REFUGIADOS QUE NÃO SÃO REFUGIADOS
Salomão Muiambo, em Kapisi – Malawi
NOTÍCIAS – 07.03.2016
ASSUMAMO-LOS
como refugiados. Mas em bom rigor eles ainda não o são. São, isso sim,
moçambicanos que abandonaram as suas terras de origem em N’kondedzi, Monjo,
Ndandi, Makululu e Kabango, no posto administrativo de Zobwe, Distrito de
Moatize, em Tete, para se instalarem no campo de assentamento de Kapisi, em
Mwanza, no vizinho Malawi, servindo de instrumento de pressão política para
fins inconfessos.
Até porque
tecnicamente o país não está em guerra para produzir refugiados, mesmo
admitindo-se a existência de alguns focos muito bem localizados de
instabilidade.
O Notícias investigou o cenário que se vive principalmente em N’kondedzi e Monjo, de onde é originária a maior parte dos concidadãos deslocados para o Malawi e visitou o campo de assentamento de Kapisi, trazendo nesta reportagem algumas constatações.
OS FACTOS
Com a
assinatura do Acordo Geral de Paz, em 1992, entre o Governo e a Renamo, antigos
guerrilheiros da Renamo deslocaram-se de Gorongosa e Marínguè, em Sofala, para
se fixarem nos povoados acima referidos, tendo inclusivamente constituído
famílias alargadas. Porém, permaneceram sempre armados e sempre atentos às
ordens do “comandante”.
Ndandi,
Monjo, N’kondedzi, Makululu e Kabangu possuíam, até há bem pouco tempo, bases
militares da Renamo, as quais vieram a ser destruídas pelas Forças de Defesa e
Segurança.
Veio então o
Acordo de Cessação das Hostilidades Militares (ACHM) entre o Governo e a
Renamo, a 5 de Setembro de 2014. Mais de 100 guerrilheiros da Renamo foram enviados
para aqueles povoados, idos de Maringuè e Gorongosa em Sofala. Estes foram
divididos em grupos de sete homens cada pelos diferentes povoados deste posto
administrativo. Objectivo: criar instabilidade. Mas um pouco antes deste acordo
já reinava naqueles povoados um clima de tensão, senão vejamos:
1. No dia 13 de
Fevereiro de 2014 quatro homens armados confirmados da Renamo assaltaram, pelas
23 horas, o povoado de Magalawanda, raptando um cidadão de nome Armando
Sandifune, por sinal, Líder Comunitário do II Escalão.
2. No dia 3 de Março de 2014, homens
armados da Renamo assaltaram o povoado de Tswende, raptando Walasse Diasse,
Líder Comunitário do II Escalão.
3. No dia 28 de Março de 2014, cerca da
uma hora, homens armados da Renamo atacaram a residência do Chefe da Localidade
de N’kondedzi, Orlando Aviso Supinho, que escapou a morte por simples milagre.
4. No dia 10 de Junho de 2014, sete
homens armados da Renamo raptaram, no povoado de Chidokwe, o Líder Comunitário
do II Escalão, Fandissone Divaissone, submetendo-o a todo o tipo de sevícias.
Este, por sorte, veio a ser libertado, ao contrário do que aconteceu com os
outros brutalmente assassinados.
5. No dia 27 de Outubro de 2015 homens
armados raptaram o Líder Comunitário do II Escalão, Fernando David N’kwezi, do
povoado de Nagulo. Depois de torturado foi posto em liberdade.
6. No dia 27 de Outubro de 2015, na
localidade de Magalawanda, homens armados da Renamo raptaram Mosse Susteni
Guetsi, Líder Comunitário do III Escalão, pilhando todo o seu celeiro e outros
bens.
7. No dia 28 de Janeiro de 2015, por
volta das 22 horas, sete homens armados da Renamo raptaram dois Líderes
Comunitários do III Escalão, no povoado de Mutwagulu. São eles Dureis Razão
Sole e Armindo José Almeiro, os quais ficaram quatro meses nas masmorras da
Renamo.
8. No dia 28 de Setembro de 2015 no
povoado de Ndandi, homens armados da Renamo raptaram o Líder Comunitário do II
Escalão, Campenhetete Eduen Chathima.
9.
No dia 21 de
Outubro de 2015, também em Ndandi, os mesmos homens armados da Renamo raptaram
a Líder Comunitária do III Escalão, Joaquina Bonongwe.
Vários
outros raptos foram acontecendo, envolvendo não só Líderes Comunitários, mas
também figuras influentes na zona, indiciadas de fortes ligações com o Partido
Frelimo.
Os mesmos
homens armados da Renamo protagonizavam ataques sistemáticos contra as Forças
de Defesa e Segurança (FDS) nas suas operações de manutenção da paz e
tranquilidade. Ou seja, o que reinava naqueles povoados era tudo menos a lei e
ordem.
É então,
quando cansadas desta “humilhação”, as FDS decidem empreender uma verdadeira
“caça” a todo o indivíduo portador ilegal de arma de fogo.
A operação,
confessa-se, não foi fácil pois, os homens armados da Renamo confundiam-se com
a população. Aliás, parte desta população foi cúmplice dos desacatos
protagonizados pela Renamo, protegendo os homens armados da Renamo e não os
denunciando perante as autoridades competentes.
Não haja
então, qualquer dúvida de que a resposta dada pelas FDS nesta operação foi
enérgica, ou seja bem contundente, o que levou os homens armados da Renamo a
fugirem em debandada, uns para as florestas e outros para lugares incertos,
onde se supõe continuem escondidos.
Nesta fuga,
e já em situação de desvantagem no confronto militar com as FDS, os homens
armados da Renamo foram difundindo mensagens apelando à população para
abandonar imediatamente as suas residências e a se dirigir para o Malawi
alegando insegurança.
É assim que
começa, em Julho de 2015, a entrada de moçambicanos no Malawi, sobretudo para
os povoados de Kasuza, Kapisi, Luwani, Makanani e Mpeni.
O número de
moçambicanos no campo de assentamento de Kapisi, no Malawi, tende a crescer até
hoje porque a Renamo não parou de fazer campanha no sentido de a população
abandonar as zonas alegadamente por razões de guerra. Ou seja, a Renamo
encontrou, por esta via, um instrumento de pressão à opinião pública nacional e
internacional para dar a entender que em Moçambique há guerra.
Depreende-se
assim que no Malawi não existem refugiados, na verdadeira acepção da palavra,
mas sim pessoas instrumentalizadas politicamente para dar o cenário de
instabilidade político – militar no país. Aliás, politicamente, a existência de
“refugiados” no Malawi interessa a própria Renamo, simplesmente para sustentar
a tensão político – militar no país, tensão essa que pretende perpetuá-la para
obter dividendos políticos.
DRAMA EM KAPISI
Em Kapisi,
no Malawi, estão assentadas pouco mais de oito mil pessoas. Mas o Alto-Comissariado
das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), que insiste na existência de
“refugiados” moçambicanos no Malawi, fala em pouco mais de dez mil.
As condições
alimentares não são das melhores, a comida não chega para todos, as condições sanitárias
são simplesmente dramáticas, enfim, estes moçambicanos vivem no calvário.
A malária e
as diarreias tomam conta diária das crianças e também dos adultos.
Os
“refugiados”, ou melhor os deslocados moçambicanos no Malawi, vivem em pequenas
cabanas próximas umas das outras, em famílias geralmente alargadas. As crianças
não vão à escola nenhuma, as mulheres não vão à machamba, os jovens e adultos
não vão à pastorícia, enfim as suas vidas estão estagnadas.
“Em Moçambique deixamos muita terra arável; deixamos as nossas crias. Temos gado, temos cabritos, porcos, galinhas. Aqui não temos nada. A nossa vida está parada. E não temos como voltar porque dizem-nos que não há paz.
O nosso
apelo é que os governantes se entendam para que nós possamos regressar e
retomar pacificamente a nossa rotina diária”, desabafou Fastone Chimwala, de 23
anos, que, sob forte vigília dos responsáveis do campo, falou ao nosso jornal.
Por seu
turno, Betinho Adelino, de 42 anos, condicionou abertamente o seu regresso à
casa, à ascensão do líder da Renamo ao poder: “Nós queremos a paz para
voltarmos às nossas casas. Mas só podemos voltar quando Dhlakama governar o
país. Aqui não temos condições de vida”, queixou-se ao mesmo tempo que se
recusava a aceitar que em N’kondedzi, como em qualquer outro povoado de Zobwe e
de Moatize, e do país em geral, reina a paz e tranquilidade.
Aliás, estes
responsáveis não permitiam sequer o registo de imagens, sobretudo imagens que
ilustram o drama em que vivem os cerca de dez mil moçambicanos naquele centro
de acomodação.
Hilary
Namakhwa, do Ministério do Interior do Malawi e Director do Campo, diz que tudo
está a ser feito tendente à criação de melhores condições para os deslocados e
refere que o regresso destes às terras de origem em Moçambique só pode ser de
forma voluntária e não forçada.
Ressalvou
que, para que isso aconteça, é necessário um trabalho sério entre os governos
de Moçambique e do Malawi com o envolvimento de outras partes interessadas como
o ACNUR e parceiros.
REGRESSEM ÀS ORIGENS
O apelo das
autoridades governamentais é no sentido de que todos os moçambicanos,
alegadamente refugiados no Malawi, regressem ao país, pois não há guerra e
ninguém sofre perseguições de qualquer espécie.
Maria José
Torcida, Administradora do Distrito de Moatize, disse que o Governo tem
visitado a população concentrada em Kapisi e tudo o que tem feito é no sentido
de que esta regresse ao país porque “não há guerra”.
“A vida de
cada uma daquelas pessoas parou. O que temos que fazer conjuntamente, é
sensibilizar a cada uma daquelas pessoas para regressar a Moçambique” contou a
administradora, mais tarde secundada pelo Chefe da Localidade de N’kondedzi,
Orlando Aviso Supinho.
Supinho
disse que a localidade está preocupada com a fuga massiva da população em
obediência a apelos da Renamo que sistematicamente incita à violência.
“A população vive amedrontada e por isso busca lugares seguros. O que não podemos compreender é que no lugar de se “refugiar” em zonas seguras no interior de Moçambique, como por exemplo a sede do Posto Administrativo de Zobwe ou mesmo a sede de Moatize, a população prefira serpentear montanhas, com todos os riscos dai decorrentes para o vizinho Malawi”, lamentou Aviso Supinho, implorando a população para que se mantenha nas suas zonas de origem, pois as Forças de Defesa e Segurança lá estão instaladas para a garantia da ordem e tranquilidade públicas.
Mas, ao
contrário do que se alega sobre o clima de instabilidade, a nossa reportagem
esteve em N’kondedzi onde testemunhou o funcionamento normal das instituições
públicas. O comércio, as escolas funcionam normalmente, há uma livre circulação
de pessoas e bens e as Forças de Defesa e Segurança mantêm-se firmes e
determinadas na garantia da ordem e tranquilidade públicas.
Entretanto, o Notícias está na posse de uma lista dos principais cabecilhas da Renamo que incitam a população a abandonar as suas zonas de origem para o Malawi e a não aceitar o regresso às origens sem que Afonso Dhlakama governe, pelo menos nas seis províncias em que reclama a vitória nas últimas eleições.
Da extensa
lista, destaque vai para:
1. Luís Passinguesse
2. Alberto Passiunguesse
3. Luciasse
4. Waissone Siquinala
5. António Gaulane
6. Grerse Fraquissone
7. Jossamu Fiquissone Magange
8. Micheque Madungu
9. Catarina Stuale
10. Fátima Sonto
11. Julião Sonto
12. Tomasse Yohane
13. Efrija Langwane
14. Missindi Chilimanjara
15. Agnesse Chilimanjara, entre outros.
Muitos
destes são delegados da Renamo em diferentes povoados do Posto Administrativo
de Zobwe e outros serviram como delegados deste partido nas eleições de Outubro
de 2014, a maior parte destes, senão todos, encontram-se “refugiados” no
Malawi.
Algumas
mulheres constantes da lista dirigiam a liga feminina da Renamo nesses povoados
e estão na linha da frente no que tange à mobilização da população para se
retirar das zonas de origem para o Malawi.
No dia 01 de
Março de 2016, por exemplo, data a partir da qual supostamente a Renamo deveria
iniciar a sua governação, a própria Vila de Zobwe esteve parcialmente deserta,
à espécie de um recolher obrigatório, pois a população não sabia o que iria
acontecer na sequência dessa campanha.
É de
destacar aqui que, num passado não muito distante, o Malawi acolheu milhares de
moçambicanos lá refugiados, fugindo da guerra movida pela Renamo e, por via
disso, beneficiou de ajuda canalizada pelo Alto-Comissariado das Nações Unidas
para os Refugiados e parceiros, sabido que o país está a braços com problemas
socioeconómicos.
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