BENEFÍCIOS
DO APARTHEID
Tiny
Rowland, um espião britânico
RM Kuyeri, 16 de Outubro
de 2017
Tiny Rowland apareceu proeminente na
segunda parte do documentário The Mayfair
Set de Adam Curtis, onde ele é
perfilado como um empresário implacável de sucessos, com um historial da sua passagem
pela África, onde assumiu as empresas britânicas nas antigas colónias da coroa
a frente da Lonrho, em especial destaque pela sua passagem por Moçambique no
seu envolvimento na guerra dos 16 anos ao lado da Renamo.
O Mayfair
Set, subintitulado Four Stories
sobre o surgimento dos negócios e o declínio do poder político britânico, é uma
série documental televisiva da BBC, do cineasta Adam Curtis, que olha para o
declínio da última fase do império britânico, então potência mundial, como a
invenção do desmantelamento dos seus activos na década de 1970, durante a qual os
capitalistas moldaram o clima dos anos do regime da então Primeira-Ministra
britânica, Margareth Thatcher, focalizado na ascensão do Coronel David
Stirling, de Jim Slater, do Sir James
Goldsmith e de Tiny Rowland, então membros da elite conhecida por Clermont Set ou Clermont Club de Londres na década de 1960.
O Mayfair
Set ou Four Stories que ganhou o Prémio
BAFTA pela melhor série factual em
2000 e o Clermont Set foram um grupo exclusivo de ricos
jogadores britânicos filiados aos Clermont
Club, originalmente conhecido por 44 Berkeley Square, situado no elegante Distrito
de Mayfair em Londres, onde Tiny Rowland emergiu como um dos grandes jogadores
de corridas de cavalos.
Tiny Rowland também serviu como modelo
para o implacável empresário britânico Sir
Edward Matheson, interpretado por Stewart Granger no filme The Wild Geese em 1978, a quem a revista satírica Private Eye frequentemente o referia como
sendo o “pequeno, mas perfeito”, não por qualquer verosimilitude de menor
estatura, mas porque ele estava sempre impecável e preparado.
Rowland ou Tiny Rowland foi assim um
empresário britânico e Presidente do conglomerado Lonrho. Ele que ganhou grande
fama por uma série de ofertas de aquisições de alto perfil, em particular a sua
batalha com Mohamed al-Fayed para assumir o controlo de uma cadeia de lojas de Harrods
em Knightsbridge em Londres, na Grã-Bretanha. Ele morreu em Londres a 25 de
Julho de 1998, aos 80 anos de idade, depois de ter transformado a Lonrho de uma
pequena empresa de mineração em África num enorme conglomerado internacional,
mas nunca conseguiu a sua ambição de possuir a Harrods, um conglomerado de
lojas de luxo localizado em Brompton Road, em Knightsbridge, em Londres, actualmente
propriedade do estado do Qatar.
Rowland, originalmente Roland Walter
Fuhrhop, nasceu a 27 de Novembro de 1917, num campo de detenção de estrangeiros
na Índia durante a I Guerra Mundial. Era filho de uma mãe anglo-holandesa e de
um pai comerciante alemão. Após a I Guerra Mundial, os Fuhrhops foram recusados
a entrar no Reino Unido e se estabeleceram em Hamburgo, na Alemanha. É lá onde Roland
Walter Fuhrhop foi apelidado Tiny (minúsculo)
pela sua aia, por causa do seu tamanho. Na década de 1930, ele ingressou por um
lapso de tempo numa organização da Juventude Hitleriana.
O seu pai, Walter Fuhrhop, que desprezava
Adolf Hitler, transferiu a família para o Reino Unido em 1937, onde Roland
Walter Fuhrhop (Tiny Rowland) frequentou o Churcher's
College em Hampshire, no sul da Inglaterra e mais tarde foi trabalhar numa
empresa de transportes do seu tio Rowland na cidade de Londres, de quem ele adoptou
o nome Rowland aos 22 anos de idade.
No início da II Guerra Mundial, Tiny
Rowland foi recrutado para o exército britânico, onde serviu no Royal Army Medical Corps. Como
estrangeiros inimigos, os seus pais foram internados na Ilha de Man, onde a sua
mãe veio a morrer e ele foi internado como um inimigo alienígena, depois de
tentar providenciar a libertação do seu pai daquele campo.
Ainda no início da II Guerra Mundial, Tiny
Rowland ofereceu-se para se tornar Oficial de Inteligência dos Serviços
Secretos britânicos (MI5/MI6), mas foi recusado e, em vez disso, passou três
anos como colaborador particular no Royal
Army Medical Corps. A mãe ficou doente no campo de internamento e o seu
comandante se recusou a conceder-lhe permissão para visitá-la. Desobedeceu a
ordem e foi punido com quatro semanas de prisão por absent without leave (AWOL).
Ele protestou a viva voz contra a detenção dos seus pais, o que lhe custou a demissão
do exército e internamento na Ilha de Man, nos termos do artigo 18 b) do Regulamento do Exército da Coroa
Britânica, que abrange aqueles cuja liberdade era considerada “prejudicial à
Defesa do Reino”. A sua mãe morreu em cativeiro devido a um cancro que as
autoridades sanitárias não conseguiram diagnosticar a tempo.
De acordo com um seu amigo de longa
data, Tiny Rowland recebeu a sua desejada permissão de trabalhar para os Serviços
Externos da Inteligência Britânica (MI6), três anos depois de ele se ter oferecido
pela primeira vez, e que, as suas quatro semanas de prisão e sua posterior
quitação do Exército, foram ambas orquestradas para que ele pudesse passar pelos
movimentos dos internados com os fascistas de Mosley, tornando-se num espião ou
num informante oficial.
A sua amizade como um dos directores
originais da Lonrho é tida estranhamente coincidente, demasiada e bizarra. O responsável
pelo recrutamento para os Serviços de Inteligência britânicos em 1961 foi o Sir Joseph Ball, anteriormente Oficial
dos Serviços Internos da Inteligência Britânica (MI5) e Oficial Executivo da Segurança
Interna. Se Tiny Rowland foi um agente britânico na Ilha de Man, Sir Joseph Ball terá sido um dos seus supervisores
na sua qualidade de responsável pela Segurança Interna do Reino Britânico.
Tido como agente do MI6, Tiny Rowland patrocinou
os cidadãos líbios Abdelbaset al-Megrahi e Lamin Khalifah Fhimah, acusados de serem
terroristas, alegadamente por terem sido autores do atentado contra o voo da Pan Am Flight 103, a 21 de Dezembro de
1988, para que fossem representados pelo advogado escocês, Alistair Duff, e foi
nomeado, por Patrick Haseldine, como coordenador britânico do encobrimento daquele
atentado de Lockerbie na Escócia.
No seu livro My Life With Tiny, Richard Hall observa que, até 1973, Tiny Rowland
compartilhou a sua sala de reuniões com Nick Elliott do MI6 e que, em diversas
ocasiões, parecia estar militando no seio da Inteligência Britânica. Richard
Hall adianta que, durante a guerra de Biafra entre 1967 e 1970, um país não reconhecido
na África Ocidental, formado pelos estados da Região Leste da Nigéria, no qual a
tentativa de conquistar a sua independência levou a que a Nigéria mergulhasse
numa Guerra Civil, Tiny Rowland era estranhamente bem informado sobre os planos
britânicos daquela guerra.
Ainda segundo Richard Hall, mais tarde,
no Sudão, quando houve uma tentativa de um golpe alegadamente comunista, Tiny Rowland
se notabilizou como uma das principais figuras do Governo britânico em
intermediar o conflito, a exemplo do que fez com a Renamo durante a guerra dos
16 anos, a ponto de ter posto a disposição a sua avioneta ao serviço de Afonso
Dhlakama, enquanto o MI6 garantia que os partidários comunistas da tentativa de
golpe no Sudão tinham sido desviados do seu foco para a Líbia e se transformado
num esquadrão de atiradores.
Muito
discreto e despido de qualquer tipo de desdém que causasse algum sentimento de
hipocrisia, Tiny Rowland fez poucas concessões de governação corporativa e termos
de relações públicas. Em 1973 os seus métodos foram condenados por Edward
Heath, então Primeiro-Ministro, naquilo o que ficou como sendo “um rosto
desagradável e inaceitável do capitalismo”. A sua carreira posterior foi
marcada por uma série de vedetas (notavelmente contra os irmãos Fayed) que ele
perseguiu com fúria fria e obsessiva. Mas, para um exército de pequenos accionistas,
bem satisfeito com os seus dividendos, Tiny Rowland se notabilizou como um
herói, marcado apenas pelo forte desempenho financeiro da Lonrho no início dos
anos noventa do século passado.
Em
África, incluindo em Moçambique, ele era muito menos apreciado do que os Chefes
de Estado africanos que eram seus amigos e aliados nos negócios, o que lhe
levou a um sentimento de revolta e vingança, como o fez com o então Presidente
Samora Machel em Moçambique, a ponto de se aliar a Renamo. Um seu colega que o
investigou, na qualidade de inspector do Governo britânico, o catalogou como
sendo “uma espécie de tirano, com parte louca para se arrancar, mas muito
brilhante”.
A
associação de Tiny Rowland com a Lonrho (originalmente uma empresa de mineração
e detentora de terras em Londres e Rodésia) começou em 1961. A Lonrho era então
uma empresa modesta e quase moribunda. Um dos directores, Angus Ogilvy, foi
convidado por Harley Drayton, um dos principais accionistas, a encontrar alguém
para rejuvenescer a empresa. Ele sugeriu Tiny Rowland, que foi nomeado um dos
Directores-Gerais.
O
negócio da Lonrho expandiu-se de forma agressiva, particularmente na mineração.
Ele diversificou e expandiu a empresa para fora da Rodésia, onde Tiny Rowland
não gostou do tom racista do regime de Ian Smith, privilegiando uma aproximação
ao Governo moçambicano, logo após a independência em 1975, não obstante ser
conotado com o comunismo.
Assim,
Tiny Rowland pautou pelo hábito de tomar decisões importantes com pouca ou
nenhuma consulta ao Conselho da Lonrho. No entanto, em 1970, a velocidade de
expansão dos negócios da Lonrho começou a superar as suas finanças, enquanto na
África do Sul os executivos da Lonrho foram acusados de fraude. Os contadores
da Peat Marwick foram convocados para
serem informados sobre a empresa. Em consequência disso, Tiny Rowland foi
obrigado a contratar directores externos, tendo incluído como Presidente, a
figura inequívoca de Sir Basil
Smallpeice para contrapor a Cunard e
a British Overseas Airways
Corporation (BOAC), que queriam mudar a estratégia da empresa e forçar Tiny
Rowland a ser mais aberto nos seus métodos.
Em 1972, Sir Basil Smallpeice tentou expulsar Tiny Rowland da Lonrho,
acusando-o de imprudência, intolerância, deslealdade e engano. Mais de 3 mil accionistas
reuniram-se em Assembleia Geral Extraordinária no Central Hall, em Westminster,
em Maio de 1973, e votaram esmagadoramente a favor de Tiny Rowland. Sir Basil Smallpeice e o seu grupo foram
zombados e expulsos do quadro de pessoal da empresa.
As descobertas do subsequente
inquérito do Departamento de Comércio do Reino Unido, que censurou a Lonrho por
violar as sanções contra a Rodésia, provocaram a condenação de Edward Heath. Mas,
depois disso, não houve dúvidas de que o poder de Tiny Rowland fosse temperado
por vozes independentes no quadro. Pois, se referiu da existência de directores
não executivos como “decorações de árvores de Natal”.
De uma sede monótona e anônima em
Cheapside, Tiny Rowland presidiu como um autómato um conglomerado que passou a
englobar cerca de 800 empresas, entre jornais, de distribuição de veículos,
têxteis, minas, hotéis e muitos outros em quase toda a África Austral e Oriental.
No seu pico, no final dos anos oitenta do século passado, os lucros da Lonrho
ultrapassaram os 270 milhões de libras esterlinas.
O cerne do sucesso da empresa
permaneceu em África, onde Tiny Rowland foi passando frequentemente três
semanas em cada mês, atravessando o continente num jacto particular. Nos
últimos anos e dadas as suas ligações com a Renamo, Tiny Rowland passava mais
tempo numa casa da Lonrho em New Lands, arredores de Limbe, uma pequena cidade
satélite da cidade de Blantyre a sul do Malawi.
Os seus métodos de gestão da Lonrho se
tinham consolidado e as suas pretensões políticas se tinham aguçado. Na altura
a Lonrho empregava um exército privado nas suas plantações em Moçambique, onde
Tiny Rowland passou a cortejar os chefes de Estado africanos e, quando via
vantagens, passava a cortejar líderes rebeldes africanos como o fez com Afonso
Dhlakama em Moçambique. Os então Presidentes Kenneth David Kaunda da Zâmbia, Hastings
Kamuzu Banda do Malawi e mais tarde Robert Gabriel Mugabe, foram tidos amigos
pessoais de Tiny Rowland. À semelhança do que fazia com a Renamo em Moçambique,
a UNITA em Angola recebeu o seu apoio e o então líder do ANC, Oliver Tambo,
usou o avião particular de Tiny Rowland.
Tiny Rowland exerceu muita influência discreta
aos mais altos níveis políticos africanos e manteve contactos estreitos com os
Serviços de Inteligência britânicos e norte-americanos (CIA) e se especula que
o então Presidente do Egipto, Anwar Sadat, teria ajudado Tiny Rowland a abrir o
caminho para o Acordo de Camp David em 1978. Tiny Rowland teve igualmente uma
mão nas negociações de reféns do Líbano e nas negociações de paz das Ilhas Malvinas.
Se Tiny Rowland não tivesse rivais nos
seus negócios entre os políticos africanos, o seu toque noutros lugares seria menos
seguro. A sua longa batalha por Harrods, por exemplo, foi sentida por muitos
como uma distracção prejudicial das suas energias e um custo injustificável
para Lonrho. Daí a sua saga que começou em 1977. Porém, Tiny Rowland
identificou o comércio a retalho como um sector potencial de crescimento e,
talvez, acreditasse que a propriedade de Harrods proporcionaria uma medida de
respeitabilidade lhe havia sido negada na Grã-Bretanha.
A Lonrho começou então a comprar acções
da Scottish & Universal Trusts, uma
holding dos interesses familiares de Sir Hugh Fraser, então detentor de 29%
do grupo da cadeia de lojas House of
Fraser, que possuía Harrods. Quando o resto da Scottish & Universal foi adquirido pela Lonrho no ano seguinte,
as instituições da cidade fecharam as suas fileiras contra Tiny Rowland.
A subsequente batalha para a conquista
da House of Fraser foi muito feroz. A
raiva de Tiny Rowland foi dirigida especialmente contra o combativo Presidente
do grupo, Sir Hugh Fraser. O
professor Roland Smith e o infeliz Sir
Hugh Fraser, a quem Tiny Rowland inicialmente havia cortejado como um aliado,
mas que mais tarde o ajudou a arruinar por ter colaborado nas revelações sobre as
suas dívidas de jogo, levaram a que Tiny Rowland usasse de todos os meios a seu
dispor para acabar com Sir Hugh
Fraser.
Quando a vitória da Lonrho parecia
estar à vista, o Governo britânico bloqueou a aquisição da Scottish & Universal Trusts por motivos de interesse nacional.
As acções da Lonrho foram então, segundo Tiny Rowland, temporariamente
congeladas pelos irmãos Fayeds do Egipto. De acordo com os irmãos egípcios, as
acções lhes haviam sido vendidas de forma definitiva.
Em qualquer caso, os irmãos Fayeds do
Egipto usaram as acções da Lonrho como um trampolim para adquirirem a House of Fraser antes que a decisão do
Governo britânico contra a Lonrho pudesse ser revertida. Então Tiny Rowland
respondeu a isso com uma campanha para desacreditar os irmãos Fayeds e o seu
suposto patrocinador, o sultão do Brunei. Isso foi realizado através das
páginas do jornal The Observer, que a
Lonrho havia adquirido em 1981 e através de longas e trincadas cartas a
ministros e figuras públicas.
Em 1989, um relatório secreto do Ministério
de Comércio da Grã-Bretanha, altamente crítico à aquisição da House of Fraser pelos irmãos Fayeds, foi
vazado pelo The Observer numa edição
especial intitulada The Phoney Pharoah.
Mas, apesar dos contínuos e intrincados litígios, o controlo do The Observer evitou Tiny Rowland. Isso
criou uma sombra ao longo dos últimos anos da sua vida.
Tiny Rowland nunca hesitou em demonstrar
a sua musculatura como proprietário no The
Observer. Quando ele caiu com Daniel Arap Moi, do Quénia, o jornal
desencadeou uma campanha de denúncia de corrupção contra o Presidente queniano.
Ao denunciar as atrocidades em Matabeleland no Zimbabwe, Tiny Rowland se sentiu
inconformado por tal acto confrontar a sua amizade com o Presidente Robert
Mugabe e ameaçou vender o jornal a Robert Maxwell.
Todas as batalhas corporativas de Tiny
Rowland tinham uma vantagem pessoal obscura, pois “ele é um homem muito
difícil. Ele é o tipo de inimigo que ninguém quer ter”, afirmou a esposa de um dos
seus adversários.
A vitória mais implacável de Tiny Rowland
foi sobre o magnata australiano Alan Bond, a quem ele primeiro se tornou amigo
de “cavaleiro branco” quando a Lonrho estava sendo perseguida por um outro
predador, a Asher Edelman. Alan Bond comprou as participações
da Asher Edelman e se gabou de si mesmo como sucessor natural de Tiny Rowland,
que se tinha ligado a ele com uma intensidade selvagem, a ponto de ter publicado
um documento de 93 páginas, demonstrando que Alan Bond era tecnicamente
insolvente, sustentado por uma frágil pirâmide de empréstimos. Os banqueiros de
Alan Bond exigiram o seu dinheiro de volta, o que levou a que Alan Bond fosse a
falência e acabasse na prisão.
Mas, em 1991, sérias fissuras começaram
a surgir na fachada impenetrável da Lonrho. O dividendo foi reduzido e o preço
das suas acções caiu. A Lonrho mergulhou em mil milhões de libras em dívida, o
que forçou a um derramamento dos seus activos. A lucrativa franquia da Lonrho
na Volkswagen Audi teve que ser vendida
e, sempre imprevisível, Tiny Rowland ofereceu parte dos interesses do seu hotel
aos seus inimigos, os irmãos Fayeds.
Mais controversa ainda foi uma
participação de 177 milhões de libras no grupo Metropole Hotels que foi vendida ao governo líbio, quando as Nações
Unidas estavam considerando sanções contra aquele país em conexão com o
atentado de Lockerbie. “Para mim, Gaddafi é um super amigo”, explicou Tiny
Rowland. “Não me fale sobre moralidade e comportamento adequado. Eu pago os meus
impostos aqui. Gaddafi e a Lonrho são um ajuste perfeito”, rematou.
Aos 75 anos de idade, Tiny Rowland
continuou a desafiar os seus críticos. Os arranjos que ele fez em Dezembro de
1992 para a eventual venda da sua própria participação de 15% na Lonrho, a
favor de um desenvolvedor alemão de propriedades pouco conhecido, Dieter Bock,
a um preço substancialmente maior que o que a faixa real de pequenos
investidores de Tiny Rowland poderia esperar obter, provocou uma tempestade de
comentários hostis, juntamente com a especulação de se Dieter Bock, que Tiny Rowland
havia conhecido muito recentemente, era o seu escolhido sucessor, ou estava de
alguma forma configurado para ser “esfolado vivo” tal como havia acontecido com
a sua ligação a Alan Bond, segundo cogitou um comentador. Esta inaceitabilidade
e ameaça estavam no centro da desconfiança de Londres em relação a Tiny
Rowland. Ele, por sua vez, confiava apenas nos seus colaboradores mais
próximos, ferozmente leais a si, enquanto estavam com ele e ele se mostrava absolutamente
implacável para que aqueles “não abandonassem o barco”.
Embora capaz de exibir o seu charme e com
bondade atrair a queda a seu favor de magnatas como o Sir Freddie Laker, Tiny Rowland tinha poucos amigos, porque sempre
suspeitava motivos venais. Ele evitou as armadilhas sociais e as fraquezas da
sua imensa riqueza, há muito acumulada em depósitos de dinheiro, o que poderia
ter trazido consequências si.
As intrigas dos negócios e do poder
ocuparam praticamente toda a sua existência, desde a sua nascença a 27 de
Novembro de 1917, num campo de detenção na Índia, onde seu pai, um comerciante
alemão e sua mãe anglo-holandesa, foram mantidos como alienígenas durante a
Grande Guerra. Após a guerra, a família procurou se instalar na Grã-Bretanha,
mas foi recusada a entrada. Mudaram-se para Hamburgo, onde o então Roland Walter
Fuhrop se juntou à ala da Juventude de Adolf Hitler. O seu pai, no entanto,
perdeu os seus negócios devido aos seus sentimentos anti-nazistas e a família
finalmente conseguiu se mudar para a Inglaterra.
Uma vez em Berlim, em 1939, Tiny
Rowland foi preso por oito semanas por se associar com os anti-nazistas e,
nesse mesmo ano, ele mudou o seu sobrenome, de Roland para Rowland, de modo a
adaptar o seu nome ariano ao nome cristão. A origem da sua alcunha Tiny
(Minúsculo), com a qual ele assinou toda a correspondência oficial quando em
vida, resultou, sem dúvida, do facto de que ele era alto e bem construído.
Os seus dois irmãos mais velhos
lutaram no exército alemão durante a II Guerra Mundial, mas Tiny Rowland foi
alistado no Corpo Médico do Exército Real do Reino Unido em 1940 e prestou
serviço militar na Noruega. No entanto, quando os seus pais foram novamente
internados, desta vez na Ilha de Man, Rowland recusou-se a continuar no Royal Army Medical Corps (RAMC), como já
nos referimos, acabando por ficar detido com os seus pais.
Posteriormente, Tiny Rowland teve
vários empregos, incluindo o de porteiro mágico de charme na estação de
Paddington e como empregado no Cumberland
Hotel em Londres. Após a guerra, ele foi vendedor de frigoríficos e rádios.
Em 1947 decidiu emigrar, primeiro para
a África do Sul e depois para a Rodésia do Sul, actual Zimbabwe, onde comprou
duas fazendas e teve interesses nas minas de ouro, para além de ter adquirido uma
franquia da Mercedes Benz para a
Rodésia do Sul e se ter tornado num agente da empresa Rio Tinto Zinc, uma empresa de mineração australiana entre 1905 e
1962. As suas operações iniciais concentraram-se na extracção de zinco dos jazigos
de Oreto Broken Hill em Broken Hill, New Gales a sul da Austrália.
A empresa tinha sido fundada em
Melbourne, a 09 de Setembro de 1905, como a Zinc
Corporation Limited, para explorar as concentrações residuais de zinco com
um valor estimado de USD12 milhões dos seus seis milhões de toneladas de minério
residual naqueles depósitos, onde a actividade de mineração decorria há 20
anos. As figuras-chave envolvidas no empreendimento incluíram William Baillieu
e William Sydney Robinson, acabando por envolver o que veio a ser o futuro Presidente
dos EUA, Herbert Hoover, que examinou os filões residuais de zinco na sua
qualidade de engenheiro de mineração nas investigações que o seu grupo efectuou
antes da constituição da empresa.
Quando Angus Ogilvy foi recrutado em
1961, o grupo de empresas de Tiny Rowland, a Shepton Estates, foi trocado por 1.5 milhões de acções da Lonrho. Esta
participação foi o alicerce de uma fortuna pessoal de Tiny Rowland estimada em
600 milhões de libras no final dos anos oitenta.
Sempre impecável e bronzeado, Tiny Rowland
vivia em discreta opulência com mansões em Buckinghamshire, a Sudoeste da
Inglaterra, e Chester Square, no Distrito de Belgravia em Londres. Ele era
ferozmente protector da privacidade da sua família e coleccionou peças de arte
expressionista africana e alemã e teve uma propensão para os gatos siameses.
Mas muito pouco isso interferiu no seu trabalho, mesmo depois de se ter casado
em 1967 com Josie Taylor, a sua Filha-Deusa, uma filha do seu gerente de
fazenda na Rodésia, com a qual teve um filho e três filhas.
A 07 de Novembro de 1997, o deputado
trabalhista, Tam Dalyell, iniciou um debate na Câmara dos Comuns, revelando a
influência do magnata britânico Tiny Rowland em contraposição ao Prof. Robert Black,
no contexto da organização de um local para o julgamento do caso Lockerbie: “Nos
últimos 30 anos, Nelson Mandela tem sido um ícone para a esquerda. O seu prestígio
pelo que ele fez é absolutamente inquestionável. Portanto e certamente, Nelson Mandela
é para ser ouvido por nós no que diz sobre o que pode ser um assunto estranho. A
conexão ao momento em que Nelson Mandela escreveu, o que eu achei que era a sua
única carta ao deputado de Huntingdon, Mr.
Major, na sua qualidade de Primeiro-Ministro, remonta do caso Lockerbie. Não escondo
de ninguém o facto de eu ter recebido uma cópia da carta das mãos de Tiny
Rowland. Foi numa altura de mudança de Governo, a primeira reunião que Nelson Mandela
teve com o deputado e seu amigo, então Primeiro-Ministro, que durou uma hora e,
com a insistência de Nelson Mandela, 40 minutos do encontro foram ocupados com o
caso Lockerbie. Nelson Mandela abordou aos Chefes de Governos da Commonwealth durante a Conferência
governamental em Edimburgo e fez uma declaração muito divulgada, dizendo que, na
sua consideração de juízo, nenhum país deveria ser requerente, promotor e juiz
no mesmo caso e numa situação como a de Lockerbie. Essa era a sua visão e eu
não acho que eu a tenha distorcido. Foi a sua opinião, expressa com tacto, e
que devemos levar a sério a ideia de um julgamento num terceiro país neutro. Na
verdade, essa tem sido a visão da África do Sul, a qual tenho transmitido ao
pessoal de muitos outros países há muito tempo. O objectivo deste debate é
passar, espero sem distorção, as objecções a tal curso de acção e depois tentar
refutá-los. Eu acredito estar a ser totalmente sincero com a Câmara dos Comuns:
não sou advogado, mas assumi os conselhos. Esse conselho vem predominantemente
do professor Robert Black QC, professor de Direito escocês na Universidade de
Edimburgo. Uma das tarefas a que o Ministro de Estado para as Relações
Exteriores e da Commonwealth, o meu amigo deputado e membro de Manchester
Central, Mr. Lloyd, se deve ocupar é explicar por que é que os advogados do Governo
acreditam que a sua opinião é superior à do Conselheiro da Rainha, que é
professor de Direito escocês na Universidade de Edimburgo”.
Roland ou Tiny Rowland (1917-1998) foi
assim um polémico empresário britânico de alto perfil, um ladrão corporativo e Chefe
do Executivo do conglomerado Lonrho, no período compreendido entre 1962 e 1994.
Ele ganhou fama por ter realizado várias ofertas e aquisição de alto perfil, em
particular ofertas para assumir o controlo de Harrods. Ele era conhecido pelos seus
complexos interesses comerciais em África, a sua proximidade com vários líderes
africanos e por promover boatos na sua cooperação com o MI6 em relação à
política externa britânica pós-colonial em África. Ele aprendeu as boas
maneiras na sua passagem pelo Churcher's
College em Hampshire na Grã-Bretanha e adquiriu um acento britânico da mais
alta classe da elite britânica.
Refira-se que, quando em 1948 Tiny
Rowland emigrou para a Rodésia do Sul, adquiriu e geriu uma fazenda de tabaco
na Província de Eiffel Flats, em Mashonaland West. De 1952 a 1963, ele morava
com Irene Smith, esposa de um seu parceiro de negócios e em 1962 foi recrutado
para a London and Rhodesian Mining and
Land Company (Lonrho) como Director-Executivo, tendo expandido os seus
negócios até constituir um conglomerado que incluía propriedade de jornais, hotéis,
indústrias têxteis e muitas outras linhas de negócios.
Em 1973, a posição de Tiny Rowland foi objecto
de um caso no Tribunal Supremo, em que oito directores da Lonrho pediram a sua demissão,
devido ao seu temperamento e às alegações de que ele havia ocultado informações
financeiras ao Conselho da empresa. Tiny Rowland falhou na sua tentativa legal
de bloquear o processo, mas foi posteriormente apoiado pelos accionistas e
manteve a sua posição. O Primeiro-Ministro britânico, Edward Heath,
referindo-se ao caso, criticou a empresa na Câmara dos Comuns e descreveu os
acontecimentos como “o rosto desagradável e inaceitável do capitalismo”.
Em 1983, Tiny Rowland assumiu o jornal The Observer e tornou-se o seu Presidente.
Ele também fez campanha para obter o controlo da cadeia de lojas de Harrods em
Knightsbridge, mas foi derrotado pelo magnata egípcio Mohamed Al-Fayed. Um
artigo do Financial Times, de Dezembro
de 1993, revelou que a Hemar Enterprises, criadora de documentários The Maltese Double Cross - Lockerbie era
de propriedade da Metropole Hotels,
controlada por Tiny Rowland. No filme referia-se que a Líbia não era
responsável pelo abate do voo 103 da Pan
Am. Pouco depois da acusação a Líbia no incidente da Pan Am Flight 103, Tiny Rowland vendeu uma percentagem dos seus
interesses para a Companhia de Investimento Estrangeiro Árabe da Líbia (Lafico), controlada pelo então Governo da
Líbia. Por esta razão, Susan e Daniel Cohen, pais de Theodora Cohen, uma das vítimas
da Pan Am Flight 103, alegaram que a
Líbia tinha financiado o filme.
Num golpe de mestre, numa das salas de
reuniões, do magnata alemão Dieter Bock em Outubro de 1993, Tiny Rowland foi
forçado a demitir-se como Presidente da Lonrho. Ele foi sucedido pelo
ex-diplomata Sir John Leahy. Em Março
de 1995, ele foi demitido pelo Conselho da Lonrho. A conjectura de Cohen de que
a associação de Tiny Rowland com Muammar al-Gaddafi, líder da Líbia, e o filme The Maltese Double Cross - Lockerbie contribuíram para a decisão de demitir Tiny Rowland
para, em 1996, o Presidente Nelson Mandela conceder a Tiny Rowland a Ordem da
Boa Esperança, a maior honra sul-africana.
Ao dissertar aos sul-africanos numa reunião, Tiny
Rowland confirmou que o Presidente dos EUA, Henry Kissinger, havia proposto
subornar os portugueses com um empréstimo de USD80 milhões para atrasar a sua retirada
de Angola, a fim de ganhar tempo a favor dos sul-africanos por alguns meses. A South Africa Defence Force (SADF) estava
neste momento fortemente envolvida no conflito angolano. Claramente, se confiou
nessa inteligência e viram Tiny Rowland como um aliado útil.
Em 1975, a inteligência militar sul-africana constatou
as extensas conexões de Tiny Rowland em vários países africanos e árabes,
incluindo alegações de que ele tinha um relacionamento privilegiado com o ex-Secretário
da Organização para a Unidade Africana (OUA) e que estava “a dispor-se dos seus
serviços”. Interessava à inteligência militar sul-africana os bons ofícios de
Tiny Rowland para interferir a seu favor na guerra dos 16 anos em Moçambique a
favor da Renamo.
Na mesma altura Tiny Rowland indicou que a
Arábia Saudita apoiou o Apartheid na
África do Sul “a 100%” e referiu-se de um pagamento de USD2 milhões, feito
pelos EUA, ao Presidente egípcio Anwar Sadat, possivelmente relacionado com o
iminente conflito na Somália naquela época, cujas consequências até hoje são
testemunhadas pelos actos do Al-Shabaab
naquele país, incluindo nos países vizinhos como o Quénia e Tanzania e, mais
recentemente, a partir de 05 de Outubro de 2017, se estenderam até Moçambique,
com os ataques a Mocímboa da Praia, na Província de Cabo Delgado.
Documentos desclassificados a 16 de Outubro de
2017 revelam benefícios especiais ao Apartheid
e Tiny Rowland é tido um espião muito britânico. Tais documentos fazem um
conjunto de revelações que constam do artigo 12 da série Declassified: Apartheid Profits.
Ao pesquisar o livro recentemente publicado, The Apartheid Guns and Money: A Tale of
Profit, constata-se que o Open
Secrets colectou aproximadamente 40 mil exemplares de documentos de 25
arquivos secretos em sete países não especificados. Este tesouro contém
detalhes condenatórios dos indivíduos e corporações que sustentaram o Apartheid e do qual tiveram benefícios em
troca. Muitos destes documentos foram mantidos em segredo até agora. A maioria
permanece ainda oculta, apesar da transição da África do Sul para a nova democracia
multipartidária. Mas acredita-se que os segredos revelados são vitais e permitem
que o público analise evidências primárias do envolvimento do empresário
britânico Tiny Rowland e outros seus aliados internacionais a partir de
Pretória, na África do Sul, e do Reino Unido, como a então Primeira-Ministra Margaret
Thatcher.
Refira-se que o dia 16 de Agosto de 2012 é um
marco histórico. Foi uma das datas em que um outro conjunto de informações importantes
passaram a ser do conhecimento da maioria dos sul-africanos e que nunca
esquecerão desta data. Pois foi o dia que coincidiu a morte de 34 mineiros e mais
78 feridos por disparos da Polícia num Koppie
em Marikana. Este foi o maior uso da força policial mortífera contra civis na
África do Sul, desde o massacre de Sharpeville em 1960. Os trabalhadores tinham-se
acampado em protesto contra as más condições de trabalho e para reivindicar um
salário digno. Foi uma luta que foi enfrentada com munições ao vivo, disparadas
pela Polícia, cujos elementos atiravam para matar contra muitos mineiros
protestantes. Por isso, o massacre de Marikana continuará a ser um dos momentos
mais vergonhosos da escandalosa Presidência de Jacob Zuma, para além da Captura
do Estado pela família Gupta e dos escândalos de Nkandla.
A empresa de
mineração, no centro da qual se deu a tragédia, foi a gigante mineradora britânica
de platina denominada Lonmin. Mais tarde, revelou-se que Cyril Ramaphosa, um
poderoso accionista negro da Lonmin e que veio a ser Vice-Presidente do ANC e da
África do Sul em Dezembro de 2012 e em Maio de 2014, respectivamente, solicitou
a Polícia “acções concomitantes” que levariam à brutal repressão contra os
mineiros em greve. Em destaque, para a Lonmin, estava o fornecimento de
mão-de-obra negra barata que permitia colher mega-lucros na mina de platina. O brutal
massacre demonstrou que a Lonmin não pararia por nada para defender o seu histórico
modus operandi de obter lucros com a
exploração do homem pelo homem.
Refira-se que a Lonmin fora anteriormente a London and Rhodesian Mining and Land Company
(Lonrho) de que Tiny Rowland veio a tornar-se célebre gestor, incorporada em
1909 e sinónimo da expansão do capital britânico em África. Por mais de 30 anos,
a partir de 1962, a empresa foi controlada por Tiny Rowland, que era um controverso
magnata de negócios britânicos, descrito em 1973 pelo Primeiro-Ministro conservador
britânico Edward Heath como “o rosto desagradável e inaceitável do capitalismo”.
Os registos da Inteligência Militar sul-africana,
recentemente desclassificados, mostram que, em 1975, Tiny Rowland era
intermediário e fonte de informações de inteligência para o regime do Apartheid. Desde o final da década de
1940, Tiny Rowland se baseou no Zimbabwe, então Rodésia do Sul, e cultivou
fervorosamente uma grande teia de relações com a nova elite política africana.
A estratégia valeu-lhe a pena e, quando a febre de independências assolou a
África, Tiny Rowland celebrizou-se por de ter melhores contactos entre os novos
Chefes de Estado em África do que a Agência de Espionagem britânica MI5. Essas
conexões variaram de Muammar Gaddafi na Líbia para Kenneth Kaunda na Zâmbia e
fizeram dele o perfeito espião britânico.
Tiny Rowland conseguiu combinar as suas conexões
com o seu privilegiado status no
Reino Unido e nos EUA, para actuar como perfeito intermediário. Isto foi sendo ecoado
em briefings dados por Tiny Rowland
aos funcionários de defesa do Apartheid
na década de 1970. Os registos revelam que Tiny Rowland se encontrou com o
número um e dois no Departamento de Estado dos EUA, Henry Kissinger e Joseph
Sisco, para discutir o papel da UNITA em Angola.
Comentários
Enviar um comentário