CRISES DE REFUGIADOS, DE EMIGRANTES
E FINANCEIRAS SIGNIFICAM O DESMORONAMENTO DE UM SISTEMA?
Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
CANALMOZ – 17.09.2015
Quando caiu
o Muro de Berlim, registou-se uma série de convulsões na Europa e no mundo que
ditaram o fim da URSS e do Bloco de Varsóvia.
Logo
surgiram proclamações que consideravam que se havia vencido o comunismo e o
socialismo e que também, na esteira disso, a Guerra Fria havia chegado ao fim.
Uns diziam-se vencedores, e houve mesmo quem dissesse que era o “Fim da
História”.
Hoje, depois
de alguns anos de indecisão, revela-se que, afinal, “nem tudo eram rosas”.
O mundo não
se tornou mais pacífico nem livre de crises profundas.
Os que se
preparavam para “colher os louros” de batalhas vitoriosas, viram-se rapidamente
mergulhados em crises financeiras e políticas, com profundos impactos nas suas
economias e no relacionamento dos países entre si.
Uma atitude
e postura de superpotência única arrastou os EUA para conflitos que acabaram
revelando-se fatais para as suas aspirações hegemónicas.
Por razões
económicas e de segurança básicas, milhares de pessoas de África e da Ásia
encontram-se na situação de refugiados e de imigrantes, procurando refúgios na
Europa.
As
coligações que lançaram bombas e derrubaram regimes em África e na Ásia não
esperavam pelas consequências, e, mesmo depois de invasões, não tinham noção de
como sairiam dos vespeiros criados ou provocados.
É fácil
apontar culpados, mas é preciso dizer que a culpa tem várias moradas.
A
complacência dos regimes ocidentais para com déspotas e ditaduras em África tem
sido fonte de conflitos e guerras civis que já ceifaram a vida de milhões de
pessoas ao longo dos anos.
Um
relacionamento considerado estratégico em função do petróleo extraído e
exportado a partir do Médio Oriente trouxe uma promiscuidade entre proclamados
defensores da democracia com regime retrógrados e repressivos. Porque contava o
fluxo de petróleo barato, fecharam-se os olhos para realidades que agora se
revelam explosivas.
Uma ofensiva
internacional mais ou menos unilateral contra o terrorismo internacional
afastou “players” importantes numa
acção de interesse para todo o mundo.
Não há
sistema ou modelo político-económico perfeito, mas há que reconhecer que os
actuais estão quebrando e provocando toda uma série de problemas humanitários,
políticos e militares.
O extremismo
incentivado por correntes ou grupos defendendo um Islão que não concede espaço
a praticantes de outras religiões, o seu financiamento de rebeliões com fins
geopolíticos por entidades estatais árabes, ocidentais e outras, trouxeram
complicações inesperadas para muitas chancelarias internacionais.
A crise dos
refugiados deve ser vista em simultâneo com outras crises políticas e
financeiras no mundo.
É todo um
emaranhado de sistemas políticos alimentados por considerações estratégicas
características de um passado recente que teima em respirar e reproduzir-se.
A Guerra
Fria ressuscita das cinzas e traz os seus fantasmas de volta para a arena
política.
No lugar de
combinarem os seus meios e recursos, as potências globais lançam-se ao ataque,
procurando assegurar vantagens unilaterais.
Os
manifestamente injustos termos de troca no mercado internacional vão continuar
a produzir refugiados no mundo.
As
“primaveras árabes” foram importantes, mas não se pode advogar um “regime ‘change’” ou avançar com invasões
sob pretextos que não se materializam, sob pena de deixar vazios de poder que
imediatamente são explorados por forças fundamentalistas.
A crise que
se vive e que abala a Europa tem raízes profundas e antigas.
O que agora
ocorre esteve em hibernação, mas nunca deixou de existir. Percepções e
entendimentos políticos baseados em considerações estratégicas da velha escola
são combustível para a eclosão de crises similares. A xenofobia resultante pode
ter consequências graves fora do controlo que os aparatos de defesa e segurança
dos países receptores de refugiados.
A História
indica que os homens e os Governos se esquecem rapidamente das catástrofes.
Assistimos a
uma catástrofe humanitária provocada por intervenções políticas fracamente
equacionadas.
Os que
apregoam a necessidade da protecção das fronteiras europeias não diferem
daqueles que, nos EUA, defendem a construção de muros que impeçam a entrada de
latino-americanos. Só se esquecem de que as suas riquezas e fausto são
construídos através dos benefícios desproporcionais usufruídos pelas suas
corporações nos países de origem dos refugiados.
Nos países
do Sul, proveniência dos refugiados, os regimes políticos vigentes, com apoio e
beneplácito das potências globais, vivem-se cenários de terror e perseguição,
de insegurança, de falta de emprego justamente remunerado.
Quem não
foge da Guiné Equatorial, sabendo que, a qualquer momento, pode ser preso por
discordar do Governo?
Quem não
foge da Síria, se sabe que, a qualquer momento, pode ser morto por pertencer à
religião “errada” ou a um partido político que se opõe ao déspota local? Quem
não foge do Afeganistão, se sabe que os talibãs não toleram qualquer desvio a
sua visão do Islão?
Quem não
foge do Malawi ou de Moçambique, se sabe que emprego remunerado não existe, ou
é raro?
Etiópia,
Eritreia, Somália vivem o terror da instabilidade, das perseguições, de
guerras. Ruanda, Burundi, RDC, Mali, Zimbabwe vivem condicionados a regimes que
não descartam o uso da força para controlar a população.
É a crise de
relações políticas entre países que se têm esquecido de que a interdependência
e a globalização têm o seu sucesso dependente do “empoderamento” real dos
cidadãos à escala planetária.
Nesta aldeia
global, não são muros nem outras barreiras físicas que trarão protecção e
segurança.
Nunca foi
tão importante que as lideranças internacionais reconheçam que se devem unir e,
com visão, tratar de uma questão que pode resvalar para a eclosão de conflitos
violentos à escala mundial.
São muitos
os pequenos problemas que, somados, trazem refugiados e, com eles, a crise e
insegurança.
Bombas nuns
países, refugiados noutros países parece que está sendo uma moeda de troca
intragável, mas é a realidade de hoje, que importa encarar sem subterfúgios nem
falsos nacionalismos.
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