PROPOSTA DOS
MEDIADORES/FACILITADORES INTERNACIONAIS COM VISTA AO ACORDO SOBRE A GOVERNAÇÃO
DAS PROVÍNCIAS E A TRÉGUA
Raúl Mourinho Kuyeri, 04 de Novembro de 2016
Eis abaixo o
texto da Proposta dos Mediadores e/ou Facilitadores Internacionais com vista ao
Acordo sobre a Governação das Províncias e o alcance de tréguas militares.
Note-se que,
no essencial, esta proposta vai ao encontro da minha reflexão de 04 de Março de
2015 sobre o artigo
de análise do Prof. Dr. André Thomashausen, publicado no dia 24 de Fevereiro de
2015 pela África Monitor Intelligence,
em torno da então aparente "crise política" decorrente dos resultados
das eleições gerais de 15 de Outubro de 2015 em Moçambique.
Naquela
reflexão eu observava o facto de, na óptica daquele Doutor Professor, Constitucionalista,
as eleições gerais de 15 Outubro de 2015 teriam aprofundado a expressão territorial da divisão política
de Moçambique ao atribuírem uma vantagem
incontestável ao partido da oposição RENAMO em seis províncias,
nomeadamente: Sofala, Manica, Tete, Zambézia, Nampula e Niassa.
Subsequentemente,
fiz notar que as Províncias de Niassa e Tete, a par da de Cabo Delgado, as três
constituíram o principal berço das operações da guerrilha da FRELIMO (refiro-me
a Frente de Libertação de Moçambique e não ao Partido Frelimo) contra o regime
colonial português durante a Luta Armada de Libertação Nacional. Por isso,
constituem o berço da Revolução Popular, devendo historicamente serem
consideradas baluartes políticos do Partido Frelimo e não se justificar a
vitória da oposição, como aconteceu em Cabo Delgado. Mas também se pode supor
que a Frelimo ganhou em Cabo Delgado pelo simples facto de o seu candidato
presidencial ser oriundo daquela Província.
Porém, as clivagens
políticas, que na óptica de André Thomashausen estavam a tomar expressão territorial, remontam desde os
primórdios da fundação da FRELIMO. Elas prevaleceram e foram tomando feições
diversificadas ao longo de toda a histórica gesta revolucionária e mesmo depois
da Independência Nacional a 25 de Junho de 1975.
As clivagens
internas na família moçambicana manifestaram-se sob variadas formas de
expressão, incluindo a guerra dos 16 anos, bastando até ver isso reflectido na
composição do Governo de Transição em 1974, logo após a assinatura dos Acordos
de Lusaka, a 07 de Setembro de 1974, e pelo facto de quanto intelectuais
existiam aquando da criação da FRELIMO, suas origens, e quantos sobreviveram
até aos Acordos de Lusaka: Todos eles, a excepção de Eduardo Mondlane, o único
da Região Sul do País, foram declarados reaccionários e mortos.
Notava ainda
naquele texto que tais clivagens políticas foram sendo resolvidas com medidas
políticas drásticas, incluindo a morte por assassinatos, combinadas com outras
medidas paliativas que visavam ultrapassar crises de momentos durante a Luta
Armada de Libertação Nacional e nos tempos subsequentes.
Foi tendo em
consideração a tais contextos históricos que conclui que mesmo o Acordo Geral
de Paz (AGP), assinado em Roma a 4 de Outubro de 2002, e o Acordo de Cessação
de Hostilidades, assinado em Setembro de 2014, cuja implementação encara
impasses após impasses, não passavam igualmente de soluções paliativas.
Adiantava
ainda eu que, contudo, estas medidas políticas paliativas vinham sempre sendo
tomadas tendo em vista a busca de soluções para a paz, estabilidade e
desenvolvimento socioeconómico de Moçambique sob o estandarte da Unidade
Nacional. Mas o que se tem verificado é que, amiúde, tal Unidade Nacional tem
sido posta em causa com os pretextos regionalistas similares aos que se
reivindicava na forma de Governo de Gestão ou Regiões Autónomas, entre outras
formas de reivindicação política que a Renamo sempre colocou ao público como
expressão das Regiões Centro e Norte do País.
Nesta
óptica, eu já inferia que, apesar do mérito de resolver pontualmente a
problemática da actual "crise política" que está a aprofundar a expressão territorial da divisão política
de Moçambique, aquela proposta do Constitucionalista André Thomashausen sobre a instalação do Conselho das
Províncias, por si só, não constituía uma solução efectiva do problema. Ela enfermava
de ser mais uma mediada paliativa que adiava, mais uma vez, o problema de fundo
que é a apetência de acesso ao poder político pelos cidadãos a todo custo.
Por isso
mesmo, eu referi que se tornava necessário buscar soluções que passassem por dar
garantias de livre acesso ao poder político a todos os cidadãos, seja por via
de partidos políticos ou de forma independente, pois não se devia pretender
aliviar o problema, mas sim resolvê-lo em definitivo, na medida do possível.
Neste
sentido, sempre pareceu-me ser sensato que, ao se discutir a implementação
imediata do Conselho das Províncias, se repensasse na reformulação dos
princípios constitucionais do sufrágio universal em Moçambique. Pois estava suficientemente
claro que o actual modelo de participação política, apenas via associações
políticas ou partidos políticos no exercício do direito ao sufrágio universal é
problemático, devido à sua constante tendência de bipolarização política em
torno da Frelimo e da Renamo, numa base regional e pondo em causa a Unidade
Nacional.
Foi então que
eu adiantei, a quem de direito e por que me fora solicitado o fazer, que se
devia reflectir seriamente nas seguintes possibilidades:
- Que os deputados da Assembleia da República e os membros das Assembleias Provinciais fossem eleitos nominalmente e não por via de listas partidárias, sejam eles filiados a associações políticas ou não. Isto é, que houvesse espaço para candidaturas independentes de modo a que, em cada círculo eleitoral (que corresponde as nossas Províncias), os eleitores escolhessem cidadãos concretos para os representarem;
- Que os governadores das províncias fossem eleitos em sufrágio universal nominal, em paralelo com a eleição dos membros das Assembleias Provinciais, por via dos partidos políticos ou como candidatos independentes;
- Que formaria governo a força política que vencesse as eleições gerais por maioria absoluta; e
- Que o líder da oposição fosse necessariamente o líder da segunda maior força política com representação na Assembleia da República;
Naquela
reflexão referi igualmente que a actual forma de sufrágio universal, no
exercício do voto, os eleitores moçambicanos parece conferir apenas legitimidade
ao Presidente da República e aos partidos políticos concorrentes, sem porém
conferirem legitimidade aos deputados da Assembleia da República e aos membros
das Assembleias Provinciais. Este é um facto que não tem conformado com a
vontade dos governados.
Consequentemente
concluía, e com muita razão, que a falta de independência dos deputados e dos
membros das Assembleias Provinciais os torna reféns dos códigos de disciplina
partidária e das vontades dos respectivos líderes políticos, divorciando-se,
por consequência, dos seus eleitores ou dos governados. O contrário não seria
problema quando fosse da tomada de posse dos deputados e membros da Renamo na
Assembleia da República e nas Assembleias Provinciais em sempre se fica na
suspeição de se vão ou não tomar posse.
Fico feliz
ao tomar conhecimento que, afinal, os Mediadores e/ou Facilitadores
Internacionais no actual Diálogo para a Paz entre o Governo e a Renamo parece
alinharem no mesmo diapasão com o meu ponto de vista, ao mesmo tempo que
lamento o facto de, o Governo, a quem sirvo como funcionário público, me tenha
solicitado aquela reflexão para depois a ignorar. Não sei a que se deveu.
Provavelmente tenha falhado o canal de comunicação e não tenha chegado em
devido tempo a quem de direito. Porém, surpreendeu-me saber que a mesma ideia
tenha sido apropriada pelo Movimento Democrático de Moçambique (MDM) e vincada
nos termos da proposta dos Mediadores e/ou Facilitadores Internacionais do
Diálogo como se segue:
“Em
aplicação do acordo estabelecido e assinado aos 17 de Agosto de 2016, as
Delegações do Presidente da República e do Presidente da Renamo concordam em
enviar à Assembleia da República a seguinte lista de princípios gerais
atinentes ao processo de descentralização administrativa do País.
Tais
princípios constituem orientações para a acção legislativa do Parlamento sobre
revisão da legislação vigente que deve ser aprovada antes das próximas
eleições, (nomeadamente: Revisão Pontual ou Substancial da Constituição da
República de Moçambique (CRM), Revisão da Lei dos Órgãos Locais do Estado e seu
Regulamento, Revisão da Lei das Assembleias Provinciais, Aprovação da Lei dos
Órgãos de Governação Provincial, Aprovação da Lei de Finanças Provinciais,
Revisão da Lei de Bases da Organização e Funcionamento da Administração
Pública, Reexame do Modelo de Autarcização de todos os distritos conforme a Lei
3/94).
Para o
efeito, os seguintes princípios não deverão ser contraditos pelas leis que
serão aprovadas pelo Parlamento relativamente a este assunto:
PREÂMBULO
Uma paz
duradoura não depende só do calar das armas e da solução dos aspectos militares
do conflito (que representam a sua pré-condição), mas também da construção de
um Estado mais eficaz, estável, inclusivo, do crescimento económico, da justiça
económica e social (distribuição horizontal e vertical de recursos públicos),
do enraizamento da paz na mente, na prática, nas culturas das pessoas e
instituições.
1.
A
descentralização administrativa representa um elemento fundamental deste
processo amplo;
2.
A República
de Moçambique é um Estado unitário, que respeita, na sua
organização, os princípios da desconcentração do poder, descentralização
territorial da administração pública e da autonomia das autarquias locais;
3.
A autonomia
das províncias não afecta a unidade do Estado e exerce-se no quadro da
Constituição e da lei. Cabe à lei definir a relação entre os diferentes níveis
de administração do Aparelho do Estado;
4.
O Governo
Provincial é o órgão executivo colegial, responsável pela execução do programa
de governação aprovado pela respectiva Assembleia. O Governo Provincial é
dirigido pelo Governador da Província escolhido localmente. O Governador da
Província é, ainda, responsável em coordenação com o Governo Central, pela
implementação das políticas nacionais e do projecto do âmbito central;
5.
Os membros
do Governo Provincial são nomeados pelos Governadores. Os Administradores
Distritais são nomeados pelo Governador das respectivas Províncias, aprovados
pelas respectivas Assembleias Provinciais;
6.
Às
Assembleias Provinciais compete aprovar o programa do Governo Provincial,
fiscalizar e controlar o seu cumprimento. Compete também aprovar os orçamentos
anuais, assim como outras iniciativas de investimentos. Compete também à
Assembleia Provincial fiscalizar o cumprimento das deliberações provinciais, controlar
a observância dos princípios e normas estabelecidos por lei;
7.
Cada
programa provincial deve incluir um projecto de Reconciliação entre as
populações, entidades políticas, económicas e sociais, envolvendo instituições
da sociedade civil existentes no território e ao nível nacional;
8.
Cada
programa provincial deve incluir medidas por uma luta credível contra a
corrupção;
9.
As
Assembleias Provinciais podem ser dissolvidas caso se rejeite por duas vezes e
após debate do programa do Governo Provincial. Novas eleições para as
Assembleias Provinciais serão convocadas pelo Presidente da República;
10.
Devem ser
claramente estabelecidas as matérias de competência do Governo e das
Assembleias Provinciais, as matérias de competência do Governo Central e de
matérias concorrentes;
11.
A cada
província deve ser, por lei, atribuído certo grau de autonomia financeira a ser
exercitado no quadro da Constituição e da lei, respeitando os princípios de
estabilidade orçamental, estabilidade das relações financeiras, solidariedade
entre as províncias, coordenação, transparência e controlo;
12.
Os Órgãos
Centrais do Estado asseguram a sua representação nos diversos escalões
territoriais, sem interferência nas atribuições e competências dos Órgãos
Eleitos;
13.
Cabe ao
Parlamento estabelecer claramente as competências dos Órgãos Eleitos e as
representações dos Órgãos Centrais do Estado;
14.
As entidades
e organizações representadas na mediação monitorarão a implementação dos
princípios que nortearão a revisão da Constituição da República. Uma vez acordados
e entregues os princípios que nortearão a revisão da Constituição da República
ao Parlamento, declarar-se-á uma trégua para permitir discutir e resolver o
assunto sobre a governação provisória da Renamo nas Províncias, num ambiente
mais favorável. Após o alcance dum acordo sobre este assunto, assim como os
outros pontos previstos na Agenda do Diálogo, a trégua tomar-se-á definitiva,
com vista ao cessar-fogo e ao previsto encontro do diálogo ao mais alto nível,
concluindo-se assim o processo das negociações em curso”.
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