QUANDO A POLÍTICA SE CONFUNDE COM A PROMISCUIDADE
Por RM Kuyeri, 17 de Novembro de 2017

Enquanto a política é uma ciência com lógica própria, a politiquice não é ciência e, por isso, não tem lógica. Esta é uma conclusão lógica que se pode tirar dos últimos acontecimentos no vizinho Zimbabwe, terra do Uncle Bob.

Grace Mugabe, a Primeira-Dama da República do Zimbabwe, acreditava que o poder era sexualmente transmissível, como diria o ex-Presidente da Associação Nacional dos Combatentes da Luta de Libertação Nacional do Zimbabwe - Zimbabwe National Liberation War Veterans Association (ZNLWVA), Jabulani Sibanda, mas que o Exército está a demonstrá-la o contrário, ao desempenhar o papel de preservativo.

Grace Mugabe chegou ao palácio presidencial como secretária, por via da promiscuidade sexual, e pode agora ter de sair dos luxuosos aposentos do State House, a Presidência da República e Palácio Presidencial, empurrada que nem uma cachorra sem beira nem eira, segundo relatos da imprensa internacional, com destaque para o jornal britânico The Observer, que narra, de forma satírica, a história da Primeira-Dama do Zimbabwe nos meandros políticos daquele país.

Afinal quem é a mulher de Robert Mugabe, que adora fazer compras e se preparava para assumir as Vice-Presidências da ZANU-PF e do Zimbabwe, após o golpe político de mestre que desferiu ao ex-Vice-Presidente Emmerson Mnangagwa, culminando com a sua expulsão da ZANU-PF e empurrado para o exílio?

Em 2013 assisti a uma série de reportagens feitas por um jornalista sul-africano Dali Tambo, uma destacada personalidade da media sul-africana, mais conhecida como apresentadora do programa Talk Show da televisão pública sul-africana SABC, na sua rubrica People of the South, e fundadora da organização anti-apartheid Artists Against Apartheid. Nesta reportagem fiquei, de veras, muito impressionado com a vida privada e pública do casal Mugabe, em especial pelas obras de caridade da senhora Grace Mugabe a favor das crianças desfavorecidas.

Mas não levou muito tempo para começar a entender a estirpe de mulher que é e da ambição política de Grace Mugabe quando disse: “O meu marido é o Presidente e eu sou a mulher do Presidente. Não posso ser Vice-Presidente? Não sou filha do Zimbabwe?” Grace Mugabe fez este pronunciamento um pouco depois da série de reportagens de Dali Tambo na SABC em 2014, durante um comício do partido do seu marido Robert Mugabe, a União Nacional Africana do Zimbabwe – Frente Patriótica ou Zimbabwe African National Union – Patriotic Front (ZANU-PF).

Esta declaração de Grace Mugabe não me deixou margens para dúvidas das suas ambições políticas acalentadas pelo seu estatuto de Primeira-Dama da República. Contrariamente à sua imagem mais discreta naquela série televisiva de Dali Tambo, as suas novas movimentações políticas e pronunciamentos públicos começaram a inquietar-me. Este seu pronunciamento de 2014 foi o princípio da sua viragem, que se acentuaria nos últimos três anos, à medida que a saúde do Presidente Robert Mugabe se deteriorava, contando actualmente com 93 anos de idade, dos quais 37 no poder, desde a independência do Zimbabwe a 18 de Abril de 1980.

As últimas notícias de Grace Mugabe em torno da facção Generation 40 (G40) no seio da ZANU-PF começaram a ser cada vez mais preocupantes por denotarem uma obsessiva ambição política. Agora, que Robert Mugabe está nos seus últimos dias de vida, Grace Mugabe achou melhor garantir, como sua maior herança, o poder político no Zimbabwe e acelerou a crise política interna no seio da ZANU-PF entre as facções G40 e Lacoste de Emmerson Mnangagwa. Ela não equacionou devidamente as consequências e agora pode ter chegado ao fim, caso se confirme o Golpe de Estado militar no Zimbabwe e o afastamento definitivo da família Mugabe da Presidência da República.

Nascida a 23 de Julho de 1965, Grace Ntombizodwa Marufu (Grace Mugabe) cresceu na cidade rural de Benoni na África do Sul, arredores da cidade de Joanesburgo, para onde a sua família se tinha transferido em virtude de o seu pai ter conseguido emprego. Quando Grace tinha cinco anos, a mãe quis regressar ao Zimbabwe, na altura ainda Rodésia, com os seus cinco filhos, enquanto o seu pai continuava a trabalhar como imigrante naquele país vizinho.

Grace Mugabe estudou numa escola católica em Rusica, tendo prosseguido os seus estudos como secretária, uma decisão que lhe alteraria a vida por completo. Ela se casou depois com Stanley Goreraza, um piloto e então Comandante de Asa da Força Aérea do Zimbabwe e é actualmente Adido de Defesa na Embaixada do Zimbabwe na China. Com o piloto Grace Mugabe teve um filho chamado Russell Goreraza, nascido em 1984, actualmente Gestor da extensa propriedade agrícola da sua mãe, Gushungo Dairy Estate.

Grace Mugabe conseguiu emprego como Secretária na Presidência da República no Zimbabwe, trabalhando como Secretária do Presidente Robert Mugabe, acabando por se tornar na sua concubina, mesmo quando ainda casada com Stanley Goreraza. Teve dois filhos com o estadista zimbabwiano num relacionamento de concubinato, a primeira de nome Bona Mugabe, que lhe foi atribuída o nome da mãe de Robert Mugabe e o segundo Robert Peter Jr. Após a morte de Sally Hayfron, a primeira esposa de Robert Mugabe, Grace Mugabe se separou de Stanley Goreraza para se casar com Robert Mugabe em 1996, O casamento foi uma extravagante Missa Católica que ficou conhecida como o “Casamento do Século” pela imprensa do Zimbabwe.

Refira-se que, em 1995, o facto de a então esposa de Stanley Goreraza e Secretária do Presidente Robert Mugabe, Grace Goreraza, ter tido dois filhos com o estadista zimbabwiano se tornou público. Por conta disso, entre 1995 e 1996, Grace e Stanley Goreraza se divorciaram e Grace casou-se logo com Robert Mugabe em 1996. Frustrado com a dissolução do seu casamento, Stanley Goreraza passou por uma temporada de turbulência, porque nada podia fazer pelo facto de a sua esposa o ter traído com o seu Comandante-Chefe e foi para a China estudar, de onde devia regressar ao Zimbabwe no final de 2000. Para o manter longe da Grace, em Janeiro de 2001 o Presidente Robert Mugabe decidiu que Stanley Goreraza fosse nomeado Adido de Defesa do Zimbabwe na China, onde no mesmo ano (2001), Goreraza acabou ficando hospitalizado e visitado por Robert e Grace Mugabe na China. Em 2006, Goreraza foi homenageado pelo seu longo serviço prestado na Força Aérea do Zimbabwe. “Coisas de Macaco Velho”, como se sói dizer na gíria popular.


Em 1997, Grace Mugabe deu à luz o terceiro filho do casal, chamado Chatunga Mugabe e se diz que se matriculou como estudante na Escola de Artes Liberais da Universidade Renmin da China em 2007, onde estudou a língua chinesa e em 2011 graduou-se, mesmo não sendo proficiente na língua chinesa – Mandarim, depois de terminar a licenciatura.

Durante o seu mandato como Primeira-Dama, Grace Mugabe supervisionou a construção de dois palácios, o primeiro, comummente conhecido como “Gracelands”, foi criticado pela sua extravagância, tendo Grace Mugabe explicado, mais tarde, que pagou com as próprias economias pessoais. Mais tarde o “Gracelands” foi vendido ao ex-Presidente Muammar Gaddafi da Líbia. O segundo foi concluído em 2007, tendo custando cerca de USD26 milhões, cuja construção foi financiada pelo partido ZANU-PF como forma de agradecer a Robert Mugabe pela sua liderança política.

Refira-se que em 2002, Grace Mugabe visitou muitas propriedades agrícolas no Zimbabwe, na procura de um novo local para ela e sua família. Ela escolheu o Iron Mask Estate, que anteriormente era propriedade dos agricultores John e Eva Matthews. Na altura Grace Mugabe já possuía uma propriedade na Malásia e, no início de 2008, correram notícias segundo as quais Grace Mugabe esperava transferir-se para aquele país asiático com os seus filhos. A intenção por detrás disso era escapar do stress da liderança e libertar-se do medo de a sua família poder ser alvo de assassinato.

Na mesma altura Grace Mugabe também adquiriu participações em Hong Kong, incluindo a aquisição de um negócio de lapidação de diamantes e um bunker na Casa Nº 3 em JC Castle, 18 Shan Tong Road, Tai Po, New Territories. Na altura as notícias da Indian Ocean Letter (IOL) especularam que a aquisição desta propriedade se destinava tanto para um provável vilarejo de fim-de-semana para a sua filha Bona Mugabe que estudava na Universidade de Hong Kong como para ela e o seu marido se refugiarem na China, caso Robert Mugabe fosse destituído do poder no Zimbabwe.

Os primeiros relatórios indicavam que Bona Mugabe era uma estudante da Universidade de Hong Kong. Logo eclodiu um protesto no Campus da Universidade do Zimbabwe a 03 de Fevereiro de 2009, resultando em cerca de 30 estudantes que precisaram de tratamento médico devido à brutalidade da repressão policial. As forças policiais foram usadas igualmente contra cidadãos indefesos e para o assédio sexual de estudantes. Os estudantes do Zimbabwe estavam a protestar na Embaixada da China em Harare exigindo o regresso de Bona Mugabe ao Zimbabwe para estudar nas mesmas condições que os seus pares.

Colégios e universidades no Zimbabwe não tinham aberto as portas em 2008 devido à dolarização de propinas, taxas e outros problemas económicos. A 17 de Fevereiro de 2008, a Universidade de Hong Kong distanciou-se da controvérsia, refutando as alegações de um relatório que dava conta de que Bona Mugabe era uma estudante naquela universidade. O comunicado da Universidade de Hong Kong dizia o seguinte: “Nós não temos um aluno com o nome de Bona Mugabe nos nossos registos de estudantes e não temos nenhuma aluna do Zimbabwe que esteja a frequentar um programa de graduação ou esteja na faixa de cerca de 20 de idade. Mas os relatórios subsequentes clarificaram que Bona Mugabe estava de facto matriculada numa outra instituição denominada City University em Hong Kong que confirmou que a filha de Grace Mugabe reunia todos os requisitos normais de admissão e a sua inscrição não foi influenciada pela natureza do seu parentesco.

Devido à atenção prestada aos filhos de Robert Mugabe, as Missões Diplomáticas e Consulares do Zimbabwe estavam encarregues de contratar serviços de segurança para a sua protecção e supervisão das suas necessidades durante o tempo de permanência em Hong Kong. De acordo com o Vice-Presidente do Partido Democrático de Hong Kong, Emily Lau, o Governo do seu país deveria estudar se devia ou não seguir a prática internacional de proibição de certos políticos estrangeiros de terem acesso a determinados direitos e liberdades, já que muitas pessoas estrangeiras ligadas a elites políticas estariam a procurar adquirir propriedades e realizar investimentos naquele país ou para prosseguirem os seus estudos em Hong Kong.

Lee Wing-tat disse que Beijing, na altura Pequim, deveria tomar a decisão o mais urgente possível, uma vez que este era um caso ligado a uma cidadã estrangeira. O porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Popular da China, Jiang Yu, disse que não tinha conhecimento da alegada compra de casas por parte da família Mugabe em Hong Kong e que não comentaria mais nada sobre o assunto. Entretanto, um professor da Universidade de Hong Kong disse que Pequim estava a tentar ficar fora da controvérsia. Mesmo assim, o Governo Central da China ignorou as preocupações, acrescentando que os membros do “Falun Gong” tinham sido autorizados a comprar propriedades em Hong Kong.


Refira-se que Falun Gong é uma seita cuja prática espiritual fora ensinada por Li Hongzhi. Praticar o Falun Gong ou protestar a seu favor está proibido na China Continental, mas a prática permanece legal em Hong Kong, porque tem maior protecção das liberdades civis e políticas sob o princípio de “Um país, dois sistemas”. Desde 1999 que praticantes do Falun Gong em Hong Kong organizavam manifestações e protestos contra o Governo chinês e prestavam apoio às pessoas que fugiam da China. No entanto, mais tarde os praticantes do Falun Gong encontraram algumas restrições em Hong Kong como resultado da pressão política de Pequim. O tratamento dado ao Falun Gong pelas autoridades de Hong Kong tem sido frequentemente usado como um indicador para avaliar a integridade do modelo de dois sistemas num único país.

Grace Mugabe também ficou famosa quando o jornal The Times publicou, em 18 de Janeiro de 2009, uma notícia segundo a qual, durante uma viagem de compras a Hong Kong, na companhia da sua filha Bona Mugabe, então uma estudante universitária, a Primeira-Dama do Zimbabwe ordenou que o seu guarda-costas atacasse um fotógrafo do jornal Sunday Times, Richard Jones, fora do seu hotel de luxo. Grace Mugabe chegou a ajudar o seu guarda-costas a atacar Richard Jones repetidas vezes, desferindo-lhe golpes no rosto com os anéis de diamantes que usava, causando-lhe cortes e abrasões. Mesmo assim, foi-lhe concedida a imunidade diplomática após a acusação de agressão em plena via pública, “sob alegações das regras diplomáticas chinesas” por causa do seu estatuto de esposa do Presidente Robert Mugabe.

Em Agosto de 2017, enquanto visitava a África do Sul para tratar de uma lesão que sofreu no tornozelo, Grace Mugabe teria agredido Gabriella Engels, uma modelo sul-africana de 20 anos de idade, e duas das suas amigas que estavam na companhia dos seus dois filhos mais novos, Robert Jr. e Chatunga Mugabe, em convívio num hotel em Sandton, Joanesburgo. Alega-se que Grace Mugabe desferiu golpes a todas as mulheres que estavam na companhia dos seus filhos com um cabo de extensão eléctrica, causando várias lesões, incluindo um corte profundo na testa de Gabriella Engels. A agressão seguiu-se a acusação de que aquelas mulheres estavam a chular os seus filhos. Depois de a modelo sul-africana ter apresentado queixa, devidos às “múltiplas agressões com intenção de causar danos corporais graves”, Grace Mugabe deveria comparecer perante um tribunal de Joanesburgo no 15 de Agosto de 2017, mas não o fez, porque teve garantias de imunidade diplomática do Governo sul-africano.

Note-se que logo depois de os observadores da União Europeia (UE) terem sido impedidos de examinar as eleições do Zimbabwe em 2002, a UE impôs sanções a 20 membros da liderança do Zimbabwe e, em Julho do mesmo ano, as sanções foram estendidas para incluir Grace Mugabe e outros 51 membros do Governo e da família de Robert Mugabe, proibindo-os de viajar para países europeus e congelando quaisquer activos que mantinham em bancos europeus. Os EUA instituíram restrições semelhantes. Por isso mesmo, a Primeira-Dama do Zimbabwe passou a viajar para tratamento médico e a fazer suas compras na África do Sul e nos países asiáticos.

Grace Mugabe é bem conhecida pelo seu estilo de vida pródigo. O Daily Telegraph chamou-a de “notória em casa pela sua prodigalidade” quando fez uma cobertura da sua viagem a Paris em 2003, durante a qual se relatou ter gasto £75 mil (cerca de USD120 mil) em pequenas compras e, nos anos anteriores a 2004, teria retirado mais de £5 milhões (cerca de USD8 milhões) do Banco Central do Zimbabwe para serem gastos em caprichos. Quando Grace Mugabe foi incluída nas sanções da UE e dos EUA em 2004, um parlamentar da UE disse que a proibição “impediria Grace Mugabe de realizar as suas viagens para compras, face à extrema e catastrófica pobreza que assola o povo do Zimbabwe”.

Uma outra controvérsia surgiu quando Grace Mugabe recebeu um diploma de doutoramento em sociologia em Setembro de 2014 pela Universidade do Zimbabwe, dois meses após ter ingressado naquela universidade para frequentar o Curso de Sociologia. Ela recebeu o diploma do seu marido e do Chanceler da Universidade Robert Mugabe. A sua tese de doutoramento não está disponível no arquivo da Universidade do Zimbabwe e se recusou a ceder aos apelos para derrogar o seu grau de doutorada. Isso causou desgaste da imagem no seio da comunidade académica do Zimbabué, com alguns comentando que isso poderia prejudicar a reputação da Universidade do Zimbabwe.

Em Dezembro de 2010, informações do correio diplomático vazadas dos arquivos dos EUA e tornadas públicas pela WikiLeaks trouxeram a tona alegações anteriores de que altos funcionários do Governo do Zimbabwe e membros das elites bem-conectadas, incluindo Grace Mugabe, estavam a gerar milhões de dólares em renda pessoal, contratando equipas de garimpeiros de diamantes na mina de Chiadzwa no Leste do Zimbabwe. Actualmente Grace Mugabe está a processar um jornal zimbabweano por causa de um relatório que divulgou, reivindicado pela Wikileaks, o qual revela “tremendos lucros” de Grace Mugabe nas minas de diamantes do país. Segundo se refere, a esposa do Presidente Robert Mugabe exige uma indemnização de USD15 milhões ao jornal The Standard por ter publicado o relatório.


No final de 2014, Grace Mugabe criticou a então Vice-Presidente Joice Mujuru, supostamente porque estava a conspirar contra o seu marido, o Presidente Robert Mugabe. Em última análise, as acusações contra Joice Mujuru resultaram no seu afastamento como candidata para a sucessão de Robert Mugabe e, efectivamente, acabou sendo marginalizada dentro da ZANU-PF e humilhada no seu congresso em Dezembro de 2014. Enquanto isso, a proeminência política de Grace Mugabe aumentou, acabando por ser nomeada pelo Presidente Robert Mugabe como a Presidente da Liga das Mulheres da ZANU-PF. Esta nomeação foi aprovada por aclamação pelos delegados ao Congresso no dia 06 de Dezembro de 2014. Ao se tornar Presidente da Liga Feminina da ZANU-PF, Grace Mugabe se tornou automaticamente membro do Politburo da ZANU-PF (Bureau Político ou Comissão Política da ZANU-PF).

Desde 2016 que o envolvimento da Primeira-Dama Grace Mugabe na política interna da ZANU-PF tem conhecido rumores de que ela estava a liderar uma das facções secretas do partido, a chamada G40 (Geração 40), uma facção que congrega membros jovens da ZANU-PF. Contra a G40, emergiu a outra facção denominada Lacoste, da velha guarda, liderada pelo Vice-Presidente Emmerson Mnangagwa. O faccionismo no seio da ZANU-PF é principalmente o resultado das batalhas políticas pela sucessão do Presidente Robert Mugabe após o afastamento de Joice Mujuru.

A disputa entre Grace Mugabe e Emmerson Mnangagwa atingiu um ponto de inflexão no final de Setembro último, com as duas facções apontando-se os dedos e criticando-se em reuniões públicas da ZANU-PF. Refere-se que, ao intervir numa reunião no memorial da heroína nacional e ex-Ministra dos Assuntos Provinciais de Masvingo, a falecida Shuvai Mahofa, Emmerson Mnangagwa afirmou que tinha sido envenenado durante uma reunião da Liga Juvenil da ZANU-PF em Gwanda. Logo, após estas declarações de Emmerson Mnangagwa, o Presidente Robert Mugabe constituiu uma Comissão de Choque do seu Governo que muitos acreditaram ter sido um exercício de mudança de poder. Emmerson Mnangagwa e os seus companheiros suspeitos de pertencerem a facção Lacoste, foram exonerados dos seus cargos, tendo Emmerson Mnangagwa perdido a pasta de Vice-Presidente e Ministro da Justiça, naquilo que se considera o culminar da influência política máxima de Grace Mugabe no seio ZANU-PF que marcou o mês de Outubro de 2017.


Na primeira quinzena do corrente mês Novembro de 2017, Grace Mugabe foi instrumental ao convencer o seu marido Robert Mugabe a exonerar Emmerson Mnangagwa do cargo de Vice-Presidente e de Ministro da Justiça, seguido da sua expulsão da ZANU-PF, como forma de alegadamente o castigar por ter causado divisões no seio do partido no poder. O país entrou na maior tensão e, enquanto Emmerson Mnangagwa buscava refúgio fora do Zimbabwe, os militares assumiram o controlo do Zimbabwe sem derramamento de sangue, sob o comando do General Constantine Chiwenga, acabando com a visível notoriedade de Grace Mugabe, havendo relatos de que lhe foi negado refugiar-se na África do Sul.

Estas são as algumas das peripécias de uma simples secretária que usou os seus atributos femininos para mergulhar o Zimbabwe numa crise política sem precedentes, em 37 anos de poder do Presidente Robert Mugabe. Trata-se de alguém que aparentava ser uma mulher jovem quando conseguiu emprego de Secretária na Presidência da República do Zimbabwe e, quase de imediato, se tornou Secretária e concubina do Presidente Robert Mugabe, muito embora Dali Tambo a descreva como sendo simples e simpática. Na reportagem de Dali Tambo, Grace Mugabe disse o seguinte: “Ele [Robert Mugabe] veio ter comigo e começou a fazer perguntas sobre a minha família. Se eu era casada, coisas assim… Não sabia que ele tinha outras intenções. Eu era muito tímida, muito tímida mesmo”, recordou a própria Grace Mugabe naquela entrevista ao jornalista sul-africano Dali Tambo em 2013.

Foi com convites para tomar chá e scones, como explica o jornal The Guardian, que Mugabe fez a corte a Grace. “Eu olhava para ele como uma figura paternal. Não pensava que ele ia olhar para mim e dizer ‘gosto daquela rapariga’”, recordaria mais tarde a própria Grace Mugabe, depois de ter tornado o Presidente Robert Mugabe no seu vilão sexual. Ao Presidente Robert Mugabe na altura pouco lhe importaram os obstáculos como a diferença de idades [Robert Mugabe é 41 anos mais velho do que Grace] ou o facto de ele ainda ser casado com a popular Primeira-Dama Sally Mugabe, oriunda do Gana, que na altura sofria de um cancro na sua fase terminal.

Apos a morte de Sally, Grace e Robert casaram-se em 1996, quatro anos depois. A cerimónia foi um verdadeiro Casamento de Estado que contou com mais de 40 mil convidados, entre eles o então Presidente Nelson Mandela da África do Sul, e terá custado mais de um milhão de dólares norte-americanos e o padrinho foi o ex-Presidente moçambicano Joaquim Alberto Chissano.

Descrita como tímida, muitos dos que rodeavam o Presidente nesse tempo não consideravam que Grace Mugabe viesse a ser uma verdadeira ameaça política. Com apenas 30 anos idade, era apenas vista como uma mulher que gostava de fazer compras e passear e que, certamente, não faria sombra ao marido. A imagem estendeu-se ao longo dos tempos, de tal forma que, em 2007, um responsável da Embaixada norte-americana em Harare a descrevia como alguém com “pouca ou nenhuma influência sobre o seu marido” e cujo “principal interesse era ir às compras”.

No entanto, a “gananciosa Grace das compras”, ainda nos primeiros anos de casamento, já dava sinais de que esta mulher podia ser mais do que uma deslumbrada e ingénua jovem obcecada com o dinheiro e influência do cargo do seu marido. Robert Rotberg, académico e antigo Presidente da Fundação pela Paz Mundial, recordou recentemente que membros do Governo do Zimbabwe chegaram a referir-se a Grace Mugabe como a “Grace Gananciosa”, uma alcunha que não escondiam de Rotberg.

Mais famosas entre a população são as alcunhas de “Gucci Grace” ou “DisGrace” (desgraça, em inglês), contrariamente ao prestígio da nossa Mamã Graça Machel, a sua xará que foi Primeira-Dama de Moçambique e da África do Sul. A Primeira-Dama do Zimbabwe se tornou conhecida pelo seu estilo esbanjador, razão pela qual também há quem lhe chame de “Primeira-Compradora”. As notícias como a do mês passado, que davam conta de que Grace Mugabe processou um libanês por este ter falhado a promessa de lhe arranjar um anel de USD1.35 milhões para o seu aniversário de casamento, causam escândalo num país assolado por fome, inflação e falta de numerário.

Ao longo dos anos, Grace Mugabe não se limitou ao cargo de Primeira-Dama, tendo assumido a liderança de vários negócios como duas minas (que faliram) e uma quinta leiteira, expropriada aos antigos donos brancos da Rodésia durante a reforma agrária no país. “Mugabe mudou automaticamente. Foi tão dramática a sua mudança”, disse ao jornal New York Times Margaret Dongo, ex-membro da ZANU-PF actualmente ligada à oposição, ainda no início do casamento. Mas “Grace sabia que tinha chegado a altura de fazer dinheiro. O que quer que ela tenha feito, certamente que assegurou que beneficiava da situação” - disse Margaret Dongo.

Talvez, para melhorar os seus índices de popularidade, Grace Mugabe dedicou-se também a vários projetos de caridade, entre eles um orfanato nos arredores de Harare, a capital do país, mantido com financiamentos vindo doados pela China. Mas a Primeira-Dama do Zimbabwe teima em ser capa de revista, por vezes não pelas melhores razões. Em 2009, um fotógrafo britânico acusou-a de o ter agredido à porta de um hotel em Hong Kong. Desde então, têm-se repetido as acusações de agressões, a mais recente ainda este ano, na África do Sul, que provocou um ligeiro incidente diplomático. Grace Mugabe foi acusada por uma modelo de a ter atacado quando a encontrou com um dos filhos num quarto de hotel.

De acordo com a modelo, a primeira-dama do Zimbabué atacou-a violentamente com um cabo elétrico, razão pela qual as autoridades sul-africanas decidiram investigar o caso. Mas, como já o referimos, o escândalo terminaria com Grace Mugabe de regresso ao seu país ao abrigo da imunidade diplomática, muito embora formalmente não pudesse usufruir dela por se ter deslocado à África do Sul para tratamento médico.

Se em 1996 Grace Mugabe era vista apenas como uma mulher bonita que servia mais de adereço ao Presidente do que de conselheira, o tempo encarregou-se de alterar essa perceção. Em 2014, já muitos a apelidavam de “Lady Macbeth, a mão por detrás do trono”, como apontaram na altura as investigadoras Kate Law e Helen Garnett, referindo-se à peça de Shakespeare em que uma dama persuade o marido a matar o rei para chegar ao poder.

Portanto, 2014 foi um ano decisivo para cimentar as ambições políticas da Primeira-Dama Grace Mugabe, que começou a deixar claros os seus planos políticos com aquele seu discurso em que perguntava à multidão se também não é “filha do Zimbabwe”. Primeiro, Grace Mugabe conseguiu que o marido a nomeasse Presidente da Liga das Mulheres do partido e membro do Politburo. Depois, decidiu o afastamento da Vice-Presidente Joice Mujuru, uma antiga guerrilheira pela independência nacional com o nome de guerra Teurai Ropa (“Derrama-Sangue”).

Ao mesmo tempo, Grace Mugabe procurou ganhar respeitabilidade através de um suposto grau de doutoramento em Sociologia, que se tornou alvo de chacota por ter sido tirado em apenas três meses. A jogada política reforçou-se à medida que a Primeira-Dama Grace Mugabe foi consolidando o apoio do grupo G40, liderado pela fação mais jovem do partido, contra o grupo Lacoste, liderado pelo Vice-Presidente Emmerson Mnangagwa, outro antigo guerrilheiro que já foi Ministro da Segurança do Estado e que goza de respeito entre os militares.

Os militares zimbabwianos olham com desprezo para Grace Mugabe: “O poder não se transmite sexualmente” - disse Jabulani Sibanda, ex-Presidente da Associação de Veteranos, acerca da primeira-dama. Jabulani Sibanda foi Presidente da Associação dos Veteranos da Guerra de Libertação Nacional do Zimbábue (ZNLWVA), uma organização originalmente composta por todos os veteranos que lutaram durante a Segunda Guerra de Libertação ou Chimurenga no Zimbábue, que terminou nos finais de 1979. Embora Jabulani Sibanda não tenha participado directamente da guerra, sob a sua liderança, a ZNLWVA mobilizou veteranos de guerra e outros simpatizantes da ZANU-PF na apropriação forçada e muitas vezes violenta de terras agrícolas que alegaram terem sido roubadas durante a colonização. Ele foi expulso da ZANU-PF em 2004, por fazer parte da Declaração de Tsholotsho, que resultou de uma reunião clandestina organizada por uma facção leal a Emmerson Mnangagwa em 2004, visando a sucessão do Presidente Robert Mugabe da liderança da ZANU-PF. O objectivo da trama era ter Emmerson Mnangagwa elevado a Vice-Presidência da República do Zimbabwe antes de Joice Mujuru, sucedendo ao falecido Simon Muzenda.

O afastamento de Emmerson Mnangagwa do cargo de Vice-Presidente na semana passada pode ter sido o gatilho para a acção dos militares na passada quarta-feira, dia 15 de Novembro de 2017, assustados com a crescente influência de Grace Mugabe nos últimos três anos. “Grace Mugabe é quem está a mandar”, disse à Bloomberg Alex Magaisa um dia antes da acção militar. Alex Magaisa é um dos responsáveis pela elaboração da nova Constituição do Zimbabwe em 2013 e um comentarista líder sobre a actualidade do desenvolvimento da situação no Zimbabwe.

O facto é que se a acção dos militares for bem-sucedida, a Primeira-Dama Grace Mugabe poderá não permanecer no Zimbabwe, porque será afastada de vez das lides políticas. Mas é melhor não subestimar esta mulher: “Chamem-lhe manhosa, com sede de poder, ou digam que ela estava apenas ‘no lugar certo na altura certa’, mas a verdade é que esta secretária tornou-se num elemento crucial na política de sucessão no Zimbabwe”, resumiu Marcellina Chikasha, líder do pequeno Partido Democrático Africano que acredita que Grace Mugabe terá ainda alguma carta na manga, pois política é uma bola de neve.

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