JUÍZES
DE CAUSAS PRÓPRIAS
Por
RM Kuyeri, 30 de Abril de 2019
Se
há algo que aprendi com o expediente “Dívidas Ocultas” é que
estamos num mundo civilizado em que o Direito só existe para juízes
de causas próprias. Trata-se das chamadas Instituições de Breton
Woods. Aliás, o Banco Mundial e o Fundo Monetário
Internacional (FMI).
Por
conta das famigeradas “Dívidas Ocultas”, estas duas instituições
acusaram Moçambique, julgaram-no e o condenaram sem direito a
defesa. Pelo mesmo diapasão seguiram o exemplo a respectiva fauna
acompanhante, conhecida por “Parceiros de Cooperação”, mas
todos eles do ocidente. Mas também não se podia esperar outros, já
que o Banco Mundial e o FMI são do ocidente.
Mas
Moçambique, tal como Cuba há já 59 anos de embargo, Zimbabwe e
outros países, sobreviveu às sanções, mesmo quando os nossos
patriotas, conhecidos como os “Profetas da Desgraça”,
vaticinavam que Moçambique não sobreviveria nem se quer durante
seis meses sem o Banco Mundial, o FMI e os famigerados doadores
internacionais, todos eles ocidentais. Mas, transcorridos quase cinco
anos, cá estamos firmes, apesar dos ciclones tropicais Idai e
Kenneth que assolaram e ainda assolam as regiões centro e norte de
Moçambique, respectivamente.
Consola-me
saber que, mesmo lá no ocidente, há gente atenta e sensata que
conhece a árvore do bem e do mal no seu jardim de Éden. Refiro-me
por exemplo a Sarah-Jayne Clifton que protestou publicamente, ao
referir que o “Empréstimo do FMI a Moçambique é uma ‘acusação
chocante’”.
Segundo
Sarah-Jayne Clifton, Directora da
Organização
Não-Governamental
britânica, denominada
Campanha
para o Jubileu da Dívida (Jubilee
Debt Campaign - JDC),
disse, no passado dia 28 de
Abril de 2019, que o empréstimo
do Fundo Monetário Internacional (FMI) a Moçambique para responder
aos
efeitos devastadores do Ciclone
Tropical Idai
é uma “acusação chocante” e defendeu que a ajuda internacional
devia ser em
forma de doação e
não na forma de empréstimos, nem que sejam concessionais.
No
dizer de Sarah-Jayne Clifton, “é uma acusação chocante da
comunidade internacional que um país tão empobrecido como
Moçambique tenha de ter um empréstimo de instituições
internacionais para lidar com a devastação causada pelo ciclone
Idai. As doações de emergência deviam estar disponíveis para
todos os países empobrecidos em resposta a desastres naturais como o
Idai, especialmente aqueles desastres naturaus que resultam dos
efeitos das mudanças climáticas causadas pelas nações mais ricas
do Norte”, acrescentou a Directora do JDC num comentário sobre o
empréstimo de quase USD120 milhões para o programa de reconstrução
pós-Idai no centro de Moçambique.
Sarah-Jayne
Clifton defende que Moçambique “já está a sofrer uma crise da
dívida causada por empréstimos secretos providenciados por bancos
baseados em Londres, pelo que os estragos causados pelo ciclone Idai
são mais uma razão para estes fundos não serem pagos”. Ela
aponta para o facto de “os estragos causados pelo ciclone Idai
significam que Moçambique precisa também, agora, de um perdão
sobre as outras dívidas, incluindo as do FMI, ao invés de ter que
endividá-lo ainda mais com novos empréstimos”.
Para
Sarah-Jayne Clifton, “é um juízo chocante que a devastação do
Idai não seja o suficiente para garantir que o FMI conceda perdão
ou alívio da dívida” a Moçambique. Pois, para além da questão
específica do empréstimo do FMI, que tem um período de graça de
quatro anos e pagamento num período de 10 anos, sem juros, o CJD
critica também o Fundo por lucrar com este tipo de financiamentos.
Segundo
as contas do CJD, nos últimos anos, o FMI tem estado a ganhar lucros
fabulosos dos empréstimos concedidos a países com médio e alto
rendimento. No ano financeiro de 2018 teve um lucro operacional de
USD550 milhões, contra os USD1.3 mil milhões de 2017, que vão para
as reservas do FMI, e, em 2010, as reservas do FMI já totalizavam
USD17.3 mil milhões. Em Outubro de 2018, aquelas reservas do FMI
aumentaram para USD30 mil milhões. Por isso mesmo aquela ONG
britânica condena o excessivo endividamentos dos países mais pobres
pelos mercados que os financiam.
O
Ciclone Tropical Idai atingiu a região centro de Moçambique a 14 de
Março de 2019, causando 603 mortos, centenas de feridos e
desaparecidos, para além de infra-estruturas gravemente danificadas
e culturas totalmente destruídas, deixando gente sem proventos
alimentares nem abrigos.
Como
se não bastasse, desde 28 de Abril de 2019 que o ciclone tropical
Kenneth está a fustigar as Províncias de Cabo Delgado e Nampula,
com dezenas de mortos em Cabo Delgado, incluindo a cidade capital
Pemba, para além de avultados danos em infra-estruturas e destruição
de diversas culturas alimentares.
Porém,
é sobre o tamanho sofrimento do povo moçambicano que as
instituições de Breton Woods vêem oportunidades de negócios
chorudos, a ponto de terem esquecido a sua sentença em torno do
dossier “Dívidas Ocultas”.
Mas
fazer o quê se somos réus e quem acusa é o juiz que produz as
provas, julga e sentencia em nome Direito Internacional.
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