessário enganar para ter sucesso. A força do franco, a estabilidade política e as instituições que funcionam hoje são suficientes para o seu sucesso".

Das várias revelações sobre o crime organizado


Após a Primavera Árabe, muitos observadores ficaram surpresos com os montantes bloqueados nas contas bancárias suíças por ordens do Tesouro norte-americano. Quase um bilião de francos no total de casos envolvendo figuras públicas estrangeiras. Do gigantesco escândalo de corrupção na petrolífera brasileira PETROBRAS ao caso do ex-Presidente ucraniano Viktor Yanukovych e sua comitiva, passando pela filha do ditador uzbeque Gulnara Karimova, várias centenas de milhões de francos foram bloqueados pelo Ministério Público suíço (MPC) e cinco mil milhões de bens foram congelados.

No geral, mesmo se não é possível distinguir entre crime "comum" e os activos de Pessoas Politicamente Expostas (PPE), cinco mil milhões de francos de activos se encontram actualmente congelados na Suíça pelo Ministério Público da Confederação, que revelou ainda ter congelado dezenas de milhões de francos relacionados ao escândalo de corrupção na 1MDB, um fundo soberano controlado pelo Primeiro-Ministro malaio Najib Razak. E isso não é tudo: a revista suíça L'Hebdo revelou que várias dezenas de milhões de francos de actividades ilegais do Governo da Eritreia haviam transitado por contas em Genebra e Zurique.

Olivier Longchamp, especialista em questões financeiras da Declaração de Berna, uma organização não-governamental suíça, lamenta que "infelizmente, a nova lei em discussão no Parlamento não vai mudar esta situação. A LVP se concentra nos fundos já identificados na Suíça. Isso não vai impedir o afluxo de fundos ilegais provenientes da corrupção".

Falhas no sistema de combate à lavagem de dinheiro

No entanto, a vertente preventiva, ou seja o dispositivo contra a lavagem de capitais em vigor na Suíça, cuja pedra angular é a lei sobre a lavagem de dinheiro de 1998, exige que os bancos verifiquem a origem dos fundos quando fazem negócio com Pessoas Politicamente Expostas (PPE). Os requisitos acabam de ser reforçados por recomendação da Força-Tarefa de Acção Financeira (FTAF) da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).

O problema é que o sistema ainda tem muitas falhas. Em primeiro lugar, porque se baseia na confiança e depende dos próprios intermediários financeiros, sendo estes obrigados a comunicar as operações suspeitas que eles detectarem. Olivier Longchamp observa que, "na prática, temos muito pouca informação sobre a forma como os bancos actuam nesse sentido". Os bancos mantêm-se muito relutantes em fornecer informações e preferem passa-las para a sua organização central, a Associação dos Bancos Suíços (ASB).

Sob condição de anonimato, um funcionário de um grande banco suíço garantiu que recursos consideráveis são investidos nesta missão e que "a abertura ou a manutenção de uma relação bancária com uma PPE é decidida ao mais alto nível da direcção. Investigadores internos acompanham, em seguida, esses casos para evitar que a reputação do banco seja atingida".

Sanções não dissuasivas


Com mais de 2.3 triliões de francos suíços sob gestão, ou 25% de todos os fundos internacionais do planeta, o centro financeiro suíço permanece particularmente exposto. Gretta Fenner, Directora do Basel Institute on Governance, uma organização independente sem fins lucrativos que luta contra a corrupção e os crimes financeiros, refere que "os pequenos bancos privados são os mais vulneráveis, porque eles não têm necessariamente meios para implementar um sistema avançado de controlo".

A tentação de não respeitar as regras também é grande para as pequenas instituições financeiras quando somas de dezenas ou centenas de milhões de francos estão em jogo, observou Olivier Longchamp. Especialmente porque as sanções não são dissuasivas. O Representante da Declaração de Berna lamenta: "Nos Estados Unidos, as multas podem chegar a vários biliões de dólares, enquanto na Suíça a FINMA não tem direito de multar. No caso dos fundos da Primavera Árabe, a polícia financeira suíça nem quis divulgar os nomes dos bancos que não cumpriram as suas obrigações".

Responsabilidade partilhada


Finalmente, permanece toda a questão da ambiguidade que paira sobre a presença de fundos de regimes autocráticos na Suíça. Porque, como lembra a ASB no seu site, "os problemas só surgem a partir do momento que uma PPE se torna persona non grata aos olhos do Governo suíço e outras organizações internacionais".

Para evitar problemas, o ex-Procurador do Ticino (sul), Paolo Bernasconi, declarou ao jornal Le Temps que os bancos deveriam deixar de aceitar dinheiro de membros de governos estrangeiros e seus familiares. Uma medida extrema que "fere o sentido liberal dos suíços", disse Olivier Longchamp. Mas até mesmo as medidas mais suaves têm dificuldade em convencer: em 2012, o Parlamento rejeitou uma moção da socialista Margret Kiener Nellen, que queria obrigar as PPEs a aprovar, por escrito, que os seus activos haviam sido adquiridos legalmente.

Lei modelo para a restituição de dinheiro dos potentados


O ex-Presidente egípcio, Hosni Mubarak, deposto em Fevereiro de 2011, tinha 700 milhões de francos em bancos suíços. Depois de ter concedido refúgio predilecto para o dinheiro de numerosos déspotas, a Suíça quer agora regulamentar o bloqueio e a restituição dos fundos através de uma lei considerada pioneira no âmbito internacional. Mesmo se a nova norma não resolve todos os problemas, como os que surgiram depois da Primavera Árabe, em certo sentido a iniciativa é bem-vinda. Pois, Rebecca Garcia, porta-voz da Associação Suíça dos Banqueiros (ASB), observa que “em 2011, a Suíça foi o primeiro país a bloquear os fundos de Ben Ali e de Hosni Mubarak, depois que foram destituídos na Tunísia e no Egipto, respectivamente. Porém, ao invés de elogios, o que ocorreu foram críticas pelo facto de que os seus fundos ainda estavam na Suíça”.

Apesar dos esforços feitos nos anos 1980 pelo Governo suíço para bloquear e restituir os “fundos dos potentados” aos países roubados, na opinião pública internacional permanece uma percepção bastante negativa, deixada sobretudo pela longa lista de déspotas que mantinham dinheiro nos bancos suíços. Logo depois da Primavera Árabe, por exemplo, surgiram cerca de 1 bilhão de francos depositados nos últimos dez anos na Suíça por potentados do Egipto, Líbia, Tunísia e Síria.

O Governo suíço está consciente do problema, por isso apresentou um projeto de lei “sobre o bloqueio e a restituição de valores patrimoniais de origem ilícita de Pessoas Politicamente Expostas”, visando reforçar o dispositivo actual. O texto, submetido a Parlamento Federal para consulta pelos partidos políticos e organizações interessadas, representa, em vários pontos, um modelo a nível internacional, como constaram especialistas do Banco Mundial.

Inversão da prova


A nova lei deve ampliar, primeiro, a possibilidade preventiva de bloquear contas para evitar a fuga. Até agora, o bloqueio é previsto somente se o país interessado fizer o pedido de assistência judiciária ou se há instabilidade total das instituições do Estado, o que impede a um país apresentar tal pedido. Mark Herkenrath, especialista de finanças internacionais na Aliança Sul, que reúne algumas das principais ONGs suíças, explica que “em muitos casos, como no caso do Egipto, não havia instabilidade total das instituições estatais, mas não houve possibilidade de colaboração através de um procedimento regular de assistência judiciária. As pessoas no poder mudaram rapidamente e não havia a quem contactar”.

Para bloquear os haveres de antigos potentados árabes, o Governo suíço teve de recorrer, em várias ocasiões, a um procedimento de urgência baseado na Constituição Federal, mas somente em casos excepcionais. Outro ponto importante: o projecto de lei prevê a inversão do fardo da prova. A Suíça não esperaria mais que os países interessados, como o Egipto e a Tunísia, provassem que o dinheiro de Hosni Mubarak ou Ben Ali provinham de actividades ilícitas. A partir de agora, são os déspotas que devem provar que os seus haveres são lícitos.

Círculo vicioso

Com base nessa nova norma proposta pelo Governo, no futuro a Suíça vai colaborar mais activamente nas investigações dos países defraudados. Poderá, em particular, fornecer informações sobre contas bancárias, antes mesmo de receber um pedido de assistência judiciária. Pois, Mark Herkenrath explica que “até agora, há um círculo vicioso: sem pedido de assistência judiciária, os países interessados não tinham acesso a essas informações; sem essas informações, não podem fazer um pedido de assistência judiciária”.

Apesar de apoiar o projecto de lei, a ASB faz ressalvas nesse ponto, ao defender que “essas informações devem ser fornecidas somente se o país destinatário oferecer garantias democráticas e dispor de uma estrutura legal. De contrário, há o risco desses dados serem usados arbitrariamente e poder até ameaçar a vida da pessoa”.

Para Rebecca Garcia a nova lei prevê ainda, de modo explícito, que o dinheiro restituído seja empregado para melhorar a vida da população e reforçar o Estado de Direito do país de proveniência. O Governo suíço quer evitar que os recursos voltem novamente para o circuito da corrupção e do crime organizado.

Enorme fuga de capitais


Segundo estimativas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), por ano cerca de US$850 mil milhões são transferidos ilicitamente dos países em desenvolvimento para os paraísos fiscais. Essa soma supera claramente as contribuições de governos, organizações internacionais e organizações não-governamentais para o desenvolvimento nos países pobres, de aproximadamente US$130 mil milhões por ano.

Conforme estimativas do Banco Mundial, em cada ano cerca de US$20 a US$40 mil milhões saem dos países em desenvolvimento através de esquemas de apropriação indevida, corrupção e abuso de poder por parte de dirigentes e funcionários públicos.

Criticas dos partidos

Depois da fase de consultas, o projecto de lei será submetido ao Parlamento, mas suscita críticas dos partidos de centro e de direita. Luzi Stamm, deputado federal pelo Partido do Povo Suíço (SVP), sustenta que “a Suíça não precisa de uma nova lei, pois já somos mais avançados do que outros países. Aliás, já fazemos até demais, como se vê no caso do Egipto: bloqueamos o dinheiro de Hosni Mubarak, mas ainda não o restituímos”.

Para a esquerda, a lei representa um grande passo adiante, mas ainda não o suficiente. A nova norma regulamenta em detalhe o bloqueio e a restituição dos valores, mas não resolve o problema da aceitação de dinheiro sujo pelos bancos suíços. Os haveres dos ditadores são quase sempre fruto da corrupção, apropriação indevida ou abuso de poder. A este respeito, o Partido Socialista (PS) sublinha que “não foi a destituição de Hosni Mubarak que tornou ilícitos os 700 milhões de francos suíços que ele havia depositado na Suíça”.

Porém, para o Governo não é possível bloquear o dinheiro dos potentados ainda no poder. Primeiro, os dirigentes políticos gozam geralmente do estatuto de imunidade e a Suíça deve oferecer garantias e direitos a todos os países. Pierre-Alain Eltschinger, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, afirma que “a decisão de bloquear contas pode dar resultado somente se depois for apresentado um pedido de assistência judiciária para a sua restituição. Mas geralmente isso não é possível antes de uma mudança de poder”.
  

Obrigatoriedade de diligências

Segundo Pierre-Alain Eltschinger, “é dever do banco proceder claramente, no âmbito da obrigação de diligências nas suas relações com o cliente. Isso é ainda mais necessário para as Pessoas Politicamente Expostas”. Na opinião de Mark Herkenrath, esta obrigação de diligência nem sempre é suficientemente respeitada, porque “a impressão é que os bancos se contentam com o mínimo do que é previsto na lei e que a autoridade de controlo dos bancos se acomoda no que os bancos fazem, sem exigir o seu máximo”.

Estas críticas são refutadas pela ASB que alega que “devemos assinalar casos suspeitos devido a lei de lavagem de dinheiro. Porém, não cabe ao banco decidir se um dirigente político está abusando do poder. Ainda mais, que muitos Chefes de Estado caem na desgraça só depois de destituídos. Hosni Mubarak e Muammar Gaddafi eram abraçados e beijados por dirigentes europeus, poucas semanas antes de perderem o poder”, sublinha a ASB.

A Suíça está pagar por conta do sigilo bancário sendo alvo de ataques de governos europeus, de processos judiciais nos EUA e com banqueiros sob mandados de prisão internacionais, condenando a fórmula lucrativa do passado, baseada no sigilo bancário suíço que se tornou, nos últimos anos, um fardo para o centro financeiro do país. Daí que o advogado Paolo Bernasconi, professor de Direito Financeiro e Fiscal, um dos principais especialistas do sector financeiro suíço e ex-Procurador do cantão do Ticino (sul), disse que "hoje eu tive uma reunião com banqueiros em Zurique. Todo o mundo balançava a cabeça: em 40 anos de actividade, nunca houve tal crise: uma guerra contra o sistema bancário suíço. Estamos na linha de fogo da artilharia de todos os países e, a cada dia, há um novo ataque. Muitos gerentes de banco não podem nem sair da Suíça, sob o risco de serem presos".

 

A tempestade que atingiu o sector bancário suíço teve consequências surpreendentes. Dois adolescentes, filhos de um banqueiro de Genebra, foram questionados pelas autoridades alfandegárias norte-americanas sobre as actividades do seu pai quando passavam férias nos EUA. Esta não é a primeira vez que o sigilo bancário suíço fica na mira de outros países. Mas até alguns anos atrás, se tratava de poucos ataques isolados. Nunca se viu tal esforço combinado por parte das potências económicas mundiais. Os bancos suíços, mas também os bancos de outros paraísos fiscais, sempre tiveram a opção de mover as suas operações numa área cinzenta. Mas hoje, esta área é considerada negra pela maioria dos governos. Nos EUA, 11 instituições financeiras suíças são suspeitas de terem violado sistematicamente a lei norte-americana.

 

De acordo com Paolo Bernasconi, "durante 50 anos, os bancos suíços viveram com uma regra que consistia na aplicação estrita da lei suíça, deixando de lado as normas do Direito Internacional. Dessa forma, foi possível ganhar muito dinheiro. Não só os bancos, mas todos nós. Hoje, estamos pagando a conta. Infelizmente, não são só os responsáveis daquela época que sofrem. A nova geração vem perdendo o emprego e é negativamente afectada pela crise".

 

Alguns anos atrás, políticos e banqueiros diziam que o sigilo bancário não era "negociável". Mas eles subestimaram a velocidade da mudança na luta contra a evasão fiscal internacional. Em 2009, a Suíça foi posta na lista cinzenta de países não-cooperativos, quando o G20 e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) declararam oficialmente guerra ao sigilo bancário.


Para evitar de ser posta na lista negra, a Suíça foi obrigada a fazer uma série de ajustes urgentes para os padrões da OCDE, incluindo a remoção da distinção histórica entre fraude (que era crime) e evasão fiscal (que não era crime), o que se tornou inaceitável para os outros países. Pressionadas pelos EUA, as autoridades suíças tiveram que fornecer os dados de milhares de clientes norte-americanos de bancos suíços e o Governo suíço acabou ficando no meio de um fogo cruzado. Pois, enquanto a esquerda exige a implementação urgente dos padrões de transparência absoluta para a praça financeira, a direita populista segue dizendo que o Governo simplesmente capitulou sob a pressão externa.

O deputado Hans Kaufmann, do Partido do Povo Suíço (SVP), declarou que "temos um Governo fraco que acabou caindo de forma humilhante na armadilha da União Europeia (EU) e dos EUA, que buscam enfraquecer a nossa praça financeira e o nosso sigilo bancário". Trata-se de uma visão "suicida", denuncia Paolo Bernasconi que defende que "o SVP deve perceber que a Suíça é uma nação anã em relação aos EUA, a UE e a OCDE. O nosso país, que está totalmente integrado no sistema financeiro mundial, não pode se dar ao luxo de acabar numa lista negra. Hoje, ninguém pode escapar às normas da OCDE".

A cura para todos os males

Para afastar a sombra da troca automática de informações, o que equivale à morte definitiva do sigilo bancário, o Governo suíço procura explorar novos acordos fiscais bilaterais, chamados de Rubik, já assinados com a Alemanha, Grã-Bretanha e Áustria. Esses acordos preveem o pagamento de um imposto liberatório sobre os activos, para regularizar o passado, e um imposto na fonte sobre os rendimentos para o futuro. Mas a direita já lançou um referendo contra os três acordos. Hans Kaufmann disse que "eles não são aceitáveis. Eles não fornecem nenhuma reciprocidade, eles representam uma carga administrativa muito alta para os bancos e estabelecem quotas praticamente confiscatórias. Dentro de dois anos, depois de ter embolsado o dinheiro, os países denunciarão os acordos e tentarão impor a troca automática de informações fiscais".

Paolo Bernasconi rebate Hans Kaufmann defendendo que "Rubik não é a cura para todos os males, mas elimina alguns deles. A troca automática de informações com certeza vai acontecer, porque a OCDE e os EUA estão determinados, mas pelo menos vamos ter tempo para se adaptar e vamos ser menos atacados por outros países. E não se esqueça de uma coisa: esses acordos fiscais também servem para garantir uma amnistia para os banqueiros, que agora não podem se aventurar fora da Suíça".

Agora a questão que se coloca é se diante desses ataques sem precedentes, o centro financeiro suíço vai conseguir sobreviver ao anúncio da morte do sigilo bancário ou vai acabar perdendo os seus activos sob gestão. Daí que Jan-Egbert Sturm, Director do KOF, o Centro de Pesquisa Económica da Politécnica de Zurique, diz que "a principal força do centro financeiro suíço não é o sigilo bancário, mas a estabilidade do país. A Suíça é vista como uma ilha de segurança, tanto do ponto de vista político, quanto económico e monetário. Basta lembrar da força do franco suíço". Para ele, "essa estabilidade é particularmente importante em tempos de crise, como a que está atravessando a Zona Euro. Além disso, apesar dos ataques contra o sigilo bancário, os fundos continuam a fluir fortemente do exterior aos cofres dos bancos suíços".

Entretanto, o ex-Presidente do Banco Central Suíço, Philip Hildebrand, prevê o fim do sigilo bancário e declarou em entrevista à televisão suíça que “a Suíça, como paraíso fiscal, acabou”, pois o sigilo fiscal, tal como existe hoje, será coisa do passado nos próximos anos e que muitos países perseguem os seus cidadãos por evasão fiscal. Philip Hildebrand explicou que “a Suíça e o seu sistema bancário deverão assumir, nos próximos cinco a dez anos, que quando um cliente estrangeiro abre uma conta num banco suíço, o seu nome e os dados da sua conta serão transmitidos automaticamente às autoridades fiscais do respectivo país”.

Refira-se que Philip Hildebrand foi forçado a se demitir da Presidência do Banco Central Suíço (BNS), depois de a sua esposa ter feito operações controversas de câmbio.  Ele dirigiu o BNS durante um período que qualificou de “terrível”, em Outubro de 2008,  quando o BNS teve de salvar da falência o  banco privado UBS com um plano de 72 mil milhões de francos suíços.

Pressões sobre o sigilo bancário


Em 2009, o grupo dos 20 países que reúne as maiores economias do mundo (G20) incluiu a Suíça e outros países numa lista cinzenta de Estados que não cumprem com as normas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) sobre a troca de informações fiscais.

A OCDE inclui 34 países mais industrializados do mundo. Para evitar de ser posta na lista negra, o Governo suíço foi forçado a assinar rapidamente acordos de dupla tributação, em conformidade com as normas da OCDE, com nove países. Ao abrigo destes acordos, a Suíça comprometeu-se a fornecer informações aos outros países em casos de evasão fiscal por omissão, intencional ou não, na declaração de renda à Receita, e não apenas em casos de fraude fiscal ou tentativa de enganar a Receita Federal, por exemplo falsificando documentos.

A OCDE está actualmente desenvolvendo várias outras normas que todos os países membros ou não-membros, como Moçambique, terão de se adaptar nos próximos anos. Entre elas, a obrigação de prestar assistência administrativa, mesmo para grupos de contribuintes, sem que o país requerente seja obrigado a fornecer provas específicas.

O G20, a OCDE e a UE também continuam fazendo pressão para a introdução generalizada da troca automática de informações em matéria fiscal. Com base em tal sistema, todos os bancos do mundo devem fornecer automaticamente todos os dados dos seus clientes, a pedido das autoridades fiscais de um país terceiro, o que significa que a Suíça deve abolir o seu sigilo bancário. O sector financeiro suíço está na mira das grandes potências económicas mundiais, que declararam guerra contra a evasão fiscal. Para o efeito, deverá introduzir uma emenda na lei federal suíça sobre bancos de 1934, que prevê o sigilo bancário para servir, entre outras coisas, de meio de protecção da privacidade dos clientes bancários de intervenção estatal indevida. Através daquela lei, os bancos suíços conseguiram atrair centenas de biliões de francos do exterior que não são declarados às autoridades fiscais.

Portanto, no actual contexto internacional, a Suíça deve ser bastante mais flexível no que toca ao seu sistema de sigilo bancário. As circunstâncias mudaram muito desde 1934. Ela já não pode continuar a atrair depósitos multimilionários sem fiscalização, pois muitos desses dinheiros são provenientes de actividades ilícitas como tráfico de droga, armas e até de corrupção.

Um país que granjeia a fama de ser humanitário, democrático e defensor dos valores éticos e morais, não pode continuar a fechar os olhos a esta situação. Pois, centenas de milhões de dinheiros de outros países estavam e continuam a estar em paraísos fiscais, com destaque para a Suíça, provenientes da corrupção activa de políticos e/ou de empresários, como já é do conhecimento da comunicação social. A suíça não pode continuar a ter um sistema bancário pouco transparente, que tanto contrastam com os ideais suíços.

Governos falidos, corruptos e perdulários acham mais fácil ficar bisbilhotando contas bancarias das pessoas do que lutar por encontrar os traficantes de drogas, das armas e governantes verdadeiramente corruptos. Por isso, a quebra deste sistema de sigilo bancário suíço só servirá mais para perseguir opositores de governos mais fortes como a única finalidade que os ingénuos acreditam que é para moralização do sistema financeiro internacional.

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