CAHORA BASSA: 40 BILIÕES DE DÓLARES DESPERDIÇADOS
ou como Moçambique subsidia a África do Sul
Por André Thomashausen,
Professor Catedrático do Direito Internacional e Comparado
University of South Africa (Unisa)
In: Savana, Maputo 30 de Outubro de 2015

A visita de Estado do Presidente Nyusi à África do Sul de 21 a 23 de Outubro teve no seu fulcro uma humilhação inesperada. Levaram o Presidente Nyusi e a sua comitiva com uns 60 empresários, mais os altos funcionários que o acompanhavam ao local das obras da futura central térmica de carvão de Medupi, a 360 quilómetros de Pretória.

Medupi é um monumento gigantesco à alta corrupção do reino de Zuma. Com mais de cinco anos de atraso na obra e um excedente de já 50% sobre a verba orçamentada, serviu para encher as caixas do partido ANC, por intermédio do seu braço empresarial “Chancellor House”, imposto como parceiro do BEE (Emponderamento Económico Negro) na obra.

A partir de 2018, Medupi deverá produzir 4.000 MW (4 GW) de energia eléctrica queimando mega quantidades de carvão de baixo teor calorífico. Contribuirá assim substancialmente à degradação do ambiente e dos recursos de água na nossa região, aumentando mesmo os riscos do aquecimento global.

A visita a Medupi serviu para confrontar a delegação moçambicana com a brutalidade das opções energéticas do ANC. A estratégia energética do ANC, baseada no carvão e no recurso nuclear, fundamenta-se nos interesses da indústria do carvão na África do Sul e nos favores sem limites que os lobbies da energia nuclear estão a prometer. Estas opções na realidade rejeitam a opção regional da produção de energia limpa e económica a partir dos jazigos do gás natural do Rovuma, quinta ou sexta maior reserva de gás natural no mundo.

Na melhor das hipóteses, o custo da ESKOM para a geração de energia a partir de Medupi será de 1,22 Randes por KWh, mas é provável que atinja 1,60 Randes por KWh.

Um cálculo recente dum eventual custo da energia que poderia ser produzida na África do Sul a partir do gás fornecido através dum gasoduto Norte-sul (com um período de implementação de apenas dois anos), conclui num preço máximo de 1,10 Randes por KW/h, incluída a amortização do investimento (totalizando uns 10 mil milhões de Dólares).

Para a opção nuclear do ANC, que prevê a instalação de oito centrais nucleares a partir de 2016 e dentro de um período mínimo de construção de 14 anos, o investimento não será inferior a 120 mil milhões de Dólares. Este investimento é pelo menos dez vezes superior ao custo da opção da integração energética a partir do gás do Rovuma, sem sequer ter em conta o benefício económico indirecto que poderia resultar dum aumento das transferências entre as economias dos dois países.

A visita a Medupi manifestou o tradicional papel da África sul de valentão regional. Mas exactamente por isso, levanta a importante questão sobre a partilha dos benefícios resultantes do fornecimento de energia a partir de Cahora Bassa.

Cahora Bassa

Desde o novo acordo de fornecimento de 2007, a ESKOM da África do Sul compra a energia de Cahora Bassa ao preço de 0,1256 Randes por KW/h, um preço que já em 2007 era absurdo, tendo em conta os níveis de preço da energia produzida na África do Sul bem como ao nível mundial. Correntemente, os preços médios da energia estão a 32 cêntimos do Dólar na Alemanha, 20 cêntimos na França, 16 no Brasil e 14 na Rússia. Quer isso dizer que um preço realista seria de pelo menos 1,80 Randes por KW/h, em vez de ser 0,1256 Randes.

A energia a partir da Central Térmica de Ressano Garcia está a ser vendida na base de 1,49 Randes por KW/h. A enorme diferença entre os 0,1256 cêntimos do Rand vencidos pela energia de Cahora Bassa e os 1,49 Randes cobrados pela energia de Ressano Garcia reflecte o verdadeiro valor da energia no mercado.
 
O preço da energia de Cahora Bassa anterior a 2007 era inicialmente de 0,036 Randes por KWh, um montante na realidade simbólico.

O preço de 0,036 Randes tinha sido imposto pela África do Sul na base da guerra de destabilização que promovia em Moçambique, tendo a África do Sul a partir de 1982 arruinado e paralisado por completo a economia de Moçambique.

Em 1982 a quantia de 0,036 Randes era equivalente a 3 cêntimos no dólar americano, estando o Rand quase a 1:1, ou seja a par com o Dólar. O preço a partir de 2007, de 0,1256 Randes, era na altura equivalente a 0,017 USD. Hoje, em 2015, é equivalente a 0.009 USD.

Quer dizer que o preço caiu de um nível de pouco menos de 2 cêntimos do Dólar para pouco menos de 1 cêntimo no Dólar. Quer dizer que hoje em dia a ESKOM só está a pagar 1/3 do que pagava pela mesma energia em 1982. Ou em outras palavras, o governo do ANC triplicou a injustiça praticada pelo governo do Apartheid!

Para se ter a noção da dimensão da pilhagem da energia de Cahora Bassa, é preciso lembrar que o preço real e valor de mercado da energia eléctrica, mesmo no contexto regional da SADC, é 15 vezes superior ao que está a vencer na venda dessa energia à África do Sul através da longa linha de transmissão a partir da Cahora Bassa.

Para dificultar a prevalência de considerações comerciais normais, a linha de transmissão da Cahora Bassa foi concebida e construída propositadamente de tal forma a tornar inviável qualquer abastecimento de energia no território nacional moçambicano a partir dessa linha de transmissão.

Isto quer dizer que a África do Sul continua confortavelmente e sem risco de competitividade a receber 1.3 GW (o que representa uns 5% do seu consumo nacional de energia) a partir de Cahora Bassa. Ao preço actual, equivale a um valor anual de 1.430.332.800 Randes, ou seja, 106 milhões de Dólares.

Ao preço real de mercado deveria somar em 1.576.413 milhões ou 1.576 biliões de dólares.

Se Moçambique estivesse a receber o preço real e de mercado pela energia, em vez de receber só uns 7,5% desse valor, Moçambique hoje seria um país em boas vias de desenvolvimento. A diferença é de aproximadamente 1.300 milhões de dólares em vencimentos do Estado por ano.

Assim, Moçambique, o quarto dos países menos desenvolvidos no mundo, continua a subsidiar a economia da África do Sul, um país com um nível de desenvolvimento médio e um PIB per capita 20 vezes superior ao PIB per capita de Moçambique. Ao longo das décadas, o prejuízo de Moçambique facilmente soma em 40 biliões (em Brasileiro 40 triliões) de dólares, ou seja 4012. Este montante significa que aproximadamente a receita do Estado durante as últimas duas décadas poderia ter sido em cada ano o dobro de que na realidade foi.

A triste conclusão é que o irmão gigante de Moçambique, a África do Sul, em grande parte goza do seu desenvolvimento e da sua relativa riqueza à custa de ao menos duas gerações de moçambicanos que não tiveram acesso à educação, saúde e geralmente à oportunidade ao desenvolvimento.

O desafio político está em convencer os irmãos da luta pela independência na África do Sul que a integração energética regional na base das fontes de energia em Moçambique terá maior vantagem para todos, incluindo o partido ANC.

PS: Há quem diga que a energia eléctrica produzida na Central Térmica GigaWat a partir de gás natural de Pande na Vila Fronteiriça de Ressano Garcia, na Província de Maputo, é vendia a R1,49 por KW/h contra os R0,1256 cêntimos por KW/h da energia eléctrica da Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB) na Província de Tete, pelo simples facto de a GigaWat se situar no Sul do país e a HCB se situar no Centro do país, um mecanismo para perpetuar o desenvolvimento desequilibrado do país entre o Sul e as regiões Centro e Norte. Politiquice ou não, mas a tese está a ganhar sustentabilidade quando as pessoas comparam o tipo de infra-estruturas que estão sendo desenvolvidas no Sul do país em relação as do Centro e Norte do país, o custo de combustíveis nas regiões Centro e Norte, comparativamente ao Sul. Mas porque a energia produzida na HCB parte do Centro, o Governo padronizou o preço de consumo doméstico para beneficiar o Sul. Pessoas atentas há que estão fazendo comparações neste sentido.
 
Diga-se de igual modo que a travessa das fronteiras da região Sul com os países vizinhos tem zero custos, mas as travessias das fronteiras das regiões Centro e Norte custam avultadas somas em taxas de seguros, taxas rodoviárias, custos de reflectores, etc., para além de complexos sistemas de burocracia que inibem a livre circulação de pessoas e bens. Por isso só no Sul se faz o Mukhero e nas regiões Centro e Norte isso é praticamente impossível. O mesmo se refere a outros negócios do sector informal, nas participações financeiras, nas nomeações aos cargos, nas bolsas de estudo…

Comentários

Mensagens populares deste blogue