AS INTERVENÇÕES DE MIA COUTO SÃO UMA
TERAPIA PARA MUITAS SOCIEDADES EM SITUAÇÃO DE DESCAMINHO
Centelha por Viriato Caetano Dias
WAMPHULA FAX – 08.09.2015

“Este Mia
Couto lucubra, recita e receita. Parece ser o único membro da sobrante
sociedade civil, o único que pensa pela cabeça e não pelo estômago, não
aceitando, consequentemente, ritmar-se pelos vendavais circunstanciais. Com um
académico deste calibre, podemos ser retirados, pelos decisores ou cozinheiros
dos destinos dos povos, da lista dos países pobres.
Nenhum povo
é totalmente despossuído, se no seu seio existirem algumas lamparinas que
constituem a massa pensante da sociedade, aqueles que insistem em devolver o
comboio aos carris ou mostram o caminho aos perdidos. Com uma estrela desta
dimensão (Mia Couto) jamais seremos trucidados pelo amargo destino da
orfandade” - Extraído de
uma longa conversa com o amigo e poeta Nkulu.
Estava de
regresso à casa, depois de uma longa e dura jornada de trabalho no garimpo da
vida onde a picareta não pára de escavar em busca de oportunidades que permitam
adiar a morte, quando o telefone tocou.
Era o meu sobrinho
do outro lado da linha que, rompendo os habituais cumprimentos, disparou:
“acabo de enviar para o teu correio electrónico uma lucubração do escritor Mia
Couto, que proferiu no âmbito do Doutoramento Honoris Causa pela Universidade
Politécnica – A Politécnica, é uma estrondosa bomba, merecedora de vénias”.
Se todos não
concordassem com a justeza da causa, juro que teria causado um clima de
crispação com a minha família na noite daquela quarta-feira, 2 de Setembro, ao
ignorar o jantar servido à mesa para consumir o verbo de Mia Couto. Mais do que
ler, gosto de estudar as lucubrações, para perceber o que o autor disse, o que
disse nas entrelinhas, mas, mais fundamentalmente, o que ficou por dizer que é,
para mim, o verdadeiro sentido de história.
Destarte,
dizia o meu fervoroso amigo e poeta Nkulu que “Mia Couto é um pressagiador
de tempos, gentes e sociedade ainda em gestação, quiçá, em
fermentação.”
Mia Couto é
daqueles raros pensadores que têm o corpo na terra, vive o presente, mas o
pensamento está no futuro, por isso, dificilmente é percebido pelos sistemas
que o acusam de incendiário. Talvez seja esta mais uma categoria, além do que o
mundo sabe e o conhece como escritor-maior, de alguém que usa a mente para
pacificar os políticos desavindos e prescrever receitas para uma sociedade que
vive em permanente estado de emergência.
Sem qualquer
surpresa, o discurso de Doutor Honoris Causa de Mia Couto virou febre na
imprensa nacional e internacional e também nas redes sociais, e tem feito
escola em todos os lugares onde o ser humano habita e aspira pelas liberdades.
Não há que
respigar aqui e acolá uma e outra passagem. Todo o texto é uma terapia.
É difícil
ouvir e ler Mia Couto e permanecer igual. As palavras que lhe saem da boca vão
directas à consciência de qualquer pessoa. É algo que não se pode ignorar,
porque incomoda, pois ficam alojadas em algum lugar no cérebro, fazendo algum
equilíbrio ou purificando o mal que teima em regenerar-se no ser humano.
As
sociedades (coloco no plural porque aquilo que um destilador de ideias diz
deixa de pertencer a si, tornando-se património da humanidade) ouvem e
manifestam alguma mudança, mas a mente de muitos políticos está programada para
fazer do povo “carne para canhão”.
O presidente
Nyusi esteve lá e ouviu a necessidade da paz. Certamente que ouviu Mia Couto a
dizer que “a Paz é um outro nome da própria Vida”. Este é, na verdade, o
sentimento de todo o povo moçambicano. Nada mais é preciso neste momento que a
paz. Talvez não fosse uma má ideia se todo o Executivo de Filipe Nyusi se
concentrasse, unicamente, na busca da paz.
Os esforços
de desenvolvimento económico não podem justificar a ausência de paz sem fim à
vista. É possível fazer um pouco mais, por exemplo, é sabido que Dhlakama ainda
não está em búnqueres da Gorongosa, é tempo do presidente Nyusi ir ao seu
encontro para o fazer perceber que a vida humana é mais importante que qualquer
apetite económico, político e militar.
Espero duas
coisas. A primeira que “a intenção cure mais que o remédio”. Segunda,
que nunca se confirme, no comportamento do presidente da República, a frase “O
pior doente não é aquele que não segue a prescrição médica, mas
aquele que não quer se curar.”
O líder
máximo da Renamo não esteve no acto de cerimónia do título “Doutor Honoris
Causa” à Mia Couto, mas é provável que tenha acompanhado o discurso. Nele está
a frase “Os que passaram por uma guerra sabem que não existe valor mais
precioso”, que a vida. A guerra que a Renamo pretende travar, em nome das
regiões autónomas, é injusta e condenável.
Este é o
primeiro caminho para a destruição da Renamo, se decidir enveredar por ele. Os
caminhos da violência podem ser promissores para os seus arquitectos, mas apenas
no início, porque a única coisa que a violência consegue parir é a própria
violência.
Aquele que
faz uma guerra por recursos é julgado no tribunal da consciência popular. E é
exactamente isso que vai acontecer a Dhlakama, caso insista em desencadear uma
guerra contra o seu povo, o título de herói nacional que carrega ser-lhe-á
retirado e uma pesada sentença cumprirá na masmorra da sua própria consciência.
Já dizia o
poeta português João Rodrigues de Castelo Branco que “Não há cura para quem
não quer se curar”.

“Eu não
tenho dúvidas de que Mia Couto lucubra. Penso que a sorte dele, para continuar
a falar livremente, pode residir nos seguintes fundamentos:
1. Não ambicionar a política activa;
2. Atacar a todos, mas sem dizer o nome
concreto da pessoa atacada. Ele ataca os males, sem dizer a quem exactamente
ataca. Ataca academicamente: sem rancor nem modos paleolíticos;
3. Ter independência económica; e
4.
Ter
prestígio internacional (a razão mais profunda).
Porque
persegui-lo equivale a fechar financiamentos. Quem pode persegui-lo, se os seus
ataques são rotativos e ele também só ataca a maneira de ser das coisas, sem
retirar concretamente refeição a alguém nem tocar nomes concretos.
Mesmo assim,
continua um grande lucubrador. E por aquilo que nós fazemos no país, ele tem
matéria-prima suficiente para lançar numerosos livros.
O nosso país
é um solo fértil para pensadores e escritores. A temática abunda e ninguém está
pronto para devolver o comboio a estrada.”
Tire, caro
leitor, as suas próprias conclusões.
Zicomo
(Obrigado).
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