EMPRÉSTIMOS OCULTADOS ELEVAM DÍVIDA PÚBLICA MOÇAMBICANA A 73,4 %
Rádio DW, 25.04.2016
Em Moçambique, organizações da
Sociedade Civil, exigiram uma auditoria exaustiva da divida pública e a
responsabilização administrativa e criminal dos dirigentes envolvidos na
contratação de dívidas em violação da lei.
Novas revelações divulgadas sexta-feira
(22.04.16), citadas pela agência LUSA indicam que os empréstimos escondidos
pelo Governo de Moçambique elevam a dívida pública a 73.4 por cento.
Face à essas informações as organizações moçambicanas integradas no Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO) manifestaram indignação em relação aos impactos do caso EMATUM na dívida de Moçambique e exigiram explicações do Governo e uma investigação criminal.
"Como cidadãos e contribuintes deste país, exigimos que o Governo faça uma
auditoria exaustiva da dívida pública, de modo a que se saiba o montante real,
os credores e o período de pagamento de cada uma das dívidas", declara o
FMO, num comunicado divulgado em Maputo, esperando que o executivo partilhe a
informação com a população e não apenas no estrangeiro.
O fórum reúne várias instituições da sociedade civil como a Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade (FDC), liderada por Graça Machel, o Centro de Aprendizagem e Capacitação da Sociedade Civil, o Grupo Moçambicano da Dívida e o Centro de Integridade Pública.
No comunicado, a plataforma exige igualmente que o Governo apresente a sua estratégia para pagamento das dívidas, responsabilize os autores da actual crise e reformule a estrutura fiscal, "acabando com a situação de grandes empresas que não pagam impostos ou os pagam apenas em parte".
Primeiro-Ministro moçambicano apela a calma
O primeiro-ministro de Moçambique,
Carlos Agostinho do Rosário, apelou aos moçambicanos para não entrarem em
pânico com as notícias relacionadas com o endividamento público do país - que
levou o Fundo Monetário Internacional (FMI) a cancelar esta semana a deslocação
de uma missão ao país.
Entretanto, novas revelações divulgadas na sexta-feira (22.04.2016), citadas pela agência de notícias Lusa, indicam que os empréstimos ocultados pelo Governo de Moçambique elevam a dívida pública a 73,4 %.
Nove mil e seiscentos milhões de
dólares
A dívida de 2014 que o Governo
moçambicano divulgou em Março aos investidores dos títulos de dívida da empresa
Moçambicana de Atum, EMATUM, é superior em mil milhões de dólares aos números
que constam dos documentos oficiais, revelou a Lusa.
A fonte acrescenta que, de acordo com
o prospecto confidencial preparado pelo ministério das Finanças e entregue em Março
aos investidores em obrigações da EMATUM, a dívida pública total de Moçambique
chegava a nove mil e seiscentos milhões de dólares.
Esta diferença aproxima-se do valor
dos novos empréstimos com garantias do Estado, revelados nas últimas semanas no
âmbito do caso EMATUM e que não constam nas contas públicas.
Vontade de ir às ruas
Ainda segundo a Lusa, o volume da
dívida pública estimado pelo ministério das Finanças de Moçambique, numa
comunicação aos investidores de obrigações da EMATUM, aumentou de 42% do
Produto Interno Bruto (PIB), em 2012, para 73,4% em 2015.
As notícias sobre o endividamento do
país estão a criar algum desconforto em vários segmentos da sociedade e
circulam já apelos nas redes sociais para a convocação de uma manifestação de
rua.
O primeiro-ministro de Moçambique
reconheceu na quinta-feira (21.04.2016), no seu perfil da rede social Facebook, na internet, que o Governo tem consciência de que a questão da dívida
está a preocupar e a deixar muitos moçambicanos de certa forma
"agitados", mas apelou para que não entrem em pânico.
Agostinho do Rosário, que se encontra
em Washington para esclarecer as dúvidas sobre a dívida pública, em particular
os empréstimos concedidos com garantias do Estado, adiantou que os encontros
que manteve esta semana com as instituições da Bretton Woods "produziram resultados encorajadores" e
prometeu partilhá-las oficialmente com os moçambicanos.
Governo versus oposição
Entretanto, a terceira força política
do país, o Movimento Democrático de Moçambique (MDM), revelou, por meio do seu
presidente Daviz Simango, que irá propor a criação de uma Comissão Parlamentar
de Inquérito (CPI) sobre o endividamento público.
"Num Estado de Direito não se
descobrem dívidas públicas. As dívidas contraídas pelo Estado são devidamente
registadas pelo Banco Central e a Assembleia da República é devidamente
informada. A partir de certos limites, requer que o Governo peça permissão à
Assembleia da República", justifica Daviz Simango.
Ainda este mês, a bancada do partido
no poder (FRELIMO) chumbou uma proposta do maior partido da oposição (RENAMO)
para que o Governo fosse ao Parlamento dar explicações sobre o endividamento do
país.
Para o antigo ministro das Finanças,
Tomás Salomão, é necessário que se determine o volume da dívida, as condições
em que foi contraída, a sua sustentabilidade e a capacidade do país em honrar
com os compromissos assumidos.
"Se no meio deste pacote existem
outras responsabilidades que não são de natureza pública, elas não podem ser
imputadas nem ao Estado nem aos contribuintes. Porque são responsabilidades que
se prendem com privados", defende Salomão.
Reacção à crise
A activista social, Graça Machel,
afirma ser preocupante que Moçambique, até há um mês considerado um exemplo,
seja considerado agora como o pior exemplo de quem contrai e faz a gestão de
uma dívida.
Graça Machel acredita que a questão da
dívida deve constituir uma oportunidade para Moçambique, mas deixa um aviso:
"Vai-se tratar da dívida, mas temos que produzir mais. Sem isso, eu acho,
vamos entrar numa crise muito grande".
Revelada a quarta dívida de Moçambique… O país deve mais de 2 biliões de dólares (Moz Massoko, 25 de Abril de 2016)
Além dos 850 milhões de dólares da EMATUM, Moçambique tem outra dívida avaliada em 622 milhões de dólares norte-americanos, de acordo com a edição de segunda-feira do Wall Street Journal, “o que os investidores não sabiam é que em 2013 o Credit Suisse e o VTB [os dois bancos que organizaram a operação de recompra de obrigações da Ematum este ano] emprestaram 622 milhões de dólares a outra empresa estatal chamada Proindicus para financiar a compra de navios e instalações de radar para combater a pirataria”.
O Wall
Street Journal conta ainda que no ano seguinte, “os bancos abordaram os
investidores para alargarem o empréstimo para um valor até 900 milhões de
dólares”, mas não esclarece se essa operação foi concretizada.
“Porque é que isso não foi revelado?”
– questionou um gestor de fundos da Candriam
Investors Group, em Londres, para dar a resposta logo de seguida: “Isso
seria claramente um aspecto negativo” na avaliação da operação de recompra de
obrigações da Ematum, em Março de 2016, que permitiu a Moçambique alargar o
prazo de pagamento dos 850 milhões de dólares de dívida em três anos, de 2020
para 2023, ainda que suportando uma taxa de juro anual maior, de 6,5% para
10,5%.
“O Credit
Suisse não disse aos detentores de títulos da Ematum até ao dia 24 de Março,
um dia depois de a maioria dos investidores ter aprovado a reestruturação”,
escreve o jornal norte-americano, notando que “a informação foi disponibilizada
por causa da descida de ´rating´ da Standard & Poor´s, dia 15, que
desencadeou uma cláusula que torna os empréstimos imediatamente reembolsáveis”,
segundo a interpretação das fontes conhecedoras do processo.
O grande problema, do ponto de vista
dos investidores, é que a existência de mais empréstimos escondidos pode
diminuir as hipóteses de pagamento se Moçambique não tiver condições para pagar
a dívida pública.
“Entre os títulos de dívida e os
empréstimos, o Credit Suisse e outros
bancos ajudaram Moçambique a pedir emprestado pelo menos de 1.470 milhões de
dólares norte-americanos só em 2013, o que representa um aumento de 25% face
aos 6 mil milhões de dólares norte-americanos de dívida reportada no final de
2012”, escreve o Wall Street Journal.
Com três dívidas, a situação já estava
complicada e, agora com 4, a coisa ficou feia, segundo avançou a Lusa. De 2013
a 2014 o governo moçambicano, na altura sob comando de Armando Emílio Guebuza,
contraiu 4 empréstimos. O primeiro de 850 milhões dólares a favor da empresa
nacional de Atum, o segundo a favor da Proindicus, uma empresa ligado aos Ministérios
do Interior e da Defesa e aos Serviços Secretos do Estado no valor de 504
milhões de dólares norte-americanos.
O terceiro empréstimo de 535 milhões
de dólares norte-americanos foi efectuado a favor da Mozambique Service Management, uma firma do estado criada para a construção
de um estaleiro em Pemba, e um quarto empréstimo ao Ministério do Interior, agora
revelado, entre 130 a 200 milhões de dólares norte-americanos, apesar de o FMI
ter para já essa certeza de que não foram declarados 1.35 mil milhões de
dólares norte-americanos em dívida. Fazendo as contas desses 4 empréstimos, o
valor ultrapassa os 2 mil milhões de dólares norte-americanos.
De acordo com um prospecto
confidencial preparado pelo Ministério das Finanças de Moçambique e entregue no
mês passado aos investidores em obrigações da Ematum, e a que a Lusa teve acesso
na quinta-feira, o volume da dívida pública de Moçambique aumentou de 42% do Produto
Interno Bruto (PIB) em 2012 para 73,4% em 2015. O rácio entre o valor da dívida
pública e o PIB aumentou de 42%, em 2012, para 52%, 56,6% e 73,4% da riqueza do
país nos três anos seguintes.
“A dívida pública total [incluindo a dívida
interna, externa e a garantida pelo Estado] equivaleu a 56,6% do PIB em 2014 e
deverá chegar aos 73,4% em 2015”, lê-se no documento confidencial que os investidores em
obrigações da Ematum analisaram antes de decidir trocar esses títulos por novos
títulos de dívida soberana do país, no mês passado.
Sociedade Civil exige lei que pune governantes que
contraem dívidas e lesam o Estado (Domingo, 24 Abril 2016)
As
Organizações da Sociedade Civil (OSC) agrupadas no Fórum de Monitoria do
Orçamento (FMO) estão revoltadas com os recentes desenvolvimentos em relação à
dívida pública, que no seu entender está a “mergulhar o país numa profunda
crise”. Por isso, exige uma auditoria exaustiva da dívida pública, de modo que
se saiba o montante real, os credores e o período de pagamento.
A
organização também quer que o Governo explique aos moçambicanos as reais
implicações da “avultada dívida”, sobretudo para o bolso do cidadão, que é quem
vai pagar. Exige também um esclarecimento sobre a estratégia do Governo para
pagar as dívidas e responsabilizar os seus autores.
“A par da
dívida pública externa, proceda a um inventário total da dívida pública interna
existente, identificando os credores do Estado bem como o período em que cada
uma das dívidas tem de ser paga”, refere uma nota de imprensa enviada à nossa
redacção pelas Organizações da Sociedade Civil.
As
organizações sugerem ainda que o Governo reformule a estrutura fiscal do país,
eliminando a situação em que grandes empresas não pagam impostos ou pagam
apenas em parte.
Ao
Parlamento, a Sociedade Civil exige que crie uma lei de Responsabilização
Fiscal que penaliza a violação do limite máximo de avales estabelecidos na lei
orçamental e que garanta que os gestores públicos que lesam o Estado sejam
exemplarmente punidos.
As
organizações pedem à Procuradoria-Geral da República (PGR) que investigue e
responsabilize administrativa e criminalmente todos os dirigentes envolvimentos
na contratação de dívidas de forma não transparente e violando a lei orçamental,
particularmente nos últimos cinco anos.
“Nos últimos
cinco anos, a Dívida Pública moçambicana cresceu a uma taxa anual superior a
20%, tendo atingido um valor nominal de pelo menos 8.1 biliões de dólares norte-americanos.
No entanto, desde o ano passado, com a renegociação da dívida da EMATUM, e
agora com a “descoberta” da dívida da ProIndicus e da Base Logística de Pemba,
o Estado moçambicano acumulou mais de 2 biliões de dólares americanos em dívida
pública”, diz o comunicado.
De acordo
com a informação oficial do Ministério da Economia e Finanças (MEF), citada
pelas Organizações da Sociedade Civil, até 2014 (antes da contabilização da
EMATUM, do conhecimento público da ProIndicus e da Base Logística de Pemba), a
dívida pública era quase metade (49%) do produto interno bruto (PIB).
Ordem dos Advogados diz que há indícios de infracções
criminais
Ordem considera que acção do Governo consubstancia uma extrapolação das
suas competências constitucionais. A Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados
de Moçambique junta-se às vozes que condenam os moldes da contratação das
dívidas públicas e avança, através de um comunicado à imprensa, que a actuação
do Governo nas dívidas escondidas indicia infracções criminais.
A Ordem dos
Advogados refere que houve falta de transparência do Governo na utilização
dos fundos contraídos, pois, no que diz respeito à Ematum, o processo de
contratação pública foi realizado sem concurso público, através de um ajuste directo
de uma única fonte (Privinvest/Abu Dhabi
Mar) e, em relação aos outros empréstimos, não se conhece a sua finalidade,
nem como o referido valor foi aplicado, o que levanta sérias preocupações
quanto à transparência e integridade.
A Ordem
considera que a acção do Governo consubstancia uma extrapolação das suas competências
constitucionais, pois agiu em flagrante desrespeito à Assembleia da República,
para além de ter violado a legalidade orçamental e sonegado a informação sobre
a existência de elevadas dívidas públicas, práticas que, juridicamente,
indiciam infracções criminais de abuso de cargo ou funções, para além de
normas de preterição de execução orçamental.
Sociedade civil exige responsabilização criminal dos
governantes envolvidos na contratação das dívidas (O País, 25 Abril 2016 08:23)
As organizações da sociedade civil não sossegam diante do elevado
nível de endividamento público e, sobretudo, do facto de grande parte da dívida
ter sido mantida escondida. Indignadas, emitiram uma série de medidas a serem levadas a cabo pelo Governo,
pelo Parlamento e pela Procuradoria-Geral da República (PGR), no sentido de
estabelecer transparência sobre os números e contornos das respectivas
dívidas, durante o Fórum de Monitoria do Orçamento.
Do Governo,
as organizações da sociedade civil exigem auditoria exaustiva à dívida
pública, de modo a que se saiba:
·
O montante
real, os credores e o período de pagamento de cada uma das dívidas;
·
A publicação
de toda a informação sobre a dívida pública, para o conhecimento dos cidadãos
moçambicanos;
·
Explicação aos
moçambicanos sobre as reais implicações da dívida para o país e, sobretudo,
para o bolso do cidadão;
·
Esclarecimento
da estratégia para o pagamento das dívidas, através de medidas concretas e
responsabilização dos autores;
·
A par da
dívida pública externa, proceda a um inventário total da dívida pública interna
existente, identificando os credores do Estado, bem como o período em que cada
uma das dívidas tem de ser paga;
·
Recorrer ao
endividamento interno apenas quando for necessário, evitando assim criar
demasiados encargos financeiros para o Estado, dada a onerosidade das taxas de
juro da dívida pública interna;
·
Reformular a
estrutura fiscal de Moçambique, acabando com a situação de grandes empresas
que não pagam impostos ou que os pagam apenas em parte, assim como a situação
em que os trabalhadores pagam mais impostos do que as empresas;
·
Estabelecimento
de uma matriz de prioridades para o endividamento futuro, de modo a que nenhum
Governo ou dirigente do país possa contrair dívidas para projectos de
viabilidade e prioridade discutíveis e duvidosos.
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