AS 12
HISTÓRIAS DA VIDA DE LULA
(mais uma
que ele não queria que você soubesse)
Observador, 16 Março 2016
O pai deixou-o antes de nascer. Cresceu na
miséria e foi obrigado a vender laranjas para fugir à pobreza. Foi Presidente
do Brasil e um dos mais amados - mas os escândalos não o largam.
Luiz Inácio Lula da Silva.
Ex-metalúrgico, sindicalista, revolucionário. Fundador do Partido dos
Trabalhadores (PT) e antigo Presidente do Brasil. Autor do milagre económico
que colocou o Brasil no restrito clube dos BRIC, ao lado das potências como a
Rússia, Índia e China. Aclamado pelo povo, lembrado por algumas das mais
importantes revoluções sociais de que há memória no país.
De herói a candidato a vilão num
piscar de olhos chamado “Lava-Jato” – antes o “Mensalão” já tinha feito tremer
a popularidade do mentor de Dilma Rousseff. Agora, vai ser Chefe da Casa Civil
da Presidente do Brasil. Manobra desesperada para fugir à Justiça, diz a
oposição. Para devolver ao país a pujança económica de outros tempos, garante o
Governo brasileiro. Mas, afinal, quem é Lula da Silva?
1. Abandonado pelo pai ainda antes de nascer
“O sertanejo é antes de tudo um forte.
Cunhada pelo escritor Euclides da Cunha, a frase parece se ajustar à
personalidade de Lula desde o seu nascimento”. Assim começa a biografia de Lula
da Silva
disponível na página oficial do Instituto que ajudou a fundar.
Nascido a 27 de Outubro de 1945, em
Caetés, uma pequena cidade localizada no interior de Pernambuco, com pouco mais
de 26.386 habitantes, Luiz Inácio da Silva – a alcunha “Lula” colar-se-ia
depois, como uma segunda pele – cresceu numa casa com apenas duas divisões e
chão de terra batida. Luz, água canalizada e saneamento eram uma miragem que os
pais – um casal de lavradores analfabetos – não podiam comportar.
O pai, Aristides Inácio da Silva, acabaria por deixar a família a poucos
dias de Lula nascer. Rumou a São Paulo, à procura de uma nova
sorte, com a prima da mulher – com quem acabaria por formar uma nova família.
Com sete anos, o pequeno Lula deixa o
Pernambuco em direcção ao litoral de São Paulo, acompanhado pela mãe e pelos
irmãos. À boleia de um “pau-de-arara”, uma carrinha de caixa aberta usada,
muitas vezes, para transportar emigrantes do nordeste brasileiro, esperavam
reencontrar-se com o pai.
Numa entrevista ao Hoje em Dia, um jornal diário de Minas
Gerais, Lula chegou a descrever o “pau-de-arara”: “É uma tábua atravessada na
carroçaria do caminhão. Não tem nem encosto atrás. Não é um banquinho de
madeira. É uma tábua grudada na carroçaria. Você senta e não tem encosto. A
gente pode cair. Tinha umas 30, 40 pessoas dentro do camião. A gente dormia na
calçada. Se esticava e começava a dormir ali. Às vezes, com um cobertorzinho.
E, de repente, a gente acordava debaixo da chuva e tinha de correr para debaixo
do camião. Não cabia todo mundo. Ficava todo mundo amontoado debaixo do
camião.”
De
facto, Lula reencontrou o pai. A ele e à nova família de Aristides. A
convivência não seria fácil: Eurídice, ou Dona Lindu, a mãe de Lula, e o resto
da família eram vítimas fáceis e constantes da fúria de Aristides. Acabariam
por se afastar do chefe da família.
Lula
da Silva chegou a descrever assim a separação dos pais: “Nós ficamos em
liberdade? A gente passou a viver melhor. Era uma pobreza com liberdade. Então,
a separação dos meus pais, no fundo, no fundo, foi uma grande liberdade.”
2. A fábrica de parafusos que lhe roubou o mindinho
Lula da Silva foi obrigado a trabalhar
desde muito novo. Ainda frequentou a escola, para desprezo do pai, durante a
curta convivência entre os dois. Vendeu laranjas, trabalhou no cais, foi
engraxador. Tudo isto e mais uns quantos biscates desde os oitos anos.
Acabaria por ter de deixar a escola
aos 14 anos, quando a mãe – solteira e com uns quantos filhos a seu cargo – já
não conseguia suportar a família numerosa. Começou a trabalhar numa fábrica de
parafusos de má memória: certo dia, acabou com o dedo mindinho esmagado por um
torno mecânico. No hospital, depois de horas sem assistência médica, decidiram
cortar o dedo.
Tinha 17 anos quando isso aconteceu.
São Paulo brotava e tornava-se uma das regiões mais industrializadas do país,
onde cresciam marcas como a Scania e
a Volkswagen. Um ano depois, deu-se o
golpe militar de 1964 que roubou a liberdade ao Brasil. E Lula da Silva
voltava-se para o sindicalismo.
3. Os primeiros passos no sindicalismo
A descrição consta no perfil
disponibilizado pelo Instituto Lula. No virar da adolescência, a política e o
sindicalismo ainda não era uma paixão – era a redondinha que preenchia os sonhos do futuro
Presidente do Brasil.
Seria o irmão de Lula, José Ferreira
da Silva – ou Frei Chico -, então militante do Partido Comunista Brasileiro –
votado à clandestinidade, a convencê-lo a frequentar as reuniões sindicais.
Cinco anos depois do golpe militar, em
1969, é convidado a ocupar uma vaga de suplente na direcção do sindicato. E
começava aí a carreira de sindicalista de Lula da Silva. Ao mesmo tempo, sofria
um golpe duro na vida pessoal.
4. A morte da primeira mulher e do filho por nascer
24 de Maio de 1969. Lula da Silva
casava com Maria de Lourdes, uma “morena de cabelos compridos, muito bonita,
conservadora, sem nenhuma formação política, muito trabalhadora”, como chegou a
descrever o ex-Presidente do Brasil.
Eram vizinhos no bairro operário da
Ponte Preta, onde a miséria era generalizada. Conheceram-se, apaixonaram-se e
casaram, como em tantas outras histórias. No entanto, Lourdes acabaria por
morrer, quando estava grávida de oito meses do primeiro filho do casal, em
1971, depois de ter contraído hepatite. Os médicos ainda tentaram salvar a mãe
e filho através de uma cesariana. Em vão. Para Lula da Silva, no entanto,
Lourdes morreu por negligência.
“A Lourdes tinha ficado grávida e, no
sétimo mês da gravidez, ela pegou hepatite. Ninguém me tira da cabeça que ela
morreu por negligência da rede hospitalar do Brasil, por problemas de
relaxamento médico. Porque ela estava com anemia profunda e uma hepatite
crónica. Ela poderia ter sido melhor tratada.
Morreu sem que houvesse nenhuma
assistência para ela. Eu fui ao hospital e vi. Ela gritava, ela gritava, ela
gritava. Não tinha um médico para atender, não tinha ninguém. Sinceramente, eu
tenho muitas restrições a esses médicos que estavam no hospital. Hoje, eu tenho
consciência de quanto um desgraçado de um pobre passa nos hospitais”, revela na
biografia autorizada Lula, o Filho do Brasil.
5. A prisão às mãos da Ditadura militar
Em 1974, teve uma filha chamada Lurian
com a enfermeira Miram Cordeiro, uma das muitas namoradas que foi somando
quando a vida era uma correria entre a fábrica, as festas e os bares.
No mesmo ano, no entanto, acabaria por
casar-se novamente com Marisa Letícia Rocco Casa – teria três filhos desse
casamento. Um ano depois, em 1975, chegava à liderança do Sindicato dos
Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema. Três anos depois, acabou a
liderar a primeira grande greve de operários do ABC paulista, a região
industrial do estado de São Paulo. Lula da Silva começava a tornar-se um
incómodo para a Ditadura militar, cada vez mais repressora.
Entre 1978 e 1980, Lula da Silva vai
liderando greves gerais que abalam o regime. Tinha de ser parado. A 19 de Abril
de 1980, acaba preso e passa 31 dias na cadeia. Sairia com um objectivo claro:
fundar um partido para dar nova força à luta.
Em 1981, porém, foi condenado pela
Justiça Militar a três anos e meio de prisão. Acusado de incitação à desordem
colectiva, recorreu e foi absolvido um ano depois.
6. PT – Um partido para lá dos trabalhadores
A ideia começara a fervilhar anos antes,
mesmo antes de ter sido preso pelo regime. O objectivo era dar à classe
trabalhadora uma forma mais activa de intervenção política. Em 1980, uma massa
indistinta de intelectuais, líderes religiosos, artistas, estudantes e, claro,
operários juntava-se num caldeirão heterogéneo para formar o Partido dos
Trabalhadores (PT).
Nasceu híbrido: não era uma extensão
tradicional das organizações sindicalistas, nem um herdeiro dos regimes
comunistas da União Soviética ou da China. Apolônio de Carvalho, militar e ex-preso
político, Mário Pedrosa, crítico de arte e literatura brasileiro, e Sérgio
Buarque de Holanda, jornalista, historiador e pai de Chico Buarque, foram os
três primeiros militantes do partido. Uma amostra do caldeirão em que foi
cozinhado o PT.
Paradoxalmente ou não, a primeira
reunião do PT aconteceu no colégio Sion, um reduto aburguesado. O partido foi
crescendo exponencialmente até se tornar, primeiro, no maior partido da
oposição e, depois, o maior partido do Brasil. E Lula crescia com ele.
7. As três grandes derrotas de Lula
Nove anos depois de fundar o Partido
dos Trabalhadores, Lula da Silva concorria às primeiras eleições presidenciais
directas. O Brasil respirava liberdade depois de 21 anos de ditadura. O petista acabaria derrotado
por Fernando Collor de Mello, candidato do Partido da Reconstrução Nacional
(PRN). Entre ataques políticos de parte-a-parte e manobras mais ou menos
obscuras, o fantasma do comunismo acabaria por minar a candidatura de Lula da
Silva.
Para contar melhor história, fica um
documentário britânico Beyond
Citizen Kane, onde são revelados alguns detalhes que, alegadamente,
terão favorecido a candidatura de Collor de Mello.
O filme repetir-se-ia não uma, mas
duas vezes. Em 1994, Lula da Silva entra novamente na corrida presidencial e
acaba derrotado pelo social-democrata Fernando Henrique Cardoso. Quatro anos
depois, em 1998, nova derrota, outra vez na primeira volta.
Só chegaria a Presidente do Brasil a
27 de Outubro de 2002, quando o Brasil caminhava a passos largos para a
estagnação económica. No caminho até ao Palácio do Planalto, derrotou o
ex-ministro da Saúde e então senador José Serra (PSDB).
No discurso de tomada de posse,
desabafou, em lágrimas: “E
eu, que durante tantas vezes fui acusado de não ter um diploma superior, ganho
o meu primeiro diploma, o diploma de Presidente da República do meu país.”
8. O Mensalão que não lhe impediu a reeleição
Estava a meio do primeiro mandato como
Presidente. Era Junho de 2005 quando Roberto Jefferson, então deputado federal,
deu uma entrevista ao Folha de São Paulo.
Da boca saíram-lhe informações que seriam a base do escândalo que marcaria a
década seguinte: havia deputados no Congresso brasileiro, muitos, que nos
últimos dois anos tinham recebido subornos (pagos com dinheiro público) a troco
de votos favoráveis às intenções do governo do país. Um escândalo de corrupção.
Os meses e anos de investigações
provaram que era sobretudo o Partido Trabalhista — o de Lula da Silva, portanto
— que estavam os deputados prevaricadores.
O Presidente, disse-o depois e na
altura, sentiu-se traído. “O tempo vai-se encarregar de provar que, no Mensalão, houve praticamente 80% de
decisão política e 20% de decisão jurídica. Acho que não houve Mensalão. Essa história vai ser
recontada, é uma questão de tempo, para se saber o que, na verdade, aconteceu.
Esse processo foi um massacre para destruir o PT. E não conseguiram”, disse
Lula, em Abril de 2014, numa entrevista à RTP.
O escândalo não o impediu de ser
reeleito, em 2006, para um segundo mandato. O ex-presidente sempre negou
qualquer envolvimento no caso. Em 2015, o Ministério Público brasileiro pediu o
arquivamento do último inquérito que ainda investigava suspeitas de ligação de
Lula da Silva ao Mensalão – alegados
pagamentos, a rondar os dois milhões de euros, feito pela Portugal Telecom ao Partido Trabalhista.
“Estamos todos no mesmo saco, o Lula,
a Dilma e eu”, terá dito José Dirceu, o então ministro da Casa Civil e um dos
principais suspeitos do caso, a fontes próximas, segundo uma reportagem que o Estadão publicou, o ano passado. Dirceu,
que entretanto já foi condenado a uma pena de sete anos e 11 meses de prisão
por corrupção activa, terá igualmente frisado que Lula da Silva nem chegou a
fazer “a defesa dele mesmo”.
9. A luta contra o cancro da laringe
Poucos meses depois de deixar a
Presidência do Brasil, em 2011, Lula enfrentava uma das batalhas mais difíceis
da sua vida: um tumor maligno de tamanho médio na laringe.
As sessões de quimioterapia acabariam
por provocar uma alteração drástica no visual do ex-Presidente do Brasil. Foi a
mulher, Marisa, que o ajudou a raspar a cabeça. Desapareceu o cabelo e a barba
que sempre o caracterizou. Foi um mal menor. Um ano depois, não havia sinais do
tumor.
10. A fase que puxou Lula para o Lava Jato
“Em busca da verdade”. Traduzido do
grego, eis o significado de Aletheia,
nome com que a Polícia Federal do Brasil baptizou a 24.ª Fase da Operação Lava Jato. A fase que tem Lula
da Silva como principal visado no esquema de corrupção que começou a ser
investigado em Março de 2014.
Ao contrário da investigação ao Mensalão, em que as autoridades visaram
uma acusação alargada, esta investigação dividiu-se por várias fases. E a fase
que envolve o ex-Presidente teve efeito na passada semana.
A polícia tocou à porta de Lula, em
São Bernardo do Campo, arredores de São Paulo, para o deter. Foi levado para
interrogatório porque o Supremo Tribunal Federal considerou válidas as
denúncias de Delcídio do Amaral, um senador do PT, que implicaram Lula da Silva
(e Dilma Rousseff, também) no escândalo da Petrobras.
Aos 70 anos, é alvo de um “mandado de
busca e apreensão e de condução coercitiva” — leia-se, está obrigado a depor
por ser suspeito de ter cometido crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Ou
estaria, porque, entretanto, Dilma convidou-o para liderar a Casa Civil do
Brasil, algo como ser primeiro-ministro do país.
Lula disse que sim, e nem esta
concordância o livrará de ter que prestar depoimento perante a justiça
brasileira. Nem mesmo o “foro especial por prerrogativa de função” do qual
gozam certos cargos políticos no Brasil, como o Observador explica aqui.
11. O Triplex…
Em Janeiro de 2016, os novos
desenvolvimentos no caso Lava Jato
acabariam por fazer manchete: o Ministério Público de São Paulo tinha começado a investigar se o ex-Presidente do Brasil
tinha ou não ocultado a posse de um apartamento triplex em Guarujá, no litoral de São Paulo.
Um imóvel que foi, alegadamente, cedido à família de Lula pela construtora OAS, investigada na Operação Lava Jato.
Em Março, a revista Veja divulgava novos detalhes sobre o suposto apartamento de
Lula: eram 297 metros quadrados, três quartos, uma suíte, cinco casas de banho, um quarto para a empregada, uma sala
de estar, uma área para festas com sauna e piscina na cobertura, entre outras
coisas.
De acordo com a investigação, o triplex terá sido
amplamente reformado por ordem de Lula da Silva – uma reforma que incluía,
inclusivamente, um elevador privado. O ex-Presidente do Brasil, no entanto,
sempre negou ser o proprietário do apartamento.
A 14 de Março, o jornal Estado de Minas trazia novos detalhes sobre o depoimento de Lula à Polícia
Federal, em que o antecessor de Dilma Rousseff admitia ter ido visitar o
apartamento, mas reafirmava que não era dono do imóvel.
12. (…) e o Aleijadinho de Lula
As más notícias, no entanto, parecem
não largar o ex-Presidente do Brasil. A 12 de Março, no decorrer das buscas à
casa de Lula da Silva e no âmbito da Operação
Lava Jato, a polícia brasileira encontrava um cofre com 23 caixas lacradas
e depositadas no Banco do Brasil desde 2011, altura em que Lula saiu da
Presidência do país.
Entre os bens encontrados foram
encontradas jóias, esculturas, canetas e outros bens que terá recebido enquanto
liderou o país.
E, aí, a revista Veja – que foi anti-Governo Lula durante muito tempo – dava
especial detalhe a um objecto em particular: um crucifixo barroco, obra de
António Francisco Lisboa, mais precisamente o “Aleijadinho, cujo rasto desapareceu no final do mandato de
Presidente Lula da Silva, em 2011.
O jornal Globo, no entanto, acabaria por contar uma versão diferente do
mesmo episódio: o “Aleijadinho”, afinal, pertence mesmo a Lula da Silva e
foi-lhe dado por José Alberto de Camargo, que era conselheiro do Instituto da
Cidadania e conselheiro do antigo Presidente.
13. E o que Lula não quer que se recorde
“No Brasil é assim: quando um pobre
rouba, ele vai para a cadeia; quando um rico rouba, ele vira ministro”. A frase foi repescada e usada vezes
sem conta desde o momento em que foi anunciada a hipótese de Lula da Silva ser
integrado no Governo liderado por Dilma Rousseff.
O ex-Presidente do Brasil terá dito
esta frase quando era ainda deputado federal do PT por São Paulo. Lula da Silva
disse-o em entrevista ao jornal “O Globo!”,
a 14 de Fevereiro de 1988, durante uma entrevista.
Lula referia-se, assim, aquilo que
acreditava ser a impunidade dos membros do Governo brasileiro. O petista dava os primeiros
passos na muito disputada corrida presidencial de 1989. José Sarney era o
Presidente, mas as acusações de corrupção em várias esferas do governo e de
nepotismo, porque favoreceria os amigos que trabalham nos meios de comunicação
social (rádios e televisões, nomeadamente), colaram-se-lhe à pele.
Sarney acabaria por não se candidatar,
mas, mesmo assim, Lula perderia essas eleições. 27 anos depois, o mentor de
Dilma Rousseff não esperaria certamente que a sua frase se voltaria contra ele.
A ESCUTA DE
LULA PARA DILMA:
“Fala,
querida…”
Observador, 17 de Março de 2016
O Juiz
Sérgio Moro libertou escutas telefónicas de conversas entre a presidenta e o
seu antecessor sob suspeita no Lava Jato.
Escutas revelam tentativa de governo de influenciar a justiça. Dilma nega.
Escutas telefónicas de conversas entre
Lula da Silva e Dilma Rousseff que ocorreram à hora de almoço desta
quarta-feira acabaram de ser reveladas na comunicação brasileira depois de ter
sido libertadas pelo juiz Sérgio Moro.
As conversas revelam grande
proximidade entre a Presidente do Brasil e o seu futuro chefe da Casa Civil e estão relacionadas com a
entrega de documentos confidenciais a Lula por ordem de Dilma.
Parte do diálogo que foi revelado pela
rede Globo, e que se verificou às 13h32 desta quarta-feira,
dia 16 de Março, é o seguinte:
- Dilma: Alô!
- Lula: Alô!
- Dilma: Lula, deixa eu te falar uma
coisa.
- Lula: Fala, querida. Ahn!
- Dilma: Seguinte, eu tô mandando o
‘Bessias’ junto com o papel pra gente ter ele, e só usa em caso de necessidade,
que é o termo de posse, tá?!
- Lula: Uhum. Tá bom, tá bom.
- Dilma: Só isso, você espera aí que
ele tá indo aí.
- Lula: Tá bom, eu tô aqui, fico
aguardando.
- Dilma: Tá?!
- Lula: Tá bom.
- Dilma: Tchau.
- Lula: Tchau, querida.
As escutas foram libertadas pelo juiz
Sérgio Moro e, de acordo com a lei brasileira, não estão ao abrigo de qualquer
segredo de justiça e inserem-se numa divulgação parcial de escutas que envolvem
contactos entre Lula da Silva e outros membros do governo brasileiro liderado
pelo Partido dos Trabalhadores (PT).
Foram ainda libertadas outras escutas
telefónicas que envolvem membros do Governo de Dilma Rousseff. Sérgio Moro vai
mais longe e diz mesmo que existem conversas que revelam que o ex-presidente “já sabia, ou pelo menos desconfiava,
de que estaria sendo interceptado pela Polícia Federal, comprometendo a
espontaneidade e a credibilidade dos diálogos”, cita o Globo.
A revista Veja cita mesmo um trecho das escutas em que é claro que Lula sabia
que iria ser detido em breve.
“Tô esperando segunda-feira operação
de busca e apreensão na minha casa, na casa do meu filho Fábio [e] do Paulo
Okamoto [ex-chefe de gabinete de Lula e presidente do Instituto Lula]. Vou
pensar se convoco deputados para surpreendê-los”, terá afirmado Lula, segundo a Veja.
Governo contacta magistrados – que recusam favorecimentos
Ministros como Eugénio Aragão
(Justiça), entre outros, terão sido contactados para recolher informações junto
do sistema judicial sobre as investigações do Lava Jato contra Lula da Silva.
Sérgio Moro, citado pelo Globo, diz que em algumas das conversas fala-se em “tentar influenciar ou tentar obter auxílio
de autoridades do Ministério Público ou da Magistratura em favor do
ex-presidente”. Isto é, Lula da Silva.
Sérgio Moro, no entanto, faz questão
de escrever no seu despacho que os juízes que foram contactados, rejeitaram
beneficiar Lula.
Alguns dos magistrados contactados
pertencem ao Supremo Tribunal Federal (STF) – o equivalente ao Supremo Tribunal
de Justiça de Portugal -, como a conselheira Rosa Weber. “A eminente
magistrada, além de conhecida por sua extrema honradez e rectidão, denegou os
pleitos da Defesa do ex-presidente”, lê-se no despacho citado pelo Globo.
Até o presidente do STF, Ricardo
Lewandowski, terá sido igualmente contactado.
A revelação destas escutas acaba por
ser mais uma pressão sobre a cúpula da magistratura judicial brasileira. Isto
porque a indigitação de Lula da Silva como chefe da Casa Civil da Presidência da República do Brasil — o equivalente ao
cargo de primeiro-ministro no caso do sistema político português — significa
que Lula ganha automaticamente o direito a um foro especial. Isto é, só poderá
ser investigado e julgado por um tribunal superior: precisamente o STF.
O juiz Sérgio Moro, contudo, justifica
a revelação das escutas telefónicas com a necessidade de proteger a justiça
brasileira. Ou seja, as escutas foram reveladas “apenas para deixar claro que as aparentes declarações
pelos interlocutores em obter auxílio ou influenciar membro do Ministério
Público ou da Magistratura não significa que estes últimos tenham qualquer
participação nos ilícitos”.
O magistrado acrescenta ainda que isso
“não tornar menos
reprovável a intenção ou as tentativas de solicitação” por
parte de membros do governo de Dilma Rousseff.
Sérgio Moro termina o seu despacho,
informando os agentes processuais que os autos relativos a Lula da Silva
seguirão para o Supremo Tribunal Federal após a tomada de posse do
ex-presidente como ministro chefe da Casa
Civil – cerimónia que estava prevista para a próxima terça-feira, dia 22,
mas foi antecipada para esta quinta-feira, dia 17.
Dilma reage: conversa tem “teor republicano”
Ao início da noite em Brasília, a
Presidência da República emitiu um comunicado violento contra o juiz Sérgio Moro, acusando-o
de violar a lei e a Constituição ao revelar as escutas telefónicas.
Antes de tudo, o órgão liderado por
Dilma Rousseff fez questão de esclarecer a conversa entre a presidenta e Lula.
Segundo o Palácio Planalto, Lula da
Silva irá tomar posse esta quinta-feira às 10 horas (hora de Brasília) no
Palácio do Planalto (sede da Presidência da República do Brasil) em “acto
conjunto, quando tomarão posse os novos ministros Eugénio Aragão, ministro da
Justiça; Mauro Lopes, secretaria da Aviação Civil; e Jacques Wagner,
ministro-chefe do gabinete pessoal da Presidência da República”.
Contudo,
e “uma vez que o novo ministro, Luiz Inácio Lula da Silva, não sabia se
compareceria à cerimónia de posse colectiva, a Presidenta da República
encaminhou para sua assinatura o devido termo de posse. Este só seria utilizado, caso
confirmada a ausência do ministro”, lê-se no comunicado do
Palácio do Planalto citado pelo jornal Folha de São Paulo.
“Assim,
em que pese o teor
republicano da conversa, repudia com veemência sua divulgação
que afronta direitos e garantias da Presidência da República”, conclui-se no
texto do órgão máximo político da República brasileira.
Dilma
Rousseff ameaça, através deste comunicado, tomar “todas as medidas judiciais e
administrativas cabíveis serão adoptadas para a reparação flagrante violação da
lei e da Constituição da República, cometida pelo juiz autor do vazamento [divulgação]
”.
Comentários
Enviar um comentário