Florindo Jacinto Nyusi
O Menino Rico De Um País Empobrecido
Matias Guente, 08 de Novembro de 2016

Passa um pouco das 9 horas. Homens e mulheres com ar de preocupação e incredulidade fazem um círculo em volta de um corpo sem vida na Rua da Costa do Sol, no Bairro da Polana Caniço “B”, nos subúrbios da capital Maputo. “O que é que aconteceu. O que aconteceu?”, perguntavam os que se aproximavam do aglomerado.


Uma jovem que, debilitada, caminhava naquela rua, caíra ali mesmo, desamparada e sem vida, causando choque nos transeuntes. A falecida chamava-se Nádia Fabião Hoguane, de 26 anos de idade, residente no Bairro Polana Caniço “B”.

Há uma trágica ironia nesta morte. Nádia acabava de sair do Hospital Geral da Polana Caniço, onde não foi atendida porque não havia um aparelho para medir a tensão arterial. Foi aconselhada a ir medir a tensão arterial numa farmácia privada, para depois regressar ao hospital público. Sem forças, Nádia tentou caminhar até à farmácia, que fica na zona do “Componde”, e morreu pelo caminho.

Nádia era estudante de Contabilidade no Instituto de Transportes e Comunicações.

Tarde de sexta-feira. Duas viaturas luxuosas e desportivas entram na estação de serviço da “Total” na “25 de Setembro”, zona nobre da cidade de Maputo. A alta cilindrada e o incomum das duas viaturas chamam a atenção. Uma viatura é da linhagem de luxo italiana: um Ferrari modelo F12 Berlinetta. A segunda é do casamento automotor anglo-germânico: um Mercedes Benz McLaren modelo desportivo GT, também conhecido por “Road Model”, que é encomendado por celebridades, visto que a sua principal linha de produção é para as pistas de corridas da Fórmula 1.

O Ferrari Berlinetta vermelho não tem chapa de inscrição. Mas o McLaren de cor laranja tem. É uma matrícula sul-africana domiciliada na província de Gauteng. A matrícula personalizada faz jus ao potente e luxuoso carro. Não tem o código do abecedário como as matrículas dos carros normais. É personalizada: “A BESTA GP” lê-se na chapa de inscrição da soberba unidade automóvel!

Dos carros, saem jovens com menos de 25 anos. Um jovem forte de raça negra entre os seus companheiros de ascendência asiática faz diferença entre a turma. A forma como é venerado pelos seus amigos e pelos trabalhadores da estação de serviços cria-nos interesse.

Como as viaturas são incomuns nas ruas de Maputo e de África, as pessoas que passavam pela avenida paravam para fotografar as duas máquinas que normalmente são avistadas nas ruas de Hollywood, no cinema. “É o filho do Presidente”, indica um jovem, apontando para o único jovem forte sem ascendência asiática, no grupo.

Noite de sábado. O mesmo McLaren que atraiu curiosos na “25 de Setembro” estaciona em frente à porta de um dos mais badalados restaurantes de classe alta da Capital, ali ao lado do Hospital Central. Mais uma vez a viatura chama a atenção, porque torna-se singular no meio das restantes estacionadas no passeio daquele restaurante. O mesmo jovem forte sai acompanhado e entra para o restaurante, debaixo de comentários como “Veja aquele carro”, “Será que é Lamborghine?”, “É o filho do presidente Nyusi”.

As realidades descritas no início, a que se passa no Bairro Polana Caniço “B”, zona onde vive a maioria pobre, e a realidade “hollywoodiana” que se dá nos dois últimos casos, nas avenidas “25 de Setembro” e “Eduardo Mondlane”, parecem espelhar dois países diferentes. Um país em que se morre na rua por falta de um tensímetro que custa 41 euros e um outro país em que um rapaz que não trabalha mas tem a sorte de ter um pai que controla os recursos do Estado num país do Terceiro Mundo anda num Ferrari Berlinetta que custa 5.6 milhões de randes.

De acordo com uma cotação da “Continente”, fornecedora portuguesa de material hospitalar, com o valor do Ferrari que o filho do Presidente da República conduz dava para comprar 11.408 aparelhos de tensão arterial e distribuir mais de 1.000 aparelhos por cada uma das 11 províncias. É, de resto, sobre esta realidade de carências, onde falta água potável, comida, que o filho do Presidente da República tem estado a dar um verdadeiro espectáculo de ostentação.

Chama-se Florindo Filipe Jacinto Nyusi. É um nome a reter, porque o seu estilo de vida desmente qualquer discurso governamental de falta de dinheiro. Nasceu em Nampula e não deve ter mais de 27 anos.

Se no regime de Guebuza pontificava Valentina, que aparecia em tudo quanto era negócio rentável, no regime de Nyusi a estrela é um rapaz que leva uma vida paralela à das celebridades do Ocidente. Se Cristiano Ronaldo teve de correr, transpirar, lesionar-se, para ter um Ferrari na sua colecção, o jovem Florindo Jacinto Nyusi só precisou de o seu pai dirigir um dos Estados mais pobres de África.

Florindo Jacinto Nyusi está a fazer furor nas redes sociais com as suas máquinas de alta cilindrada. Na sua colecção está o Ferrari modelo F12 Berlinetta, o Mc Laren GT e a mais recente actualização por encomenda da alemã Range Rover, o Lumma clr rs V8. Todas são viaturas topo de gama e apenas compatíveis com economias saudáveis, que não é o caso de Moçambique.

O drama dos “ricos” dos países pobres

A ostentação, em automóveis de luxo, do filho do Presidente da República encaixa perfeitamente na descrição do escritor angolano José Eduardo Agualusa (2007) na sua crónica “Os nossos ricos são uma fraude”, em que o autor fala do drama dos “ricos” dos países pobres. O drama daqueles ricos que são produto da pobreza dos outros.

Ora vejamos, de acordo com o “Top Gear”, especialista inglesa de carros de luxo, um Ferrari ou McLaren chega a ter uma separação com o solo de apenas 10 centímetros no máximo. O que significa que uma viatura da Ferrari ou McLaren só pode andar num país onde as estradas não têm buracos. Qualquer desnível no asfalto e o carro sofre danos.


Outro detalhe é o desenvolvimento rápido das viaturas devido à sua quilometragem. Saem de 0 a 100 quilómetros em menos de 3.6 segundos. Em Moçambique, incluindo na capital do país, não há estradas sem buracos. Mais: não há espaço para os carros andarem à sua velocidade normal, devido ao engarrafamento e aos “My Loves” à mistura. O que quer dizer que as “Bestas” que transportam o filho de Nyusi vão pagar o preço do subdesenvolvimento.

Os preços segundo os agentes

Para ter uma ideia de quanto é que custa o luxo do filho do Presidente, o de Moçambique Moçambique contactou, na África do Sul e na Europa, agências especialistas em carros de luxo e obteve as respectivas cotações que publica aqui em anexo. Por exemplo, a sul-africana “Fouch Motors”, uma das mais conceituadas agências de venda de carros de luxo em Gauteng, informou-nos que um Ferrari F12/13 Berlinetta zero quilómetros custa 5.6 milhões de randes. Em segunda mão, pode custar três milhões de randes. Não é para menos: tem um motor 6.3, potência de 740 cavalos, cilindrada 6.262 e velocidade máxima de 340 km/h.

Sobre o McLaren GT, a viatura que o filho de Nyusi usa para fazer corridas, a mesma agência informou que a mesma custa 3.9 milhões de randes, em segunda mão, podendo atingir os 6 milhões de randes, quando tem zero quilómetros. Eis as suas especificações técnicas: potência de 625 cavalos, cilindrada 3.799, motor V8 e velocidade máxima de 333 km/h.

Em relação ao Range Rover Lumma, tivemos de solicitar uma cotação à própria subsidiária da Ranger, a alemã Lumma. Uma viatura actualizada, em segunda mão, com as especificações da viatura associada ao filho do presidente Nyusi, chega a custar 182.500 euros. O Estado Moçambicano atribui, por ano, 7 milhões de meticais a cada distrito como orçamento. É o valor de uma viatura de passeio do filho do presidente do mesmo país. Onde trabalha o filho de Nyusi?

O de Moçambique Moçambique tentou por várias vias contactar Florindo Filipe Jacinto Nyusi, para saber se trabalha em algum lugar. Não conseguimos. De várias fontes ficámos a saber que o filho do presidente não tem nem sequer profissão. Não encontrámos nenhum registo sobre isso. O único registo que a nossa investigação encontrou dá conta de que o filho do Presidente da República é sócio de uma até agora inexpressiva empresa denominada “Imográfica”. O filho de Nyusi é accionista dessa empresa, com 25%. O resto é detido por uma outra empresa, denominada “Irmãos Moreira Limitada”.

A empresa tem como objecto social: consultoria, gestão, aquisição, alienação e constituição de empresas e de participações sociais; prestação de serviços de contabilidade e auditoria financeira; manuseamento de carga contentorizada; armazenagem e transporte de passageiros; e hotelaria e turismo.

A Presidência da República não quer falar do assunto

O de Moçambique Moçambique contactou a Presidência da República, para saber se os carros luxuosos que andam com o filho do presidente são do seu suor, ou se são presentes do Presidente da República? O porta-voz do Presidente da República, disse que não está a par da ostentação do filho do presidente.

“Lamento informar que não conheço o que me apresenta. Obrigado pela informação. Tomamos nota”, respondeu o porta-voz do Presidente da República.

Sobre Florindo Nyusi: a minha opinião (Nini Satar, 21 de Junho de 2016)

O autódromo do ATCM emitiu um comunicado que está a circular no Facebook, dizendo e passo a citar: “(…) gostaríamos de informar que o Sr. FLORINDO, filho da sua excelência Presidente Nyusi, está PROIBIDO de entrar no recinto do autódromo do Atcm Moçambique, devido a sua conduta constante de INDISCIPLINA e falta de respeito com os trabalhadores do Atcm Moçambique (…)”.

Pois bem: eu, Nini Satar, não conheço o Florindo Nyusi. Não é do meu circulo de amizades e quero acreditar que é muito mais novo que eu. Já ouvi dizer por ai que ele é indisciplinado, tem feito ralis pela estrada fora tendo os seguranças a persegui-lo. Não sei se isto é verdade, aliás, pouco me interessa saber.

Florindo, como disse antes, não é meu amigo. Mas acho que o comunicado do ATCM peca por ter sido difundido no Facebook. Esta rede social serve a milhares de pessoas, pelo mundo fora. E o facto de o ATCM ter dito “ filho da sua excelência Presidente Nyusi”, significa que mesmo na Indochina já sabem que o Presidente de Moçambique tem um filho indisciplinado.

Julgo, isto é minha opinião, que a direcção do ATCM tendo constatado a alegada indisciplina do Florindo, devia lhe ter endereçado uma carta em que dizem tudo o que acham que deviam dizer. O facto de ter sido exposto no Facebook roça à outra interpretação. Parece que o ATCM queria que todo mundo soubesse que Florindo, filho do Presidente Nyusi, é indisciplinado. Para mim esta questão resolvia-se noutro fórum.

Se recuarmos há alguns anos atrás, vamos encontrar uma figura extremamente indisciplinada: o malogrado Nyimpine Chissano. Os jornais, à época, escreveram muito sobre as suas peripécias. De tal sorte que o falecido Carlos Cardoso disse a um dos seus jornalistas: o Zacarias Couto, para que este não ligasse mais a Nyimpine para contraditório. Nyimpine insultava aos jornalistas, mas nem com isso chegou-se ao ponto de associar a sua conduta ao do pai, ou ao pai que, na altura, era Presidente da República. Um era Nyimpine Chissano. O outro Joaquim Chissano. Portanto, duas pessoas diferentes.

Nyimpine chegou ao extremo de partir uma máquina de dactilografar numa das esquadras da polícia, em Maputo. O “metical”, de Carlos Cardoso, alegou que ele havia sido encontrado bêbado a conduzir. Foi detido pela polícia e levado à esquadra. Zangado derrubou tudo e quando o jornal soube desse escândalo ligou-lhe e ele insultou. Foi dai que o Cardoso instruiu toda a sua esquipa para não pedir contraditórios a Nyimpine. Atitude lógica e feita com clarividência.

Ora, não estou aqui a criticar o ATCM. Estou somente a expor a minha opinião. Porque julgo que, eventualmente, a mesma situação resolver-se-ia de outra maneira. Sem expor ninguém e muito menos ferir susceptibilidades.


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