MOÇAMBIQUE EM VIA DA DÍVIDA PÚBLICA PADRÃO
Por Dalia Salis,
Global Risk Insights: Know Your World
Londres, 08 de Junho de 2016

O site da Newsletter britânica Global Risk Insights: Know Your World, na sua edição de 08.06.16, publica um artigo de análise de autoria de Dalia Salis, que refere que, após a revelação de dívidas ocultas, o FMI suspendeu a sua ajuda de emergência a Moçambique e o país está agora em vias de uma dívida pública padrão.

Segundo aquela publicação britânica, em Outubro de 2015, Moçambique e o FMI anunciaram que tinham acordado um empréstimo de ajuda de emergência em várias parcelas, após a moeda nacional (o Metical) ter-se desvalorizado em cerca de um terço do seu valor. No início de Maio 2016 Moçambique admitiu a possibilidade de ter contraído mais de USD1.1 mil milhões extra de empréstimos ocultos que não tinham contabilizados e anunciados ao FMI e os investidores, totalizando USD11.64 mil milhões de dívida pública.

Segundo Dalila Salis, o facto não surpreendeu ao FMI que se mostrou não estar satisfeito com o anúncio, tendo decidido pela suspensão da sua ajuda e cancelar a sua visita ao país, a fim de reavaliar a situação. Salis salienta que, em apenas três semanas mais tarde, Moçambique a oportunidade de cumprir com prazo de amortização programada do empréstimo no valor de USD535 milhões ao VTB Bank da Rússia, o que parece que Moçambique está numa espiral rápida para atingir o nível padrão da sua dívida pública.

Ajuda de emergência do FMI em Dezembro 2015:

Naquele artigo Dalila Salis refere que, as perspectivas de Moçambique vir a ser um grande produtor de petróleo e gás, ficaram ensombradas pelos baixos preços do petróleo no mercado internacional. Além disso, os preços mais baixos das commodities abrandaram tremendamente as exportações do país, cuja dívida internacional aumentou, enquanto houve um grande declínio nos influxos de câmbio, e a moeda (o Metical), foi sofrendo progressiva depreciação na ordem de cerca de 30% em relação ao dólar norte-americano em 2015, o que elevou a dívida pública em mais de 80% do PIB nacional, obrigando o país a ter voltar para o FMI para solicitar a necessária e inevitável ajuda.


Dalila Salis refere ainda que Moçambique não é certamente o único país da região na extrema necessidade de apoio do FMI e as negociações entre a Zâmbia e o FMI estão agora numa fase final. Ele adianta que, embora recorrer a instituições financeiras internacionais pareça ser uma coisa atraente, os créditos do FMI e do Banco Mundial são vistos como último recurso.

Dalila Salis explica que o FMI é conhecido por impor condições muito duras que implicam graves cortes nos gastos públicos do governo, geralmente muito impopulares para o público no geral, por incidirem nos cortes dos salários dos funcionários públicos, cujos valores são revertidos em subsídios públicos, por exemplo nas áreas vitais da agricultura e da energia, e são muitas vezes seguidos de elevada inflação. Salis adianta que, no caso de Moçambique, o acordo com o FMI implica um programa de 18 meses e está focado na despesa pública, na reforma fiscal e na transparência.

Incumprimento dos prazos de pagamento das dívidas ocultas entre Abril e Maio de 2016:

No seu artigo Dalila Salis refere que, ironicamente, apenas quatro meses depois da descoberta que Moçambique tinha ocultado dois grandes empréstimos internacionais avalizadas com garantias do Estado a favor das empresas estatais ProÍndicus (no valor de USD622 milhões) e para a Mozambique Assets Management (MAM), no valor de USD535 milhões, para financiar projectos de segurança marítima e gestão de activos de Moçambique, ambas dívidas contraídas junto do Banco VTB da Rússia. Recorrendo a índices da Fitch, Salis estima que, quando factorizados aqueles empréstimos, a dívida pública de Moçambique foi igual a 83% do PIB de 2015.

Dalia Salis refere igualmente que, ao não divulgar os dois grandes empréstimos, o Governo moçambicano pôs em causa a contratação do empréstimo junto do FMI, acrescentando que o FMI está razoavelmente preocupado pelo facto de que Moçambique não seja capaz de cumprir os seus compromissos de responsabilidade com essas duas dívidas comerciais extras com garantias do Estado. Mas Salis ressalva que o mais importante, uma vez que nenhuns dos efeitos dos empréstimos ocultos foram materializados, era que Christine Lagarde, Directora-Geral FMI, não declarasse que o empréstimo secreto visou "esconder claramente a corrupção", posição extremamente dolorosa, quando os objectivos do programa do FMI eram a mera transparência fiscal.

Daliala Solis adianta dizendo que, após a divulgação das duas dívidas ocultas, o FMI precipitou-se em cancelar imediatamente o pagamento da segunda parcela de USD283 milhões de empréstimo de emergência dos EUA, da Associação Internacional de Desenvolvimento do Banco Mundial (IDA) e países como o Reino Unido (parceiro estratégico dos EUA) e da União Europeia (UE) seguiram o exemplo suspendendo a sua ajuda financeira, levando a que não houvesse nenhum fluxo de moeda estrangeira, cujas implicações foi que as reservas de divisas quase secaram, encontrando-se actualmente bem abaixo do limite recomendado pelo FMI.


Salis explica que, além disso, o Metical agora caiu em mais 13% em relação ao dólar norte-americano, enquanto a inflação foi de apenas 5 a 6% em Dezembro de 2015, tendo esta taxa de inflação conhecido uma aceleração na ordem de 17.3% no mês passado, resultante de uma queda nos lucros das commodities e explosão dos preços no mercado interno. Segundo Salis, as previsões positivas do FMI e da Fitch em Dezembro de 2015, que previam um crescimento económico robusto e estável de cerca de 6%, caíram em 180 graus, o que levou a Fitch a rebaixar Moçambique de B+ em Dezembro de 2015 para CCC até o final de Abril passado. Porém, Salis observa que esta classificação CCC já era antes da situação de a MAM ter falhado o pagamento de USD178 milhões, incluindo pagamento de juros, junto do VTB Bank em 25 de Maio passado, enquanto ainda decorriam as negociações entre a MAM e o VTB Bank para a revisão dos termos contratuais do empréstimo a coberto de garantias do Estado moçambicano. Salis refere, no entanto, que o Governo moçambicano não está disposto a converter os dois empréstimos da ProÍndico e da MAM em dívida soberana, pois isso levaria inevitavelmente ao padrão da dívida soberano.

Juntando os cacos em Junho 2016:

Finalmente, Daliala Salis diz que Moçambique quer evitar a falha dos seus compromissos de empréstimos russos mas, sem a ajuda internacional, não será capaz de fazer qualquer coisa. Adianta que, para evitar uma nova escalada, Moçambique precisa de se concentrar na estabilização da moeda, conter a inflação e reparação da perda de confiança junto das instituições financeiras internacionais e que a única solução possível seria a de reprogramar os seus pagamentos da dívida, mas, a fim de fazê-lo, teria de enfrentar a má gestão e transparência fiscal, de modo a esvaziar as alegações de Christine Lagarde, segundo as quais as dívidas ocultas apontam para a corrupção institucional em grande escala, durante a próxima a próxima visita ao país da delegação do FMI para discutir a situação.

Para Daliala Salis é improvável que o FMI possa cancelar em definitivo a sua ajuda de emergência a Moçambique, mas tornou-se impossível continuar com o pacote nas mesmas condições negociadas em Dezembro de 2015. Adianta Salis que, de qualquer forma, quase toda a ajuda financeira foi suspensa e o VTB Bank não vai permitir que um outro período de carência mantenha Moçambique a caminho do padrão da dívida pública nos próximos dias e deixar as rédeas a cargo do FMI para “juntar os caos”.

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