EMPRESÁRIOS
PRÓXIMOS AO PARTIDO FRELIMO DEVEM AO TESOURO MILHÕES DE METICAIS HÁ 18 ANOS
Tema de Fundo por Adérito Caldeira – In: @verdade, 18 de Janeiro
de 2017
Dez das 30
empresas que entre 1999 e 2002 pediram empréstimos ao Estado moçambicano até
hoje não pagaram um único centavo. Em comum, além da dívida de mais de 231
milhões de meticais, têm o facto de os seus sócios serem membros ou próximos do
partido Frelimo e representarem um dos primeiros grupos de empresários
bafejados pela privatização caótica e apressada que aconteceu no âmbito do
Programa de Reabilitação Económica. Ademais várias das empresas devedoras são
participadas pelo próprio Estado.
A maior
devedora do Tesouro é a Transportes, Investimentos
e Serviços, Limitada (TSL). A empresa criada no ano de 2000 por Alsone Jorge
Guambe e vários parentes (Carla Maria Pereira Arrides, Leonardo Arone Mate,
Leocádia Rosita Alsone Guambe, Sindy Adelaide Alsone Guambe, Hermenegildo da
Conceição Alsone Guambe, Alsone Júnior Jorge Guambe e Jorge Alsone Guambe) deve
67.255 mil meticais e nunca pagou nenhuma amortização, de acordo com o
Relatório sobre a Conta Geral do Estado (CGE) de 2015 elaborado pelo Tribunal
Administrativo (TA).
O @Verdade
apurou que a empresa aparentemente familiar, que entretanto faliu, era próxima
do antigo governante Pascoal Mocumbi. Antes de fundar a TSL, Alsone Jorge
Guambe já se tinha aventurado no mundo empresarial, que entretanto se abrira em
Moçambique desde a década 90, e, entre outros investimentos, associou-se ao
então jovem membro do partido no Poder, Fernando Sumbana Júnior. Mais
recentemente dirigia os destinos do Instituto Superior de Ensino Aberto à
Distância de Moçambique.
Da EMOCHÁ
para os recursos minerais
Outra grande
devedora é mais uma empresa aparentemente familiar, a Chá Monte Matate, que foi constituída em 1998 por Carlos Alberto
Venichand, Sara Ismael Mussá, João Carlos Pereira Venichand, Vanessa Gizelle
Pereira Venichand, Hélio Miguel Pereira Venichand e Bruno Richad Mussá
Venichand.
Todavia, em
finais de 1997, Carlos Alberto Venichand, funcionário do Governo da Frelimo
desde a independência, havia recebido de “presente” do Estado a Empresa Moçambicana de Chá (EMOCHÁ) que
transformou na empresa Chá Monte Matate.
Aproveitando
a onda empresarial que se abria e a vontade do partido no Poder de criar uma
classe de empresários moçambicanos, a Chá
Monte Matate recebeu do Tesouro 45.522 mil meticais, o @Verdade não
conseguiu apurar se a empresa ainda está a operar na província da Zambézia, mas
o facto é que nunca pagou a dívida que tem com o erário.
Actualmente
Carlos Alberto Venichand está envolvido em várias outras sociedades comerciais
que vão dos recursos minerais, energéticos e hidrocarbonetos sendo
inclusivamente sócio da actual Ministra dos Recursos Minerais e Energia,
Leticia Klemens.
João Américo
Mpfumo, família João Ferreira
O veterano
da Luta Armada, antigo deputado da Assembleia Popular, ex- Governador das
províncias de Inhambane e de Nampula, João Américo Mpfumo, é outro dos
moçambicanos que endividou-se no Tesouro, em 38.360 mil meticais, para
supostamente investir na Empresa de
Transportes Austral, Limitada (TransAustral, LDA). A empresa criada em 1999
nunca devolveu o dinheiro dos cofres públicos.
Apesar do
calote aos moçambicanos, João Américo Mpfumo parece ser um empresário de
sucesso, pois tem interesses comerciais em sociedades como a escola para a
elite nacional Princess Cinderella ou
a maior loja de mobiliário Home Center.
A Técnica Industrial, empresa da família
João Ferreira dos Santos que tem negócios em Moçambique desde o período
colonial e é uma das maiores fornecedoras de bens aos Estado, também não pagou
um único metical dos 36.208 mil meticais que recebeu do Tesouro há cerca de
duas décadas.
Os cidadãos
Mahomed Hanif Arun Agige e Angêlo Eduardo Sitoe são outros dos devedores do
Estado que não pagam. Através da empresa Mozcocos,
conseguiram levantar 21.906 mil meticais. O @Verdade também não conseguiu
apurar se a sociedade ainda está em actividade.
“Camaradas”
usaram dinheiro do Tesouro para se tornarem banqueiros
A ULC Moçambique, SARL, criada em 1996,
também beneficiou-se de 51.819 mil meticais do erário público. Embora tenha devolvido
cerca de 49% do dinheiro, ainda deve 25.160 mil meticais que dificilmente serão
recuperados.
É que a
sociedade – inicialmente constituída pela Edfund
S.A, pela seguradora Impar, pela UDC, Limited, pelo Commonwealth Development Corporation, pela Societe de Promotion et de Participation Pour la Cooperation Economique
e ainda pela seguradora estatal EMOSE
– transformou-se no African Banking
Corporation Leasing Moçambique, SARL, em 2002, tornou-se ainda no African Leasing Company (Moçambique) SA,
em 2007, mas acabou por ser dissolvida e liquidada em 2010 devido a situação
económico-financeira deficitária em que se encontrava.
Na altura a
instituição bancária era dirigida pelo membro do partido Frelimo Benjamim
Alfredo e pelo cidadão português relacionando a vários negócios com os
“camaradas”, Victor Manuel Patrício Viseu. O Estado, através do IGEPE tinha uma participação de 5%.
Outra
devedora do Tesouro é a Sociedade
Moçambicana de Turismo, Limitada (SOTUR, Limitada), criada em 1992 por
parentes do então Presidente de Moçambique, Joaquim Chissano, e do Primeiro-Ministro,
Pascoal Mocumbi (Miguel dos Santos Alberto Chissano e Sibone Manuel Mocumbi),
obteve 34.748 mil meticais dos quais apenas devolveu 500 mil.
A SOTUR, que
tem vários interesses comerciais nos principais hotéis de Moçambique,
aventurou-se na banca, tendo sido até recentemente um dos accionistas do
liquidado Novo Banco.
O
ex-banqueiro Jamú Sulemane Hassan, um dos administradores do Banco Austral durante a gestão danosa,
também recebeu fundos do Estado, já depois do assassinato em 2001 do
representante do Banco de Moçambique,
Siba-Siba Macuácua.
Embora seja
apontado como um dos beneficiários dos créditos mal-parados do Banco Asutral, Jamú Sulemane Hassan,
militante do partido no Poder, recebeu através da Sociedade Comercial e de Investimentos, Limitada (MOPAC) que criou
em 2002, 79.856 mil meticais. Amortizou somente 7.404 mil meticais, mas
adicionalmente o ex-banqueiro foi bafejado com mais 9.486 mil meticais
emprestados a Água Vumba - onde tem
como sócio o magistrado e ex-Juiz do Conselho Constitucional, José Norberto
Carrilho -, os quais nunca pagou.
Estado
incapaz de gerir empresas onde participa e que devem ao Tesouro
Outro grande
devedor do Tesouro é o General Alberto Chipande que terá tido no Grupo Mecula, uma das suas primeiras
incursões ao ramo de negócios. Recebeu 47.339 mil meticais e somente devolveu
ao erário 5.045 mil meticais.
Influente
membro do partido Frelimo e actualmente deputado da Assembleia da República,
Chipande é hoje um dos moçambicanos mais endinheirados com interesses
comerciais em quase todas áreas de negócio rentáveis, ainda assim não devolve o
dinheiro que pediu emprestado ao Tesouro.
O Colégio Alvor, constituído em 2001 por
alguns membros da elite política que governa Moçambique (Amélia Narciso Matos
Sumbane, Adriano Fernandes Sumbane, Filomena Panguene e Fernando Andrade
Fazenda), endividou-se em 23.384 mil meticais e pagou de volta somente 1.700
mil meticais.
A lista dos
devedores do Tesouro moçambicano há mais de uma década inclui empresas onde o
próprio Estado é accionista, através do IGEPE,
como são os casos da Fasol, que deve
36.708 mil meticais, a Chá Namae, que
pediu 6 milhões de meticais, a histórica Lomaco,
deve 680 mil meticais, e a Mabor, que
não pagou até hoje os 5.864 mil meticais que levou emprestados do erário.
“O nível de
reembolso continua baixo” afirma Tribunal Administrativo
Embora o
Governo, em 2011, tenha declarado ao Tribunal que fiscaliza as suas Cotas que
“tem vindo a desenvolver acções nos sentido de incentivar as empresas devedoras
a honrarem os seus compromissos” e que até contratou, nesse ano, uma empresa
com o propósito de realizar as cobranças, o facto é que “o nível de reembolso
continua baixo em 2015”, constata o Relatório sobre a CGE de 2015.
“(...)
Verifica-se que os 26 beneficiários de empréstimos concedidos, cujos saldos
foram reportados a 31/12/2002, a dívida, em 31/12/2015, era de 595.837 mil
meticais. Até ao momento, foram reembolsados 90.542 mil meticais, o que
corresponde a 13,2%, do total dos empréstimos”, indica ainda o Relatório do TA
que estamos a citar.
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