SOBRE O ASSASSINATO DE VALENTINA GUEBUZA
Por Nini Satar

Tanta gente, habituada à especulação, não tardou a reagir desonestamente à morte de Valentina Guebuza. Muitos associaram o seu assassinato às dívidas ocultas, chanceladas pelo Governo do seu progenitor, Armando Guebuza.

Considero isto de má-fé.

Independentemente das razões que devem estar por detrás do seu assassinato, a primeira coisa que devemos fazer,  como seres pensantes, é associarmo-nos à família enlutada.

Dói perder um ente querido. Quaisquer que sejam os pecados do pai (Armando Guebuza), não nos devemos esquecer de que ele é um ser humano como qualquer um de nós. Estaríamos a crescer e a mostrar a nossa civilidade se mandássemos mensagens reconfortadoras.

Valentina Guebuza era filha, mãe, irmã, esposa, amiga e muitos mais. Existem várias pessoas que a esta altura estão chorando a morte dela. Tem que haver um pouco de urbanidade nos nossos comentários.

Quanto ao marido, Zófimo Mauiane, independentemente do motivo que o levou a assassinar a sua consorte, agiu mal. Muito mal. Não há nada que o diálogo não vença. O diálogo escancara muros, abre portões por mais pesados que sejam. Conversar teria sido a melhor solução.

Como consequência do seu acto, há-de amargar na cadeia. Não vai ver a filha a crescer. A cadeia é pesada. Fala-vos a voz da experiência. E eu fiquei tantos anos presos sem provas.

E ele? O que lhe dirá a sua consciência? Pecado capital…

SOBRE A MORTE DE VALENTINA GUEBUZA
Por Edgar Barroso

Quase que não temos, em Moçambique, uma só referência de pessoas que se guiam pelos mais supremo valores éticos e morais, em todos os níveis sociais.

Temos gente que desvia fundos e recursos do Estado, porque "têm direito de ser ricos"; temos pessoas que atropelam a Constituição e que assumidamente dizem que voltariam a fazê-lo, porque "libertaram este país"; temos pessoas insensíveis às causas e consequências da vigente tensão político-militar, porque os outros "são bandidos armados" ou porque o conflito "é localizado"; temos pessoas a andar de carros topos de gama e a viverem em mansões do primeiro mundo, bem ao lado da miséria colectiva...; temos tudo, menos referências éticas e morais.

Não temos um sistema nacional de educação que forma cidadãos que sabem ser e estar. As nossas igrejas são autênticos viveiros de hipocrisia e de exibicionismo materialista. Uma geração (ou mesmo duas) a crescer nesse contexto de imoralidade e depravação, de consumismo e de competição, de gana e de privação, de inveja e de intolerância...

Culpa de quem? 


Não se plantam laranjeiras para se colher morangos. A reacção "bárbara" e "desumana" das pessoas à notícia do assassinato da Valentina Guebuza, não só nas redes sociais, é reflexo de algo mais conjuntural e macro. Há responsáveis por isso. As pessoas não são más por si só... elas aprendem a ser más. Aprendem a odiar.

Comecem desde já a pensar sobre as causas que fazem com que tanta gente celebre tamanha tragédia. É aí onde encontraremos o caminho para a sua solução.

Acusar por acusar, denunciando, censurando ou lamentando consequências... não nos vai levar a lado nenhum. Nem nos deveria surpreender. Estamos a colher o que se foi plantando ao longo de décadas de políticas públicas falhadas na redistribuição da riqueza nacional e na formação de cidadãos.

SENTIMENTALISMO
Por Carlos Nuno Castel-Branco

É possível ter empatia, solidariedade e sentimento perante a morte de alguém, seja de quem for, sobretudo se for violenta, sem ter que falsificar ou pintar de cor-de-rosa a vida dessa pessoa. Basta olhar para as faces retorcidas de dor e emoção dos familiares para o coração doer e as emoções de empatia e solidariedade se manifestarem, sem ser preciso simpatizar com os carácteres e percursos dos indivíduos. Para mim, isto aplica-se a qualquer pessoa, poderosa ou não, rica ou pobre, famosa ou anónima.

Num país onde é mais fácil morrer que viver, onde se mata por ganância económica ou de poder, onde se exclui sistematicamente e se expõe o excluído à vontade e poder de vida ou morte do exclusor, onde as mortes e vidas de uns valem mais que as dos outros, onde se mata com violência rápida a tiro ou com violência lenta de fome ou de desespero social, onde a vida vale menos que qualquer mercadoria, num país assim os corações e as mentes endureceram e tornaram-se insensíveis.

Como disse alguém nas redes sociais, corremos o risco de ruwandizar as nossas almas, de nos tornarmos em praticantes e pregadores de genocídio diário - uns pelo poder que têm, outros pela zanga que a miséria, a exclusão e a humilhação criaram.

Entendemos e empatizamos com a dor de cada um, tal como entendemos a insensibilidade de muitos. Mas ser solidário com e respeitar a dor de um ser humano, e fazê-lo com humanidade e honestidade, não exige falsificar quem esta ou aquela pessoa foi ou o é na sociedade. Não é preciso mentir sobre o que as pessoas representam para empatizar com elas no seu sofrimento humano. E empatizar com um indivíduo numa altura de dor e sofrimento, não requer esquecer a dor e sofrimento dos muitos que tiveram os seus filhos e filhas, maridos e esposas, pais e mães, amigos e amigas chacinados na carnificina social que abala o nosso país - dos assassinatos aos raptos, da guerra às expropriações de modos de vida, do desemprego à destruição dos serviços sociais, da exclusão, descriminação e ostracização à bajulação do poder e da capacidade de exercer violência, da miseração e empobrecimento de dezenas de milhões ao enriquecimento desmesurado de um punhado de milhares, da ilicitação do poder à desonra criada para a imagem do país.

É possível sentir e empatizar com a dor do próximo sem esquecer quem ele/ela são nesta cadeia de violência social sistemática. Não é preciso mentir. Não se pode ser realmente humano sendo-se hipócrita ao mesmo tempo.

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