O SENTIDO DE HUMANIDADE DO PRIMEIRO MUNDO
(O exemplo da França)
Por RM Kuyeri, 29 de Abril de 2019

Há quem terá ficado muito triste com o incêndio na Catedral Notre Dame em Paris, França, que só causou danos materiais, mas nada se importou com os efeitos devastadores do ciclone tropical Idai que, para além de danos materiais e destruição de infra-estruturas e culturas alimentares, ceifou vidas de quase um milhar de pessoas em Moçambique, Malawi e Zimbabwe. Só em Moçambique, país que mais sofreu com o ciclone, foram mais de 600 pessoas mortas e várias outras muitas centenas de feridos e desaparecidos.

Para o primeiro mundo, em especial além da França os EUA, onde uma jornalista teve que implorar o Presidente Donald Trump para olhar para a catástrofe que se abatia contra Moçambique e prometeu informar-se, isso nada significou. Mesmo uma semana semana depois, com todo o aparato de agências especializadas de informações que os EUA têm em todo o mundo, inclusive em Moçambique, o Presidente Donald Trump fingiu que não sabia de nada do que se estava a passar em Moçambique, Malawi e Zimbabwe.

Tudo bem. É normal. Especialmente quando se trata de África, onde sua gente, desde os tempos da escravatura, não é constituída por seres humanos!

Porém, em menos de 24 horas, a França arrecadou UDS2 mil milhões de solidariedade internacional para a reconstrução da Catedral de Notre Dame em Paris, França, que acabava de sofrer um incêndio. Veja-se que é o mesmo valor das badaladas dívidas ocultas de Moçambique que custou vidas a muitos moçambicanos. O crime foi que o Governo moçambicano falhou informar aos patrões acomodados nas grandes poltronas do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI). Isso foi motivo mais do que suficiente para cortar toda a ajuda internacional e linhas de créditos, numa imposição de autênticas sanções económicas. Consequentemente, parturientes e crianças morreram por falta de medicamentos básicos.

Como se não bastasse, Apha Conté, um político guineense e actual Presidente da Guiné-Conacri desde 2010, líder do partido Rassemblement du Peuple de Guinée, do grupo étnico Mandinga naquele país africano ex-colónia francesa, foi um dos primeiros a doar €100 milhões para a reabilitação da Catedral Notre Dame em Paris. Alpha Conté nem se quer se dignou a mandar uma simples carta de condolências pela porte de quase um milhar de seus concidadãos africanos em Moçambique, Malawi e Zimbabwe por conta do ciclone tropical Idai.

Engraçado, não é!

A mesma França, que desde 1957 e após 62 anos das independências das suas colónias francesas em África, cobra às suas ex-colónias 85% das suas reservas nacionais. Trata-se de 15 países africanos que constituem a Comunidade Francófona que continuam a pagar um salvo-conduto à França todo o ano. Alguns desses países passam por devastadoras destruições devido a guerras e fome, como são os casos de Benim, Burquina Faso, Costa do Marfim, Mali, Níger, Senegal, Togo, Camarões, República Centro Africana, Chade, Congo, Guiné Equatorial e Gabão.

As ex-colónias francesas em África são obrigadas a transferir para a França 60% das suas reservas que ficam depositadas no Banco Central da França e só podem usar 15% do valor ao ano, ficando para a França os restantes 85%. Se usarem mais do que os 15% das suas reservas depositadas no Banco Central da França, aquelas ex-colónias francesas são obrigadas a pagarem uma taxa de 65% de juros a favor da França, como se estivessem a contrair empréstimos, quando se trata do seu próprio dinheiro.

A própria França promove e investe em guerras e golpes de Estado nas suas ex-colónias, recorrendo aos próprios dinheiros depositados pelos Governos das suas ex-colónias no Banco Central da França. Por conta disso, já morreram mais de 350 milhões de inocentes em guerras causadas pela pobreza naqueles países.

Por exemplo, até 2004, o Haiti, sua ex-colónia na América Central, tinha de pagar o valor equivalente em induto à França, o que gerou mais de USD77 mil milhões aos cofres da Pátria da Torre Eiffel e do amor – a França. Para quem gosta de números, isso é o mesmo que dizer que, daquele valor, USD500 mil milhões ficaram para caixa do erário público da Pátria-Mãe”, a França, em cada ano! Não tenho informações do que se passa depois de 2004 no Haiti, por exemplo. Agora, imagine-se o que estará a passar nas ex-colónias francesas em África.

Mas isso não é tudo.

Para piorar, toda e qualquer descoberta mineral nas ex-colónias francesas em África pertence à França. Todo o equipamento militar e treinamento das forças de defesa e segurança das ex-colónias francesas têm que ser franceses para se garantir a sua fidelidade à Paris, a verdadeira capital da África da francofonia que mantém o Franco como moeda nacional.

Agora entende-se porque a França está a ganhar muito dinheiro com as guerras nas suas ex-colónias. E, ironicamente, se deve pensar que a religião de Notre Dame é baseada em acções de filantropia virada a cuidar dos pobres e desamparados... É mesmo ironia não é?

Então, você que está “desamparado” com Notre Dame, relaxa, que as crianças africanas vão pagar a conta para os brancos europeus poderem ter uma igreja aonde se prega a igualdade, liberdade e fraternidade e o exemplo já iniciou com o maior filantropo africano, Apha Conté, que já doou €100 milhões e nada se está importando com o sofrimento do seu povo.

Infelizmente, alguns de nós africanos preferimos não ler e dedicarmo-nos à bebidas importadas como o champagne e vinhos espumantes franceses, outros vinhos e cervejas. Depois chamam simplesmente a estas realidades de Fake News, já que está na moda tratar por Fake News tudo o que não for do nosso agrado.

Porém, gostaria convidar para que, enquanto sorvem o vosso champagne, vinhos, espumantes e cervejas franceses, sigam com os vossos smartphones o link que se segue e vejam no site do próprio Governo francês. Na nota 40 da última página, os próprios franceses confirmam que, se não fosse o dinheiro africano, a França seria um país de terceiro mundo: https://www.diplomatie.gouv.fr/IMG/pdf/24_Lombart.pdf). Trata-se de um documento em francês, disponível em formato pdf de 15 páginas, intitulado LA POLITIQUE EXTÉRIEURE DU PRÉSIDENT JACQUES CHIRAC DANS UN MONDE AMÉRICANO-CENTRÉ, da autoria de Laurent Lombart, que traduzido é: “A Política Externa do Presidente Jacques Chirac no Mundo da América Central”.

Para quem quiser ler mais e aprofundar sobre o assunto, pode se divertir com os links https://afrolegends.com/2017/05/01/the-11-components-of-the-french-colonial-tax-in-africa/amp/ e https://blogs.mediapart.fr/jecmaus/blog/300114/franceafrique-14-african-countries-forced-france-pay-colonial-tax-benefits-slavery-and-colonization ou procure, através do pesquisador Google, assuntos relacionados com: colonial tax france.

Esta é a pura realidade, para a qual alguns europeus, com especial destaque para alguns deputados italianos, já se insurgiram publicamente contra a política externa da França em relação às suas ex-colónias africanas, ainda estes ano, em torno da greve dos coletes amarelos na França. O assunto já foi motivo de animosidades diplomáticas entre a França e a Itália.

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