A rota da corrupção
na compra dos embraers pela LAM
SUBORNOS TERÃO SAÍDO
DOS COFRES DO ESTADO
Savana, 04 de Novembro de 2016
Oitocentos
mil dólares em subornos pagos a altos quadros do Estado moçambicano na venda de
duas aeronaves pela Embraer à LAM
saíram dos cofres do Estado moçambicano, revelam os termos do acordo a que a
fabricante brasileira chegou com o Departamento de Justiça dos EUA para o
encerramento de um processo sobre vários casos de alegada corrupção.
De acordo
com o documento, que narra esquemas de corrupção com tentáculos em vários
países e divulgado em finais de Outubro, uma vez que os gestores da companhia brasileira
comunicaram aos intermediários dos subornos que não tinham como inscrever os
pagamentos ilícitos nas contas da companhia, os altos responsáveis do Estado
moçambicano que se digladiavam pelas “luvas” sugeriram que a Embraer subisse ficticiamente o preço
dos dois aparelhos, ambos E 190.
Dito e
feito. De uma proposta inicial de 32 milhões de dólares por cada uma das
aeronaves, a Embraer acabou assinando
um contrato de venda de cerca de 32.690 mil dólares por cada uma das aeronaves.
Uma
entidade, apenas designada no documento por Agente C, terá recebido os
subornos, canalizando-os depois para os moçambicanos. Para a concretização da
manobra, o Agente C criou uma empresa fantasma com sede em São Tomé e Príncipe,
aí domiciliando a conta usada para a drenagem dos subornos.
Um
reputado jurista moçambicano em comentários ao SAVANA enfatizou que é complexo provar
o crime de corrupção, dadas complexas rotas que segue e que tal apenas é
possível quando há um desentendimento entre os integrantes do grupo.
“O
Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC) devia pegar este caso em
concreto, seguir toda esta rota de subornos, identificar o tal Agente C e
verificar para quem foram feitas as transferências para Moçambique. Mas isso é
improvável dado o compadrio e proteccionismo que reinam cá em casa”, lamentou.
Porém, formalmente o GCCC está a investigar a operação de compra, venda e
aluguer dos Q400, num processo que
envolve a LAM e uma empresa estrangeira, que o organismo subordinado à
Procuradoria-Geral da República (PGR) não cita o nome.
“No
decurso da instrução preparatória, o GCCC tomou conhecimento de alguns factos
relacionados com a compra, venda e aluguer de duas aeronaves Q400, num processo que envolve LAM e uma
empresa estrangeira, cuja análise sumária levantou suspeitas quanto à aplicação
do valor proveniente da venda das aeronaves. Face à suspeita e para apurar os
factos, no dia 5 de Julho de 2016 foi autuado o processo-crime registado sob o
número 52/GCCC/16 e junto da Inspecção-Geral de Finanças foi solicitada a
realização de uma auditoria ao processo de compra, venda e aluguer”.
Contas nos EUA, São Tomé e Portugal
“No dia
22 de Abril de 2009, sete meses após a concretização do contrato de venda, mas
antes da entrega da primeira aeronave, a Embraer
RL (subsidiária norte-americana) chegou a um acordo de agenciamento com a
empresa que o Agente C tinha recentemente criado na República Democrática de
São Tomé e Príncipe. Dois directores da Embraer
assinaram o acordo de agenciamento em nome da empresa, que autorizava o Agente
C a promover as vendas dos E 120
especificamente à LAM”, lê-se no texto do acordo entre o Departamento da
Justiça dos EUA e a companhia brasileira, a que o SAVANA teve
acesso.
No
documento, enfatiza-se que o acordo entre a Embraer
e o Agente C foi rubricado sete meses depois de a venda das duas aeronaves ter
sido concluída. A empresa do Agente C não tinha sido sequer constituída quando
o contrato de compra e venda entre a Embraer
e a LAM foi assinado.
“A
companhia do Agente C não realizou nenhuma actividade legítima em relação ao
acordo de compra. O acordo com o Agente C declarava falsamente que o esforço de
promoção de venda em causa começou por volta de Março de 2008”, diz o
documento.
No texto
do acordo entre a Embraer e o Departamento da Justiça norte-americano, é
referido que os altos quadros do Estado moçambicano que receberam os subornos deixaram
claro que com 400 mil dólares por cada uma das duas aeronaves vendidas à LAM o
assunto ficava arrumado, depois de terem considerado um insulto uma proposta da
Embraer de pagar apenas 50 mil
dólares de subornos, que podiam ser aumentados para 80 mil, se fosse
necessário, por cada um dos dois aparelhos, e pagar entre 2% e 2.5% do preço de
compra das aeronaves.
“Os
funcionários moçambicanos indicaram que alguns quadros do Estado consideraram a
proposta da Embraer um insulto e que
teria sido menos insultuoso não dar nada, mesmo tendo em conta que esta opção
não era aceitável”, refere o documento, que sustenta as suas provas em alegados
“emails” trocados entre as partes supostamente envolvidas nos esquemas de
corrupção.
Na
sequência da reacção negativa da parte moçambicana, continua o documento, o
Director da Embraer perguntou o que o
Agente C esperava da companhia brasileira, ao que o mesmo retorquiu que um milhão
em subornos seriam um bom acordo.
Contudo,
prossegue o documento, nem o Agente C nem a sua companhia realizaram qualquer
serviço legítimo a favor da Embraer.
A fabricante entregou as duas aeronaves à LAM a de 30 de Julho de 2009 e a 02
de Setembro de 2009.
Depois da
entrega das duas aeronaves, a empresa do Agente C passou duas facturas no valor
de 400 mil dólares, cada, à Embraer,
uma datada de 15 de Agosto de 2009 e outra de 24 de Setembro de 2009. Um
director da Embraer assinou e aprovou
as facturas para pagamento.
A 31 de
Agosto de 2009, a Embraer RL
transferiu 400 mil dólares da sua conta nos EUA para uma conta em São Tomé e
Príncipe, que depois foram transferidos para uma conta da empresa do Agente C
em Portugal.
O nome do intermediário dos subornos
A 02 de
Outubro de 2009, a Embraer RL transferiu mais 400 mil dólares dos EUA para
a conta da empresa do Agente C em Portugal. A Embraer registou estes pagamentos como comissões de venda e foram
inscritos nos livros de contabilidade da empresa como custos operacionais
líquidos, sendo tratados como despesas de venda, especificamente como “comissões
de venda”.
O documento indica
que tudo começa a 21 de Maio de 2008, quando a Embraer entrega uma proposta formal à LAM para a venda de dois
aviões comerciais por 32 milhões de dólares. A proposta seguiu-se a quase três
anos de tentativas do Director da Embraer
de convencer a transportadora moçambicana a aceitar a aquisição de aparelhos da
fabricante brasileira em detrimento de aeronaves de companhias concorrentes.
Em meados de 2008,
durante as negociações entre a Embraer
e a LAM, o Agente C, que até então não tinha tido nenhum papel nas negociações,
contactou o Director e disse que iria actuar como consultor no negócio.
“O Agente C é um
indivíduo cuja identidade é conhecida dos EUA e na verdade foi usado para a
canalização dos subornos para dirigentes moçambicanos”, diz o documento.
Na nota do acordo
entre a Embraer e o Departamento da
Justiça norte-americano, a fabricante brasileira compromete-se a pagar mais de
200 milhões de dólares aos EUA por práticas de corrupção, assumindo que
responsáveis da companhia envolveram-se no pagamento de subornos em operações de
venda de aeronaves a companhias de vários países, incluindo em Moçambique.
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