FACTORES EXTERNOS DA SEGURANÇA NACIONAL
Por Raúl Mourinho Kuyeri
07 de Novembro de 2016

A Segurança Nacional de Moçambique continua intrinsecamente relacionada com os factores da geopolítica externa que caracterizaram as lutas pela independência dos países africanos, agravados pelo contexto da Guerra Fria, com maior destaque para aqueles países cujos regimes políticos ainda são liderados por partidos que evoluíram dos Movimentos de Luta de Libertação Nacional como a Frelimo em Moçambique, o MPLA em Angola, a ZANU-PF no Zimbabwe, a SWAPO na Namíbia e o ANC na África do Sul.

O fim da Guerra Fria deu lugar às democracias multipartidárias e à globalização, assentes nos pressupostos tidos universais das garantias políticas e económicas, exercício da cidadania e direitos humanos que devem ser providos pelo Estado para a realização e manutenção dos pressupostos dos objectivos nacionais, no quadro de uma estratégia global de dominação dos países mais fortes em relação aos mais fracos.

As democracias multipartidárias e a globalização pressupõem que os governantes dos países mais fracos adoptem uma postura de integração nacional por via de um Estado institucionalmente mais forte e centralizado, capaz de unificar todos os objectivos nacionais e, principalmente, que seja capaz de garantir a Segurança Nacional, assente na paranoia de eliminação dos resquícios comunistas dos partidos que emergiram dos Movimentos de Luta de Libertação Nacional como a Frelimo. Pois, partidos no poder como a Frelimo, continuam sendo considerados como enfermarem de ideologias dos tempos da Guerra Fria e que não garantem a prossecução dos genuínos interesses do capital financeiro capitalista internacional no acesso aos recursos naturais que historicamente sustentaram as economias mais fortes do mundo.

Neste contexto a questão da Segurança Nacional em Moçambique deve ser reconsiderada com base no novo paradigma das relações internacionais e do papel do Estado, decorrente do processo de globalização, com os seus reflexos políticos, económicos e sociais, muito particularmente quando os respectivos países são depositários de grandes quantidades de recursos naturais, como é o caso de Moçambique.

Tal paradigma, já estruturado há vários anos, sofreu significativo impacto a partir dos ataques terroristas aos EUA, a 11 de Setembro de 2001. Desde então, a questão da segurança passou a ser revalorizada para os países do G-7, projectando ainda mais os EUA como potência hegemónica militar e líder mundial na guerra contra o terrorismo, desencadeada em reacção àquele episódio de 11 de Setembro de 2001.

Neste novo ambiente estratégico, a dimensão económica da Segurança Nacional continua a ser, no entanto, preponderante para os países emergentes como Moçambique, cujo impacto regional é pacífico, enquanto a dimensão militar não sofrer grande variação, tendo em vista a posição estrategicamente marginal de Moçambique na luta internacional contra o terrorismo, banhado por um canal estratégico internacional – o Canal de Moçambique.

Esta situação torna ainda mais necessário, se bem que mais difícil, convencer a sociedade e, em particular as elites políticas, da importância da dimensão militar e da correspondente alocação de recursos para a defesa, o que terá despoletado a actual crise das dívidas ocultas, cujo cerne é o facto de os recursos contraídos se destinaram ao reforço da capacidade de defesa de Moçambique, do ponto de vista dos seus recursos naturais no interesse nacional. Logo, este actual cenário do país requer que se adopte uma nova visão ampliada e multidisciplinar do conceito de Segurança Nacional, ao lado do novo papel do Estado moçambicano, no que se refere ao equaccionamento da defesa dos interesses nacionais.

Dimensões da Segurança Nacional no actual contexto nacional

Apesar de a Segurança Nacional constituir um conceito integrado e sistémico, envolvendo todas as expressões do poder nacional, seja ele Executivo, Legislativo ou Judicial, generaliza-se a concordância de que nesta era da globalização, a expressão económica tende a ser preponderante, condicionando fortemente a actuação do Estado na conquista dos objectivos nacionais.

Trata-se de uma nova visão da segurança, própria do período pós-Guerra Fria e sob o advento da globalização. Assim, a segurança, que tinha forte conotação militar, passa a abranger outras necessidades e correspondentes novas estruturas relativas aos factores económicos e sociais, questões populacionais e ambientais, além da tecnologia, democracia, direitos humanos, género e respeito pelas minorias raciais, étnicas, regionais, religiosas e profissionais.  

Ao tal ponto, questões relativas à competição por mercados no cenário internacional; os rápidos movimentos do capital especulativo; os fluxos de investimentos das grandes empresas multinacionais; a premente dependência de capital estrangeiro para as contas das transacções correntes; os pesados serviços da vida pública; os embates entre o livre comércio e o proteccionismo das economias mais desenvolvidas; enfim, estas e outras questões económicas e financeiras, tendem cada vez mais a condicionar as relações internacionais, passando a se constituir no enfoque principal da política e da diplomacia, especialmente para países emergentes como Moçambique.

A busca da estabilidade económica, tanto por meio de apropriada política fiscal, quanto de maiores níveis de credibilidade no cenário internacional para atrair investimentos estrangeiros e, ao mesmo tempo, evitar a fuga de capitais, passaram a ser objectivos fundamentais do Governo moçambicano e importante factor de Segurança Nacional, sob a nova visão ampliada. Isto porque a dependência de capital estrangeiro para a nossa balança de pagamentos se tornou na mais grave vulnerabilidade estratégica, que apresenta desequilíbrios nas contas públicas e riscos de insolvência financeira no mercado internacional, o que afecta a credibilidade do país e realimenta o ciclo vicioso da nossa dependência externa.

Esta situação de risco de instabilidade económica e financeira não é apenas conjuntural; antes, apresenta certo carácter estrutural, dada a volatilidade do capital e a rápida propagação das crises financeiras entre os países, além do pesado fardo da dívida pública acumulada ao longo dos últimos 10 anos. O nosso desenvolvimento económico é forçosamente afectado pela redução dos investimentos produtivos, o que gera estagnação, desemprego e deterioração das nossas infra-estruturas de transporte e do nosso parque industrial, com graves reflexos negativos sobre a estabilidade política e social e, consequentemente, sobre a nossa segurança.

Actualmente o nosso país está perante uma teia de armadilhas da inserção económica global na África Austral, onde principais países como a África do Sul, Angola e o Zimbabwe, a par de Moçambique, Malawi, Zâmbia, estão com défices comerciais causados pelo aumento excessivo e desproporcional das suas importações em relação às suas exportações. Os juros das respectivas dívidas externas estão em crescimento acelerado e as suas remessas de lucros estão em grave declínio, criando um buraco estrutural crescente na balança das respectivas transacções comerciais correntes. Esta situação torna Moçambique e os outros países da região progressivamente reféns do investimento externo e mais expostos à volatilidade global, com consequentes convulsões políticas e sociais.

O aumento do deficit da nossa balança de pagamentos depende da atitude mais pró-activa do nosso Governo, porque é preciso agir o mais rápido possível para evitar que o aumento da vulnerabilidade externa, decorrente do processo das auditorias externas das contas do Estado moçambicano não venha significar, num futuro próximo, a ruptura da trajectória de crescimento da economia e inviabilizar o nosso desenvolvimento.
 
O país precisa gerar sinergias no quadro da globalização para amainar as vulnerabilidades externas de ordem financeira que condicionem ao extremo a nossa estabilidade económica, a ponto de passar a representar a principal dimensão da lacuna da nossa Segurança Nacional, numa visão mais elástica da segurança de um país. Tal requer a adopção de uma abordagem mais abrangente e multidisciplinar das questões de defesa e segurança no actual contexto de tensão militar e crise económica, cuja complexidade envolve actores extra-estatais que transcendem as nossas fronteiras estatais e ultrapassam o aspecto meramente militar. Pois o país apresenta ameaças não ortodoxas, para as quais não se aplica a tradicional reposta militar, como por exemplo, o crime organizado, o terrorismo cibernético e a instabilidade político-social.

Expressão económica e militar do actual contexto nacional

O nosso país está perante riscos e ameaças de natureza financeira de dimensão internacional, cuja expressão económica se torna no principal foco da acção política do Estado, especialmente se no âmbito regional prevalecer um clima de relativa paz e harmonia entre os países vizinhos, com especial destaque para a África do Sul e o Zimbabwe, pela ausência de ameaças militares ou de conflitos que possam gerar crises não administráveis diplomaticamente, a exemplo do tempo da era do Apartheid e da Guerra Fria.

Contudo, no âmbito internacional, a força económica é a fonte mais importante do poder nacional, não importa o que digam os paradigmas académicos do dia-a-dia da política internacional. Estes debates paradigmáticos geralmente apontam uma lista de factores que muitas das vezes não vão de encontro com a realidade de cada país, quando, na verdade, a força económica do Estado é o factor de maior peso na formação do poder nacional na ordem de 59%, contra 17% da capacidade e vontade de projectar o poderio militar, 9% da autoridade moral e coesão política, 9% do apelo cultural ideológico e 6% da tecnologia avançada. Neste quadro, a diplomacia tende a valorizar mais as negociações económicas e os acordos comerciais, trabalhando em prol das exportações e da conquista de mercados, além da defesa dos interesses nacionais junto dos organismos internacionais, especialmente a Organização Mundial do Comércio, o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), a NEPAD, o Banco Mundial, o FMI, etc.

Note-se que tradicionalmente os EUA usam a sua diplomacia económica em torno das instituições de Breton Wood (Banco Mundial e FMI) para dar ímpeto toda a sua hegemonia económica como figurino das suas políticas externas de matriz republicana. Com a nova realidade estratégica do pós 11 de Setembro de 2001, a diplomacia económica norte-americana ganhou mais espaço na agenda do Departamento de Estado e abriu uma janela na muralha do Conselho de Segurança Nacional dos EUA. Esta estratégia foi sendo progressivamente reajustada após o 11 de Setembro de 2001, em virtude da guerra permanente contra o Al-Qaeda e agora contra o Estado Islâmico. De qualquer modo, a diplomacia económica norte-americana continua relevante no concerto das nações.

No caso de Moçambique, a já referida vulnerabilidade de turbulências no mercado financeiro internacional e a maior valorização dos assuntos económico-financeiros nas relações internacionais afecta-nos mais do que referem as agências de notação financeira como a Moodys (uma Agencia de Consultoria Internacional) no rating financeiro. O Banco Central dos Estados Unidos (FED) e as taxas de juros nos atingem mais directamente por via das instituições de Breton Woods do que a acção em si das políticas do Departamento de Estado dos EUA.

A subvalorização das questões militares é explicada pela denominada Teoria da Inexistência de Risco Iminente que se seguiu ao Acordo Geral de Paz de Roma (AGP) em 1992, que nos fez ignorar o potencial de risco de uma Renamo armada. Segundo esta teoria, o sistema político democrático multipartidário responderia a necessidades bem definidas de acomodação de todos os interesses políticos nacionais, excluindo a necessidade de uma efectiva política militar. Pois, não havendo ameaças, ou se não são percebidas como tais, tais interesses políticos nacionais não se transformariam em potenciais conflitos militares, bastando sensibilizar os partidos e os eleitores. Assim, em Moçambique as questões de segurança se tornaram secundárias e raramente entraram no debate público, não se podendo esperar que a sociedade se manifestasse sobre a necessidade das Forças de Defesa e Segurança (FDS), porque alegadamente não teriam utilidade, senão apenas um fardo à economia nacional.

Porém, nas últimas duas décadas, a sociedade civil moçambicana amortecida por 20 anos de paz, menosprezando as recorrentes ameaças da Renamo de paralisar o país, perdeu-se a noção de defesa da pátria e as FDS perderam o monopólio que exerciam para a garantia da Segurança Nacional, ao mesmo tempo que se impediu a formação de uma cultura de defesa da pátria.

Por isso mesmo, a par da erosão da capacidade defensiva das nossas FDS e o avolumar das vulnerabilidades externas, quanto à necessidade de investimentos directos estrangeiros (IDE) para cobrir o deficit da balança de pagamentos, o país apresenta igualmente importantes vulnerabilidades internas de ordem socioeconómica, derivadas dos altos índices de desigualdade social e regional. Esta situação gera exclusão e marginalidade social, minando o senso de cidadania e os sentimentos de coesão e identidade nacional, fundamentais para a integridade de um sistema de defesa nacional. Esta compatibilização entre a superação das dificuldades socioeconómica interna e a credibilidade do aparato de defesa e segurança está ressaltada na actual situação do país de depender da construção de um modelo de desenvolvimento que não fortalece a democracia e agrava as desigualdades sociais e os desequilíbrios regionais, devido à tensão militar nas Regiões Centro e Norte.

Novo paradigma

Os novos actores não estatais, tais como as ONGs, têm aumentado a sua influência no cenário internacional, no que diz respeito à advocacia ao exercício da cidadania, direitos humanos, meio ambiente e ecologia, redução da pobreza e das desigualdades sociais, etc., integrando a sociedade civil internacionalizada, dada a facilidade das tecnologias de informação e comunicação como a Internet e as redes sociais que pressionam o Estado moçambicano na defesa dos seus interesses e objectivos particulares, em detrimento dos objectivos e interesses nacionais, por um lado.

Por outro lado, no âmbito do processo de globalização, os países emergentes como Moçambique, ao implementarem as suas estratégias nacionais, sofrem ainda, fortes condicionalismos externos derivados da actuação das empresas multinacionais como a norte-americana Anadarko, a italiana ENI, a brasileira Vale, a australiana Rio Tinto, etc., como os nossos grandes investidores de capital e representantes dos organismos internacionais de financiamento ou de controlo do comércio externo, além do controlo da nossa capacidade de desenvolvimento do potencial de defesa.

Neste novo quadro, países como Moçambique procuram equaccionar e administrar a sua inserção no mundo globalizado com menores custos sociais e sacrifício, preservando uma margem razoável de autonomia para a tomada de decisões estratégicas, mas que, com a actual dívida externa, tal anseio se torna irrealizável. Deste modo, cabe ao Estado moçambicano definir projectos próprios de desenvolvimento nacional, o que implica a existência de vontade política para efectuar as reformas necessárias, fortalecer as instituições do Estado pelo combate cerrado à corrupção e à má gestão da coisa pública, de modo a superarmos as deficiências estruturais, visando o bem comum.

Para contrabalançar os efeitos da globalização, países como Moçambique procuram a regionalização, inserindo-se cada vez mais nas iniciativas dos blocos económicos e políticos regionais como a SADC, União Africana, NEPAD, BAD, etc., visando a defesa dos interesses nacionais comuns, dando certa relativização do conceito do exercício da soberania nacional, em benefício da convergência política e estratégica e da defesa dos interesses do bloco.

Conforma-se assim um novo paradigma para a elaboração de políticas estratégicas de cada Estado como Nação, de modo a gerar a necessidade de modernização ou de reconstrução do Estado. Trata-se de uma tarefa fundamental, em que o Estado, em sintonia com a Nação, desenvolve um projecto nacional sob uma legítima concepção político-estratégica que oriente as decisões governamentais visando à conquista e manutenção dos interesses e dos objectivos nacionais sob um horizonte de tempo maior, mas com a necessária flexibilidade capaz de permitir pequenos ajustes em função da rotatividade democrática. Nesta perspectiva, o desenvolvimento decorre em simultâneo entre a dimensão económica, que é preponderante, e a dimensão de defesa e segurança.

Desde esta perspectiva e partindo de um conceito ampliado de Segurança Nacional, que ultrapassa a dicotomia clássica segurança versus desenvolvimento, podemos afirmar que a principal razão da actual situação de insegurança no país constitui a maior vulnerabilidade estratégica por estar dependente do capital estrangeiro na nossa balança de pagamentos, o que nos obrigou a contrair esta dívida externa insustentável que condiciona, decisivamente, o desenvolvimento e a estabilidade económica e política do nosso país, por um lado.

Por outro lado, a volatilidade do capital especulativo expõe o país a riscos de crises financeiras, com todas as suas consequências políticas, económicas e sociais do presente e no futuro.



Maputo, aos 07 de Novembro de 2016. -

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