A PAZ ESTÁ PARA BREVE
Texto de
Pedro Nacuo (pedro.nacuo@snoticicas.co.mz)
In: JORNAL DOMINGO, 12/06/2016
O governo da Frelimo quer imediatamente a paz, por exigência do povo. A
guerra está a ser injustificada e a ser responsável por um recuo no programa de
desenvolvimento do país, dificulta a sua a administração territorial e a
Renamo, se quer continuar a ter a popularidade de que alguma vez gozou, também
tem de fazer a paz, porque o povo em geral não está satisfeito com essas
confrontações, já percebeu de onde vem a vontade de o fazer sofrer.
O nosso
entrevistado, Máximo Dias, conhecido advogado e político moçambicano, diz que
basta referir-se aos inúmeros refugiados moçambicanos, pelo menos cinco mil
famílias. Estaremos a falar de 20 a 30 mil pessoas, tendo em conta os parentes,
que fazem no seu conjunto um problema tremendo. Para mim, assegura, até o próximo mês de Julho a paz estará
alcançada. Até lá já há acordo.
Caso as suas previsões sejam
validadas pela realidade, o que fazer para serem efectivas e não voltarmos à
mesma incómoda e nociva tecla de paz efémera….
O governo de
Moçambique (olha que não estou a falar da Frelimo) tem que integrar efectivamente
os militares da Renamo nas Forças de Defesa e Segurança, que pertencem ao
Estado, mas, primeiro, tem que desarmá-los e a sua disponibilidade não será
difícil porque terão salário que agora não têm.
Mesmo lembrando-nos que por duas
vezes essa tentativa de integração falhou, por ocasião do Acordo Geral de Paz,
em 1992 e no quadro do Acordo de Cessação de Hostilidades a 5 de Setembro de
2014?
A primeira
falhou para ambas partes, pois a integração não foi feita conforme o acordo. Em
Setembro de 2014 foi apenas para satisfazer interesses para ambos, para
viabilizar as eleições que estavam à porta, não era para a paz real, houve um
erro de atacar a Renamo na sua base em Santugira. Na verdade, convivemos com a
Renamo largo tempo, mesmo armada.
Está a dizer que isso é normal?
Estou a
dizer que não era necessário atacá-la daquele jeito. É claro que em democracia
não podemos viver com partidos armados, nem da Renamo, nem da Frelimo, nem
doutro partido. Depois do AGP, deve haver militares, que são única e
exclusivamente do Estado.
Tem-se dito que a exclusão é a razão
de todo esse tipo de situações. Que tipo de exclusão o Dr. Máximo Dias acha que
contribui para esse desencontro de moçambicanos de forma permanente ou cíclica?
Política, económica, regional, religiosa, étnica? Qual?
A exclusão
advém da pobreza em que nos encontramos. Essa é responsável por nos fazer ver
que os cargos políticos são os que, infeliz e erradamente, fazem com que alguns
cidadãos vivam de certo modo desafogados e aí descobrimos que quem não for
membro da Frelimo não pode ascender a tais cargos, ainda que não sejam
meramente políticos. Estou a falar de directores de qualquer instituição, dificilmente
se consegue uma colocação no Estado quando não se é membro da Frelimo. Isso não
é para negar. Mas não é justificação para guerra. O princípio é que nenhum
partido deve ter um braço armado. Basta que nenhum partido esteja armado!
O que tem a dizer do aparecimento de
um novo fenómeno, entre a oposição, nomeadamente a alergia que tem a Renamo em
relação à ascensão do Movimento Democrático de Moçambique (MDM). Ela não quer
que o MDM faça parte de alguns órgãos decisórios dentro do parlamento, tem sido
legalista quando a intenção é excluir o MDM. Quer dizer, é intolerante. O que
há, na verdade?
É
simplesmente por ser uma ala da Renamo que se desentendeu com a liderança
quando foi para concorrer às eleições municipais da cidade da Beira. Deve-se
lembrar que o candidato da Renamo era o Engenheiro Simango, que fez um bom
mandato e que, quando quis repetir, elementos da Renamo fizeram intrigas
pondo-o em discórdia com o senhor Afonso Dhlakama que, à última hora,
retirou-lhe a candidatura, tendo o engenheiro feito uma independente muito
rapidamente e granjeou apoios dos beirenses. O MDM, para mim, não tem
dificuldade nenhuma de se juntar à Renamo e vice-versa.
Qual é o seu conselho ao governo
assim que a paz de novo seja alcançada, que passos dar para que não voltemos a
ter problemas que envergonham Moçambique e os moçambicanos, de estrangulamento
da nossa economia, desestabilização das nossas vidas e a mutilação e/ou
interrupção de sonhos?
Cada um de
nós tem que cumprir a sua responsabilidade. O jornalista cumprir a sua
responsabilidade profissional, deixar de fazer notícias de qualquer maneira,
nem contra a Frelimo nem contra a Renamo nem contra AB ou C, explorando as
notícias “cor-de-rosa” do tipo Máximo Dias tem amante, não é sua função como
jornalista. O seu papel é informar ao país aquilo que interessa ao país.
E o advogado?
É trabalhar
como advogado no sentido de a lei ser cumprida. Não é só o juiz que aplica a
lei, ele julga conforme os factos em presença e que nós e outros actores do
sistema de justiça apresentamos. Acontece que às vezes inventamos factos,
inventamos testemunhas e induzimos aos juízes a aplicação da lei em função de
factos que não são verdadeiros. Não é por culpa do juiz. Mas se eu for sério e
cumpro a missão, estarei a trabalhar a bem do meu país, estou a contribuir para
a justiça, para a paz no meu país. Infelizmente não é isso que fazemos e pelo
contrário usamos diferentes artimanhas para complicar o trabalho dos tribunais.
Atrasamos o trabalho e aplicação da justiça. Quero dizer, enfim, que cada um de
nós tem que cumprir a sua missão com responsabilidade. Não estou a falar contra
os advogados nem contra os juízes. Estou a falar de profissionalismo e sentido
de dever.
Enquanto o homem
for homem, haverá sempre défice. O parlamento é mesmo isso, fábrica de leis e
enquanto estas não forem produzidas vamos trabalhar com aquelas que existem,
que são suficientes para governar o país. É verdade que em cada dia há novos
fenómenos que exigem regulamentação. Por exemplo, antes não tínhamos
telemóveis, hoje, com o recurso a telemóveis, cometem-se crimes gravíssimos,
daí a necessidade de haver leis que regulem o uso de telemóveis. A cada nova
situação, a cada nova tecnologia, corresponde uma nova necessidade de
regulamentar. Haverá sempre novas formas de vida, de hábito e cultura…
Mas tudo isso em paz…
A paz é
necessária imediatamente para permitir que haja investimentos no nosso país,
que as empresas que funcionam no país não tenham medo de movimentar as suas
mercadorias de um ponto para o outro, sem que a sua viatura seja alvejada ou
queimada. Por isso há necessidade de desarmar partidos políticos, não deve
haver nenhum armado. Não há necessidade de eliminar Dhlakama, mas sim de o
desarmar. Todos os moçambicanos dizem isso, incluindo as suas representações
parlamentares e extraparlamentares, a sociedade civil, religiosos, etc.
Mas o sentido real da democracia é
aceitar a vontade da maioria, não?
Sim, mas
precisamos de muita responsabilidade e honestidade. Não se faz democracia com
900 mil votos nulos, quer dizer, mal usados. Por mais que tenhamos muitos
analfabetos, não se pode admitir que haja muitos “brutos”, porque não os há, a
ponto de não saber preencher um boletim de voto tal como é apresentado no nosso
país. A minha avó saberia distinguir entre uma pessoa e outra das candidatas,
nunca 900 mil pessoas que não saiba distinguir e por isso terão assinalado nas
duas ou três caras dos candidatos, nas últimas eleições. Não dá para acreditar,
alguém fez. Quem? Não sei. Quem boicotou as eleições nestes termos, não o conheço.
Se calhar é a própria Renamo que pensou que com isso ganharia, se calhar são os
membros de mesa! Há 13.273 mesas nas quais foram atingidos 14 mil votos! Em 14
mil mesas de voto a oposição só fiscaliza por volta de 3 mil mesas. Os
restantes são elementos do Secretariado Técnico da Administração Eleitoral
(STAE).
Mesmo sabendo que o STAE é
constituído por elementos dos partidos interessados, podemos saber, na sua
opinião, a que se deve isso?
Falta de
organização da oposição, que na verdade não fiscaliza as mesas da assembleia de
voto. Se a oposição fiscalizar efectivamente as mesas de voto o resultado não
será surpresa para quem quer que seja, assim como acontece nos outros países, em
que sete minutos depois de fecharem as urnas, já temos os resultados, mas
quando passa o prazo de 15 a 20 dias, sem se saber quem ganhou, cria-se logo
uma desconfiança. Algo está errado, logo cria tumultos ou guerra, aquilo que
não queremos.
Finalmente, como avaliar assim a
saúde do nosso país?
O país está
muito doente! Não só por causa das armas, não só por causa da guerra.
Alguma doença mais predominante?
Raptos ou
sequestros. Esse fenómeno, sejamos claros, está a impedir o investimento
interno. Mais de 190 pessoas foram raptadas. Os nacionais deixaram de investir
no seu país. Fugiram. Largaram os seus projectos. A maior parte daqueles que
vinha construindo, deixaram aquelas “flats”
que já haviam sido edificadas, já ninguém compra. Portanto, os que investiram
perderam o seu dinheiro. Por isso não há investimento! Hotéis estão na
falência, os restaurantes, idem em aspas. Moçambique não tem que comprar tomate
na África do Sul, arroz da Tailândia… a nossa moeda caiu. As poucas fábricas
que temos não podem trabalhar, porque não conseguem importar matéria-prima, têm
meticais, mas não têm o dólar, com o qual devem importá-la! Tudo isso deve ser
corrigido.
Não tenhamos pressa de condenar. O país está mergulhado numa crise económica derivada dos efeitos da
conjuntura internacional, bem assim a braços com uma dívida que corre o mundo,
tanto pela forma como foi contraída quanto por não se terem seguido as regras
exigidas por lei, tanto ao nível interno como à imagem dos organismos financeiros
internacionais.
Máximo Dias
tem dúvidas se se tratou de crime ou erro e justifica-se: muitas vezes corremos
a dizer que é crime aquilo que pode ter sido um erro, neste caso porque não se
cumpriram os procedimentos legais.
“Há muitos
contratos, muitas despesas que não passaram pelo Tribunal Administrativo. Isso
só por si é um erro. Às vezes, na urgência de resolver um problema somos
metidos nesse tipo de erros, porque o tempo nos pressiona. Uma questão de
procedimentos administrativos que devem não ter sido cumpridos”, entende Máximo
Dias, que ressalva:
“Mas o dólar
tem dono, é a América. Ela controla a movimentação do seu dinheiro e sabe onde
anda, pelo que não tenhamos pressa, não condenemos ninguém, por enquanto,
porque não sabemos o que de facto se passa. Muitos agindo de boa-fé são
acusados publicamente de ladrões, enquanto podem não ser. Por isso, não
tenhamos pressa de condenar. Mas não quero fechar os olhos, pois é verdade que
assistimos a um enriquecimento de algumas pessoas que nos obriga a fazer perguntas
honestas.”
Para o nosso entrevistado, uma das
facetas do enriquecimento ilícito é o não pagamento de impostos
correspondentes, ainda que os cidadãos consigam o dinheiro de forma legal.
“O país não
pode viver sem impostos dos seus cidadãos. As Finanças devem funcionar, ainda
bem que recebo informações de que a nova presidente da Autoridade Tributária
está a melhorar um bocadinho, lá onde havia informações de que até existia uma
empresa fictícia para a qual eram depositados alguns valores.”
Precisamos,
conforme a fonte, de uma boa Polícia, Segurança e pagar bem aqueles que nos
garantem a tranquilidade, para exigir deles o verdadeiro trabalho. Conclui
enunciando três pilares, designadamente, a Justiça, Segurança e bem-estar, que
na sua opinião garantem um Estado político.
A FRELIMO ENSINOU-NOS DISCIPLINA
Máximo Dias
é nostálgico em relação à Frelimo que, na sua essência, é de disciplina
irrepreensível, rigor, transparência, amor ao povo, princípios que agora se
pergunta aonde foram deixados.
“Aquela Frelimo à qual o senhor e eu
pertencemos, a que todos os moçambicanos pertenceram já não existe, pelo menos
os seus princípios, aqueles sagrados, estão profundamente contrariados.”
À uma pergunta se todos os
moçambicanos eram da Frelimo, Máximo Dias responde:
“Só não
pertenceu à Frelimo quem não queria a Independência de Moçambique. Todos
aqueles que ficaram cidadãos moçambicanos são da FRELIMO. A FRELIMO é nossa
mãe, não deve ser agora nossa madrasta. Há que salvar a Frelimo, precisamos
dela. Há que salvar a Renamo, precisamos dela, tem a sua força e acredito na
comissão mista criada para agendar o encontro ao mais alto nível para o alcance
da paz. Sou optimista!
Máximo Dias diz que a paz será uma
realidade dentro de pouco tempo, a começar pelos personagens indicados pelo
governo e pela Renamo e acredita que não se vá repetir o que apelidou de
vergonhoso, aquilo que passou no Centro de Conferências Joaquim Chissano.
“Aquilo foi
uma vergonha e o presidente Chissano devia tirar o seu nome daquele centro. Por
um lado porque tiraram-lhe a dignidade com o fracasso dos encontros ali
realizados, por outro, porque os que lhe substituíram admitiram que um edifício
com um grande nome fosse ofuscado por um hotel, quase com o objectivo de o
apagar, deixando-o sem sequer uma estrada de acesso a ele. Está um esconderijo
”.
O político diz que o Presidente
Filipe Nyusi tem a tarefa de curar estas doenças de que enferma o país, mas
precisa de apoio de todos nós, a sua firmeza e a maneira como tende a ensinar a
frontalidade e transparência ao seu governo, dá para confiar.
“Os
problemas com o FMI, que neste momento está zangado com o governo moçambicano,
vão ser ultrapassados, porque há-de chegar a entendimento connosco. Não somos
um país paupérrimo, desprezível no contexto mundial, não merecemos o que
aconteceu”, adivinha o nosso entrevistado.
Há que tirar
ilações do que aconteceu. O país deve viver do trabalho dos cidadãos, o futuro
está nas mãos de jovens trabalhadores, não daqueles que vemos em frente ao
Zambi, com duas garrafas de bebida, sentados sobre o carro com todas as portas
abertas.”
Comentários
Enviar um comentário