VITÓRIA ELEITORAL DE DONALD TRUMP NOS EUA
Por Raúl Mourinho Kuyeri
13 de Novembro de 2016

Um artigo de análise, intitulado President Trump Enters the Geopolitical Recession, ou seja, Presidente Trump Entra na Recessão Geopolítica, de autoria de Ian Bremmer, Presidente do Grupo Euroasia, publicado no Linkedin no passado dia 09.11.16, refere ter sido surpreendente a vitória de Donald Trump, na passada noite de 08.11.16, num manto de drama. Trata-se da vitória de um candidato mais anti-establishment do que qualquer outro candidato de partido político norte-americano, desde a execução de George Wallace em 1968. Trata-se ainda de uma vitória que prepara o caminho para uma presidência sem precedentes da “única superpotência” do mundo.

Segundo Ian Bremmer, o mundo esperava que Donald Trump fosse derrotado por razões óbvias: a expansão demografia por detrás dos EUA, que não tem nenhum paralelismo com o Brexit, nem tomando em considerado o deselegante jogo político de Donald Trump e a sua avareza pelo dinheiro.

As razões para a sua vitória eleitoral de Donald Trump ultrapassaram todas as expectativas, devido a uma significativa baixa de popularidade de Hillary Clinton, a candidata vista como a mais habilitada para a Casa Branca, combinada com uma baixa de entusiasmo dos democratas, provavelmente desencadeada pelas investigações do FBI sobre os alegados mais de 600 e-mails comprometedores e pelo facto de a candidata democrata ser uma mulher identificada com as políticas da Administração Barack Obama.

Será que os EUA, despois do desaire de terem um Presidente negro, que cumpriu os seus dois mandatos, estava preparada para terem um outro desaire de terem uma Presidente! E como ficaria o efémero ensejo de alternância política assumido pelos norte-americanos como o maior valor democráticos!

A florescente desconfiança dos líderes e instituições entrincheiradas no conservadorismo norte-americano, combinado com o orgulho de nacionalismo extremista dos norte-americanos, leva-nos a crer que os americanos não deixariam ver o seu orgulho mais uma vez ultrajado por uma vitória de uma mulher e pelo mandato consecutivo dos democratas. Estas eleições de 08 de Novembro de 2016 expuseram a desigualdade de receios de um futuro marginal dos EUA, num provável cenário de retorno à Guerra Fria, perante a recente marginal recuperação económica.

Na perspectiva de Ian Bremmer, o facto é que o impacto global das implicações geopolíticas da futura Presidência de Donald Trump trará grandes mudanças a nível global, sendo que as mais importantes se reflectirão a longo prazo e de forma crónica, no lugar de serem apenas agudas. Pois, desde a crise económica de 2008, tem sido cada vez mais claro que o mundo está a caminhar para uma recessão geopolítica profunda de longo prazo, um mundo que Ian Bremmer chama por G-Zero, onde há uma total ausência de liderança global, após os dois termos de mandato de Barack Obama, eventualmente razoável líder popular, mas que não fizeram nada de significativo para melhorar tal tendência de G-Zero.

Nos últimos oito anos, os aliados dos EUA em todo o mundo só se preocuparam mais com os seus relacionamentos de compromissos com os EUA em torno das instituições e valores mais amplos que os sustentavam. Os frenesins e os adversários norte-americanos viram mais espaço para operar e desenvolver alternativas regionais e temáticas de ordem económica e de infra-estruturas, político-diplomáticas e de gestão de alguns espaços geoestratégicos de segurança em relação à liderança dos EUA.

Ian Bremmer refere que este cenário poderá agora ser definido para a sua expansão mais dramática com a Presidência de Donald Trump, significando um golpe mais incisivo para o poder norte-americano e a sua almejada liderança global, desde o colapso da União Soviética no final do século passado. Ou seja, que tal vai significar muito mais que a mera acepção de G-Zero de que Ian Bremmer se refere.

Contudo, este cenário de Ian Bremmer não significa necessariamente que os EUA irão declinar como um mercado de per si, dada a sua estabilidade geopolítica comparativa no hemisfério ocidental, a acentuada descentralização dos poderes políticos nos EUA e a actual vantagem tecnológica intrínseca de liderar o mundo, num mercado orientado pela tecnologia que desempenha um significativo contrapeso à incerteza da insularidade de uma administração de Donald Trunfo.
 
Mas os futuros passos dos EUA, como líder mundial, e o seu papel de americanização de um mundo globalizado, passam agora pelo ponto de não retorno à Guerra Fria. Pois há três aspectos de liderança norte-americana que serão afectados pela administração Donald Trump para tender para um crescente cenário G-Zero: o papel dos EUA como polícia mundial, a arquitectura actual do comércio global e a destorcida liderança de valores globais no mundo actual.

O papel dos EUA como polícia mundial

Tomando em consideração a perspectiva de abordagem de Ian Bremmer sobre o futuro dos EUA, infere-se que, apesar do facto de que Donald Trump tem sido extremamente franco na sua oposição de uns “EUA provedores de cheques em branco para a segurança dos outros no mundo”, a verdade é que continua a ser o papel dominante do poder norte-americano, que provavelmente Donald Trump só o venha a mudar no mínimo ao longo da sua administração. Pois, em parte, este terá que ser o foco de Donald Trump para garantir a dura realidade da segurança nacional dos EUA.

Quer se trate de lutar contra o Estado Islâmico (EI), como do ponto de vista da vigilância ou da segurança das fronteiras dos EUA, trata-se de um trunfo que é visto pelas instituições norte-americanas de poder, seja ele o Executivo como o Legislativo e o Judicial, como estando projectado para a política externa dos EUA em todo o mundo que impõe que se expanda os seus gastos na defesa dos interesses norte-americanos em qualquer ponto do mundo.

Enquanto as decisões sobre o uso do poder militar se orientarem para responder aos desafios da segurança nacional dos EUA de forma mais unilateral, tal objectivo deverá prevalecer sob qualquer administração, seja ela de Donald Trump ou de outro Presidente, pelo simples facto de os EUA terem demonstrado isso com maior vigor durante a administração de Barack Obama com o fim de Ossama Bin Laden.

Os objectivos norte-americanos são muito mais abrangentes em muitas das frentes da luta contra o terrorismo, quanto aos desafios da sua segurança cibernética, a não-proliferação de armas de destruição de massas, etc., que obrigam que qualquer administração tenha de agir com razoabilidade nos seus alinhamentos centrais na Europa, Ásia e no Médio Oriente, principalmente.

Os EUA já gastaram muito mais do que têm por gastar nos próximos oito anos que durar a administração de Donald Trump em defesa do seu espaço geostratégico. Não há nenhum desafio tão global para os EUA no horizonte que seja diferente do de fazer face à Rússia e à República Popular da China, o que, provavelmente, vai obrigar que Donald Trump, no mínimo, procure trabalhar mais próximo com Kremlin e Beijing, tomando um risco, a curto prazo, de procurar ganhar vantagens em relação a Moscovo.

É possível que as alianças tradicionais dos EUA sejam questionadas, à medida que os norte-americanos conseguirem que os seus principais aliados da NATO na Europa, Ásia e Médio Oriente se engajem em grande parte para o sucesso na luta pelos objectivos geoestratégicos comuns, de modo a aumentarem drasticamente as suas próprias despesas de defesa em apoio ao seu relacionamento com os EUA. De contrário, a NATO enfraquecer-se-á nesse ambiente, enquanto os russos e os chineses procurarão criar uma arquitectura alternativa de segurança no Nordeste e no Sudeste Asiático, centrada em relações mais bilaterais, que têm uma componente híbrida mais económica e industrial do ponto de vista da sua infraestrutura.

Mas os maiores relacionamentos de defesa são razoavelmente colaterais e tendem a mudar ao longo de décadas, não anos, devido à dimensão e duração dos gastos em defesa, a interoperabilidade dos sistemas de defesa e a identificação e desenvolvimento de doutrinas de segurança nacional comuns. Tal é menos verdade para os aliados de nível inferior dos EUA que sentirão uma maior necessidade de se protegerem ao lado dos EUA em África, no Médio Oriente e no Sudeste Asiático.

Desde de este ponto de vista, o compromisso dos EUA em fornecer bens de segurança pública, como nas missões de manutenção da paz da ONU, vai sofrer alguns revezes. Mas no geral, para a administração Donald Trump continuará sendo um desafio os problemas de segurança global, sem poder virar de repente o actual cenário.

A arquitectura actual do comércio global

O papel dos EUA no comércio global é uma história diferente. Donald Trump e toda a sua equipe de política económica internacional têm sido consistentes em acreditar que o comércio e a globalização vieram à custa directa dos trabalhadores norte-americanos e que o comércio global precisa ser substancialmente revisto em conformidade com a actual realidade das economias do mundo. Eles prometem que isso não significa que Donald Trump se oponha aos acordos comerciais, mas eles têm que ser "melhores negócios", o que poderá significar um fim aos acordos existentes na mesa.

Por exemplo, a Parceria Transpacífica (TPP) já é uma letra morta neste ambiente, assim como a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP), que já não tem suporte vital. O governo de Donald Trump poderá confrontar os vencedores e os vencidos numa disputa por um esforço para usar as vantagens norte-americanas para incentivar as empresas dos EUA a trazerem mais investimentos de volta ao país e convencer os outros países a pararem com o que se considera práticas comerciais desleais, como foi o caso recente da empresa brasileira Embraer que foi multada pelo tesouro norte-americano por práticas corruptas na venda dos seus aviões a Moçambique, por exemplo.

Segundo Ian Bremmer, os norte-americanos estão muito menos propensos a ver as tarifas a subirem em grande escala, porque Donald Trump tem ameaçado os principais parceiros comerciais dos EUA como a República Popular da China, o Japão e o México. Isso é em parte devido aos interesses extremamente poderosos investidos que não poderão ter aceitação ao nível do Congresso e no sector privado, em parte por causa do dano imediato que tais medidas teriam sobre a economia norte-americana.

Isto levanta um conjunto de riscos reais em torno da execução da sua política e diplomacia económico-financeira, não apenas sobre o comércio, mas também sobre o dólar norte-americano, as taxas de juros e outras facetas da política económica. Os conflitos inerentes entre as grandes medidas propostas durante a campanha eleitoral e a estrutura real da política republicana de restabelecimento, construída ao longo de várias décadas, criarão problemas reais em torno da formação, execução e comunicação entre as várias políticas sectoriais do país.

Ao contrário da política de defesa, que pode funcionar mais ou menos como piloto automático, o comércio global requer um papel de liderança norte-americana mais proactivo para ser eficaz. Especialmente no contexto de uma República Popular da China extremamente activa e capitalista de Estado, que está a reafirmar-se como mais uma das maiores economias do mundo, preparada para gastar dinheiro para criar alternativas à arquitectura comercial liderada pelos EUA no conjunto do BRICS (bloco das economias emergentes constituído por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

É provável que ocorra uma cobertura muito mais rápida de importantes aliados norte-americanos em todo o mundo no contexto da economia sob a administração Donald Trump, com uma fragmentação geral mais rápida do ambiente de comércio global. Os principais sectores económicos tornar-se-ão mais estratégicos e, consequentemente, mais politizados e menos globais. A tecnologia é particularmente susceptível de ter impacto neste ambiente, o escopo dos gastos chineses, dada a sua rapidez em gerar mudanças.

Contudo, a maior mudança no papel global dos EUA a longo prazo é a de que será mais difícil acrescentar valor ao dólar norte-americano: o papel dos valores norte-americanos é de importância global para os EUA face à actual consolidação do libra e do euro. A visão de Donald Trump sobre os relacionamentos internacionais vem da sua experiência como empresário e é de natureza transacional.

A Rússia e a Turquia não são intrinsecamente menos importantes neste cenário como potenciais interlocutores do que os tradicionais aliados dos EUA como o Reino Unido e o Japão. Tudo vai depender dos termos que os EUA vão oferecer, bem como a estrutura dos seus sistemas políticos e económicos, subalternizando os direitos humanos e outros valores menos importantes como a questão do género e das minorias étnicas, por exemplo. Mas é precisamente o papel dos valores norte-americanos importantes e menos importantes que mais sustentou a sua força como superpotência mundial.

Liderança de valores globais no mundo actual

A disposição de outros países para seguir os EUA e a sua vitória final sobre a União Soviética, no final do século passado, evoluiu da vontade de se acreditar que havia, de facto, algo excepcional e indispensável sobre o poder norte-americano. Essa visão já se deteriorou drasticamente na última década - um facto fundamental para o cenário G-Zero que a vitória do novo Presidente dos EUA, Donald Trump, pode levantar como questão de fundo.

Isto na medida em que há um impacto significativo, a longo prazo, sobre os próprios EUA, tendo em conta que a crença no dólar norte-americano é, em última instância, um conjunto complexo de equações que tem tanto os fundamentos económicos quanto os políticos e sociais.
 
No entanto, o fundamento económico não está em questão, não obstante esta desastrosa eleição de Donald Trump. O fundamento político-social é que realmente vai jogar um grande papel para além dos anos que durar a administração de Donald Trump, como advoga Ian Bremmer.

Tal cenário vai obedecer aos dictames do actual conceito tipológico do trinómio:

      i.     Estados Pré-Modernos, geralmente o conjunto de todos aqueles Estados que surgiram após o processo de descolonização, cujos esforços militares são mais de natureza defensiva que ofensiva;

    ii.     Estados Modernos, geralmente constituídos por países como os EUA, a Rússia e a República Popular da China, cujos esforços militares são de natureza ofensiva na defesa e conquista de espaços geoestratégicos; e

   iii.     Estados Pós-Modernos, constituídos geralmente pelas antigas Metrópoles Coloniais europeias, cuja estratégia relega os aspectos de carácter militar para segundo plano e ganham importância na medida de necessidades concretas.

Isto significa que a Guerra Fria da era G-Zero vai se cingir ainda entre os esforços de espaços de liderança mundial dos EUA em contraposição à aliança entre a Rússia e a República Popular da China, incidindo mais sobre os Estados Pré-Modernos africanos como Moçambique, dada a maior concentração de recursos naturais estratégicos.

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