NOSSO BANCO É UM CASO CRIMINAL
Editorial do CanalMoz, 06 de Dezembro de 2016
Chegou-nos às mãos um importante documento sobre como é que as coisas
ocorreram no liquidado Nosso Banco. É
um relatório de inspecção ao Departamento de Crédito do Nosso Banco, levada a cabo pelo próprio Banco de Moçambique, através do seu Departamento de Supervisão
Prudencial. O relatório leva o carimbo de ESTRITAMENTE
CONFIDENCIAL.
Pelo compromisso que temos com os leitores, publicámos as partes mais
importantes do referido relatório na última edição do semanário Canal de Moçambique, como matéria de
fundo.
Analisando o documento, a primeira conclusão a que se chega é, mais ou
menos, aquilo que escrevemos na semana passada, aqui neste mesmo espaço, sobre
a responsabilidade do Conselho da Administração do Banco de Moçambique, no mandato de Ernesto Gove, sobre o escândalo.
O relatório, lavrado pela Supervisão Prudencial do Banco de Moçambique, é datado de Setembro de 2015 e levanta
questões de gestão gravíssimas, principalmente as ligadas à carteira de
crédito.
O próprio Banco de Moçambique
assume, na nota introdutória, que aquela actividade de inspecção aconteceu
quatro anos depois do último acompanhamento feito às actividades do Nosso Banco, ou seja, a última vez que
lá tinham estado, em actividade similar, foi em 2011. Uma actividade de
acompanhamento, que deveria ser rotineira, foi realizada após terem decorrido
quatro anos.
Os problemas foram-se acumulando e com as palmadinhas do próprio Banco de Moçambique.
A situação descrita pelo relatório da inspecção de 2015 já mostrava
claramente que já não existia um Banco, mas, sim, uma associação para
delinquir, graças aos maus ofícios do Banco
de Moçambique.
Toda a gente que foi assistindo à grande farra no Nosso Banco, desde os tempos do Banco
Mercantil de Investimentos (BMI), continua a ocupar os seus cargos no Banco de Moçambique.
A questão é: por que razão o Banco
de Moçambique não intervencionou na altura o Nosso Banco, a fim de salvaguardar os interesses dos depositantes
e, acima de tudo, o interesse do Estado, que era o maior accionista do negócio?
O diploma ministerial que fixa em 20 mil meticais o desembolso a pagar
pelo Fundo de Garantia de Depósito do Banco
de Moçambique é de 21 de Setembro de 2016, ou seja: foi criado exactamente
para lesar os clientes do Nosso Banco,
pois já se sabia da situação daquela instituição.
Há questões graves levantadas pelo relatório da inspecção, como, por
exemplo, a existência de créditos concedidos em montantes acima do solicitado e
em modalidades não previstas na lista de produtos servidos pelo Banco.
Qualquer coisa como alguém ir ao Banco e contratar um empréstimo de um
milhão de meticais, mas o Banco achar que o mutuário não precisa de um milhão,
mas, sim, de quatro milhões, e oferece-lhe, assim mesmo, quatro milhões. E o
mutuário assina um documento a dizer que pediu três milhões, qundo foi bafejado
com quatro milhões.
Há registo de créditos concedidos e desembolsados sem contrato nem
garantias formalizadas. Mais grave ainda, o Banco, primeiro, dava dinheiro e só
depois é que o mutuário ia lá formalizar o contrato de empréstimo.
Alguns dos beneficiários nunca tiveram conta nesse Banco. Ou seja: não
eram clientes do banco.
Ora, digam-nos, senhores do Banco
de Moçambique, se, em toda a vossa vida, já viram algum Banco que
funcionasse assim? Isto, mesmo para efeitos de uso em ficção, é de difícil
engenho e elaboração.
Como é que detectaram todas essas atrocidades financeiras e ainda
continuaram a passar paninhos quentes na Administração do Banco? Não
acreditamos que o fizeram apenas por uma questão de desleixo.
É mais convincente dizer-se que só o fizeram porque obtinham vantagens
com a forma como o Banco era gerido. Quem nos garante que, depois de terem
detectado essas anomalias gritantes, também não foram lá buscar um empréstimo
olímpico, sem contrato e com valores acima do solicitado, umas das grandes
especialidades do Banco. Só isso é que pode explicar as razões que fizeram com
que o Banco de Moçambique aceitasse
essa forma de actuar. Não encontramos outra razão.
É difícil explicar a qualquer cidadão que o Banco de Moçambique tenha detectado toda essa fraude e se tenha
limitado a recomendações fúteis, sem colocar a possibilidade de
responsabilização criminal dos seus gestores. A quem o Banco de Moçambique pretendia proteger, ao congelar um relatório
tão grave como este?
Na nossa modesta opinião, há, aqui, uma acção deliberada, por parte do Banco de Moçambique, para continuar a
perpetuar as acções que vinham sendo levadas a cabo pelos gestores do Nosso Banco. E o Banco de Moçambique sabia perfeitamente que toda esta farra estava
a ser financiada por fundos públicos. Em que ficamos?
Há uma nota de intróito ao relatório que talvez abra caminho para a
hipótese de uma farra conjunta entre o Banco
de Moçambique e o próprio Nosso Banco.
Os relatores do Banco de Moçambique,
nomeadamente Pinto Fulane e Ciélia Massinga, proíbem, no relatório, que os
administradores do Nosso Banco
divulguem o relatório a demais pessoas, proibição que é extensível às
instituições da Justiça.
“Em nenhuma circunstância deve, o Banco ou qualquer dos seus
administradores ou colaboradores, revelar ou tornar público, seja de que forma
for, o relatório ou qualquer parte dele.
Se, por qualquer razão, uma cópia do relatório for solicitada pelas
autoridades judiciais, o Banco deve imediatamente comunicar ao Director de
Supervisão Prudencial [do Banco de
Moçambique]”, lê-se no relatório.
Ora, alguém do Banco de Moçambique
pode explicar-nos que tipo de macacada é essa? Ou seja, a informação contida no
relatório cria mais incómodo aos funcionários do Banco de Moçambique do que propriamente aos visados do Nosso Banco. Que tipo de inspecção é
essa?
Na nossa modesta opinião, quem devia estar preocupado com o escândalo do
Nosso Banco e fazer de tudo para que
o relatório não saísse para consumo público deviam ser os administradores do Nosso Banco, porque os factos arrolados
visam directamente a eles e à sua reputação e têm o potencial de arruinar as
suas carreiras. Mas não.
Pela nota do Banco de Moçambique,
fica claro que quem está aflito é o próprio Banco
de Moçambique, ou seja, quem está com medo não é o ladrão que roubou.
Estamos numa estranha situação em que a própria Polícia é que está com medo que
se saiba que o fulano é ladrão. A Polícia está com receio de que se saiba que
apanhou ou viu um ladrão. A única conclusão a que chegamos é que os inspectores
têm interesses inconfessáveis nisto.
Quando até proíbem que esses documentos cheguem à Justiça, é porque os
relatores sabem que eles próprios estão com problemas com a Justiça. O que é
que os senhores do Banco de Moçambique
temiam, se o documento chegasse, por exemplo, à Justiça? Afinal, o Banco de Moçambique não pertence ao
Estado?
Por que razão temem que este documento chegue às outras instituições do
Estado, após ter sido feita a inspecção? Não será essa a prova cabal de que
todo o Conselho de Administração do Banco
de Moçambique se beneficiou da grande farra do Nosso Banco!
Comentários
Enviar um comentário