RELATIVIZANDO
Nyusi e Frelimo
Por Ericino de Salema, Savana, 04.03.16

Há algumas semanas, manifestámos, aqui neste espaço, o nosso profundo desacordo com as atitudes irresponsáveis da Renamo, com referência ao facto de, naquela semana, Horácio Calavete, chefe de mobilização e propaganda do maior partido da oposição ao nível da província de Sofala, ter afirmado, em conferência de imprensa por si convocada na cidade da Beira, que a Renamo iria montar postos de controlo em vários pontos da região centro do país, com o objectivo de se efectuar a verificação de carros que fossem suspeitos, em face da onda de assassinatos e raptos de que os seus correligionários estavam a ser vítimas.

De facto, o nosso desacordo não era com o facto de a Renamo julgar que deveria fazer algo para que se acabasse com situações tais – que, até prova em contrário, tinham como vítimas tanto elementos da Renamo como os da Frelimo, com aparente destaque para os do primeiro (Renamo) –, mas com o facto de o partido de Afonso Dhlakama estar a arquitectar acções contrárias ao quadro legal em vigor em Moçambique.

Coincidência ou não, o certo é que alguns dias depois de Calavete ter-se pronunciado naqueles moldes de absoluta irresponsabilidade, re-eclodiram os ataques a viaturas nalguns troços na Estrada Nacional número um (EN 1).

Não temos, referímo-lo há semanas, igualmente neste espaço, ciência dos que estão a engendrar acções tais, a não ser o que têm sido dito pelos media, muitas vezes com recurso a fontes com interesse directo na matéria, sem quase nada de adicional para efeitos de consubstanciação independente.

Na mesma esteira das declarações calavetianas, se enquadra a promessa da Renamo em governar as seis províncias nas quais reivindica ter ganho nas eleições de 2014, isso a partir do mês que iniciou esta terça-feira (Março).

Em boa verdade, só quem acompanha apaixonadamente a política doméstica é que pode interpretar essa promessa do maior partido da oposição como pretendendo significar o que literalmente se capta do sentido das palavras. Mas esse é assunto para elaborações outras!
 
Nas últimas semanas, sobretudo desde que re-eclodiram os ataques a viaturas viaturas nalguns pontos da EN 1, temos estado a assistir a marchas promovidas por organizações pertencentes ao partido Frelimo ou a ela próximas, supostamente de repúdio à guerra.

Entretanto, parece haver muitos equívocos no conteúdo dessas acções: aos dirigentes da Renamo, a quem se pede que primem pelo diálogo, são dirigidos impropérios, alguns até inimagináveis, que, a nosso ver, têm o potencial de funcionar como gasolina sobre fogo; e, ainda, tudo é ecoado como se apenas a Renamo, e somente a Renamo, tivesse responsabilidades no re-estabelecimento da paz efectiva em Moçambique.

Algumas das coisas que a Renamo coloca, ou colocara, à mesa das negociações, por exemplo, como é o caso da partidarização do Estado, não são apenas reclamações da Renamo, mas de muitos quadrantes da sociedade. Aliás, antes mesmo das reclamações da Renamo, o relatório do Mecanismo Africano de Revisão de Pares referente a Moçambique, cuja produção foi auspiciada pelo insuspeito Instituto Superior de Relações Internacionais (ISRI), já colocara o mesmo problema.

Quem controla o Estado nos parece ter responsabilidades mais do que óbvias nisso, o que, infelizmente, tem até implicações económicas: empresários há que simplesmente faliram meses depois de se terem declarado como sendo da oposição, por exemplo, por terem deixado de ter acesso aos negócios públicos.

Por outro lado, em sede da última sessão da Assembleia da República (AR) em 2015, vimos a bancada parlamentar da Frelimo, a maioritária, a reprovar liminarmente a proposta de revisão pontual da Constituição da República de Moçambique (CRM) que a Renamo propusera, mas manifestando o seu pleno acordo com a necessidade de se partir rapidamente para um processo de revisão da lei fundamental, em parte já desajustada da realidade sócio-política actual.

O âmago do desacordo da Frelimo em 2015, que até possui razoabilidade, é o facto de a Renamo ter proposto uma alteração com efeitos retroactivos, nomeadamente no que tivesse que ver com a indicação de governadores provinciais propostos pelo partido que tivesse ganho as eleições de 2014 em cada província. E a Renamo, o dissemos na altura, cometeu o erro de ter colocado os três eventos eleitorais que decorreram em simultâneo no mesmo diapasão (presidenciais, legislativas e para as Assembleias Provinciais), o que nos parece problemático, daí a “tese” de “vitória em seis províncias”.

Entretanto, esse acordo da Frelimo, com referência ao futuro, e não ao passado, por tal ser contrário às regras estabelecidas para as eleições de 2014, parece se ter esvaziado por demais por o partido no poder nada estar a fazer no sentido de mostrar o seu comprometimento com esse objectivo.

Ter Assembleias Provinciais eleitas e governadores nomeados é, julgamos, um anacronismo político-constitucional problemático. No actual contexto de crescentes diferendos entre a Renamo e o Governo, achamos nós que um avanço da bancada da Frelimo com uma proposta nesse sentido, cobrindo este e outros assuntos, tendo como horizonte as eleições de 2019, seria uma notícia muito boa para a democracia moçambicana e sinal inequívoco do partido no poder no sentido de ver corrigidas as atipicidades do nosso ordenamento jurídico-político-constitucional.

A bancada parlamentar da Renamo, depois de tê-lo feito duas vezes em 2015, mas sem o mínimo de sucesso, talvez esteja num expectável desgaste, sobretudo neste contexto de ausência total de confiança entre as partes.

Quanto ao que julgamos serem responsabilidades específicas da bancada da Frelimo, sendo ela maioritária – a do MDM não tem condições constitucionais de fazê-lo isoladamente –, ao que se acresce o facto de a Frelimo estar no poder, julgamos que o próprio Presidente da República (PR), enquanto órgão estadual e enquanto presidente da Frelimo, possui responsabilidades na transmissão desse tipo de sinal inequívoco de alteração do actual status quo, conforme se extrai da norma contida no artigo 291 da CRM, que a seguir a transcrevemos na íntegra:

As propostas de alteração da Constituição são da iniciativa do Presidente da República ou de um terço, pelo menos, dos deputados da Assembleia da República; As propostas de alteração devem ser depositadas na Assembleia da República até noventa dias antes do início do debate.

Um eventual acordo de pacificação, a ser, digamos, rubricado pelo PR e pelo líder da Renamo, sem se atacarem as questões de fundo, não será sustentável. O risco de depois de algum tempo voltarmos à mesma situação será maior. E, voltamos a denunciá-lo, é constitucionalmente problemático criar-se uma ‘Comissão para a Revisão da Constituição’ sem que exista uma proposta nesse sentido, que tenha sido formalmente depositada na AR, por tal ser absolutamente estranho ao estatuto jurídico do Estado moçambicano (a CRM).

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