LAM DEVE MAIS 1.6 BILIÃO DE METICAIS A FORNECEDORES NACIONAIS E ESTRANGEIROS
@verdade, 02 Julho de 2017

Em situação de falência técnica, as Linhas Aéreas de Moçambique, S.A. (LAM), quase pararam de pagar aos seus fornecedores entre 2014 e 2015, acumulando dívidas superiores a 1.6 bilião de meticais.

Os Aeroportos de Moçambique (ADM), a Petróleos de Moçambique (Petromoc), a Star Air Cargo, a Aero Century e a British Petroleum (BP) são os principais credores das LAM que, apesar das dívidas acumuladas à banca nacional, não se coibiu de endividar-se na África do Sul, para a aquisição de viaturas de luxo e até aumentaram, durante o exercício de 2015, as remunerações do seu Conselho de Administração, na altura comandado por Silvestre Sechene e Marlene Manave.

Como o @Verdade revelou a 31 de Dezembro de 2015, as LAM estavam em situação de falência técnica, pois tinham um capital próprio negativo de 1.321.839.818 meticais, resultante de perdas acumuladas de 4.058.057.985 meticais, e as suas responsabilidades correntes excediam os activo correntes em 1.507.041.177 meticais.

A falência técnica das LAM apresentava capitais próprios negativos e as contas que tinham para pagar excediam os seus activos correntes. Além disso, o @Verdade apurou que, no seu Relatório e Contas do exercício de 2015, a companhia aérea de bandeira nacional acumulava dívidas de mais de 5 biliões de meticais junto da banca.

A Ernst & Young constatou que “a perda de mais de metade do capital social coloca a empresa perante a situação prevista no artigo 119º do Código Comercial, tornando-se imperativo implementar medidas, que impeçam a aplicação das acções previstas no referido artigo”.

O @Verdade verificou o Código Comercial e o artigo supracitado, relativo à Perda de metade do capital, determina o seguinte:

“1. O órgão de administração que, pelas contas de exercício, verifique que a situação líquida da sociedade é inferior à metade do valor do capital social deve propor, nos termos previstos no número seguinte, que a sociedade seja dissolvida ou o capital seja reduzido, a não ser que os sócios realizem, nos sessenta dias seguintes à deliberação da proposta que resultar, quantias em dinheiro que reintegrem o património em média igual ao valor do capital”.

“2. A proposta deve ser apresentada e votada, ainda que não conste da ordem de trabalhos, na própria assembleia que apreciar as contas ou em assembleia a convocar nos oito dias seguintes à sua aprovação judicial nos termos do artigo 175”.

“3. Não tendo os membros da administração cumprido o disposto nos números anteriores ou não tendo sido tomadas as deliberações ali previstas, pode qualquer sócio ou credor requerer ao tribunal, enquanto aquela situação se mantiver, a dissolução da sociedade, sem prejuízo de os sócios poderem efectuar as entradas referidas no nº1, até noventa dias após a citação da sociedade, ficando a instância suspensa por este prazo”.

Refira-se que são accionistas da empresa LAM, nomeadamente: o Estado moçambicano com 96% do capital social e o restante montante correspondente a 4% é subscrito pela Vintelam, uma sociedade anónima composta por trabalhadores da companhia.

LAM deve biliões à banca nacional

O @Verdade não conseguiu obter uma reacção das LAM sobre este Relatório e Contas. Contudo, tendo em conta que a companhia continua em operação, é crível que os accionistas tenham injectado mais dinheiro, pois, na banca nacional, a empresa já acumulava dívidas bilionárias.

Aliás, estas contas só foram encerradas em Julho de 2016 pela nova administração liderada pelo Presidente do Conselho de Administração (PCA), António Pinto de Abreu, co-adjuvado pelo Presidente do Conselho Executivo (PCE), António Pinto, entretanto nomeada pelo Presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi, em Fevereiro desse ano.

A médio e longo prazo as LAM têm dívidas que ascendem aos 3.8 biliões de meticais no Banco Comercial e de Investimentos (BCI), no Banco ABC, no Moza Banco, no Millennium BIM e ainda no Banco Nacional e de Investimentos (BNI).

Já as obrigações bancárias correntes da companhia aérea nacional ultrapassavam os 5.1 biliões de meticais, com dívidas no Millennium BIM, BCI, Banco ABC, Banco Único, Moza Banco, Standard Bank e até no falido Nosso Banco.

Entretanto, o Relatório e Contas da companhia aérea de bandeira nacional, a que o @Verdade teve acesso com exclusividade, revela outros números preocupantes. Entre 2014 e 2015 a dívida com fornecedores aumentou em 745.384.392 meticais, ascendendo a 1.696.669.414 meticais.

O principal credor é a ADM, empresa estatal que também está com as contas no vermelho e não está a conseguir sequer amortizar as dívidas contraídas para a construção do aeroporto de Nacala, a quem as LAM simplesmente pararam de pagar e que duplicaram o valor em dívida que ascendia a mais de 556 milhões de meticais.

Outra empresa estatal que também enfrenta problemas sérios nas suas contas, a Petromoc, tem literalmente financiado os combustíveis e lubrificantes às LAM, cuja dívida era de pouco mais de 44 milhões de meticais em 2014 e que saltou para mais de 189 milhões de meticais em 2015.

Para o aumento da dívida com a Petromoc terá contribuído a suspensão que a petrolífera BP efectuou, no início de 2016, nos reabastecimentos das aeronaves pertencentes às LAM. Só até final de 2015 a dívida ascendia a mais de 52 milhões de meticais, repartidos entre a subsidiária no nosso país e na vizinha África do Sul.

“Estamos em pânico e com medo”, relatou ao @Verdade uma passageira após o avião das LAM em que viajava ter registado problemas técnicos que forçaram uma longa paragem para manutenção no aeroporto de Quelimane. A jornada entre Maputo e Nacala, que deveria ter sido de três horas, foi realizada em 22 horas sem direito a informação, alimentação digna e nem mesmo acomodação.

De permeio a aeronave Boeing 737-500 teve que fazer uma escala não prevista na cidade da Beira, para reabastecimento, pois a petrolífera BP cortou o fornecimento de combustíveis às LAM, devido a dívida acumulada.

Diante destas situações que não são novas e colocam em risco a segurança dos passageiros, o Instituto de Aviação Civil de Moçambique (IACM) mantém-se em silêncio cúmplice.

O receio da nossa entrevistada devia-se ao facto de ela, assim como pelo menos cinco dezenas de outros passageiros, estarem a “ser obrigados a subir no mesmo voo”, o TM1166 que, no dia 09 de Maio de 2016, fazia a ligação entre a cidade de Maputo e de Nacala, na Província de Nampula, quando teve um problema eléctrico.

Inicialmente o voo estava previsto partir do aeroporto de Mavalane às 12h10, fazer uma escala em Quelimane e depois seguir para o novo aeroporto da cidade portuária do Norte, “mas só partimos 14h40”, relatou-nos.

Com cerca de duas horas de viagem “sentimos algo estranho, quando estávamos a aproximar-nos do aeroporto de Quelimane. Todas as luzes apagaram e escutamos um barulho estranho. Parecia que o piloto ia aterrar, mas não aterrou”, contou-nos a passageira acrescentando que o avião ficou mais alguns minutos no ar e só depois se fez à pista, eram já 16 horas.

Como estava prevista uma escala na capital da Zambézia, os passageiros deixaram a aeronave e aguardaram na zona de trânsito. Esperaram e começaram a desesperar, particularmente porque nenhum funcionário da companhia aérea estatal se dignou a informar sobre o que se estava a passar. Após muita pressão, os passageiros souberam que a aeronave tinha tido problemas técnicos.

Ao @Verdade as Linhas Aéreas de Moçambique explicaram que foi registado um problema eléctrico quando a aeronave já estava em terra. Devido a natureza da avaria, que as LAM não quiseram precisar, foram enviados técnicos da capital do país para irem reparar a aeronave Boeing estacionada no aeroporto de Quelimane.

Instituto de Aviação Civil de Moçambique acoberta o mau serviço e insegurança nas LAM

À essa altura, cerca de 10 horas após o início da viagem, as LAM já sabiam com que avaria estavam a lidar e que, apesar de poder ser reparada, a tripulação não poderia voar, precisaria de descansar antes de retomar o voo, porém não disponibilizaram acomodação para os seus passageiros. “Só disseram que iríamos jantar num sítio onde cada um teria de consumir até 500 meticais, enquanto esperávamos o avião que viria de Maputo para transportar-nos”, declarou a nossa entrevistada, assegurando-nos que em nenhum momento as LAM mencionaram que os passageiros teriam direito ao alojamento na cidade de Quelimane.

O @Verdade perguntou às LAM quais são as suas normas de tratamento dos seus passageiros em casos de atraso, uma informação que na generalidade das companhias é de domínio público. O Gabinete de Comunicação da “nossa” companhia, participada pelo Estado em 96%, esclareceu que, após mais de três horas de atraso, é servida uma refeição ligeira e, caso esse período decorra nas horas habituais de almoço ou jantar, essas refeições são fornecidas. Já a acomodação dos passageiros só acontece quando o voo tem um atraso superior a oito horas, há muito ultrapassadas na jornada do voo TM1166.

O @Verdade contactou o Instituto de Aviação Civil de Moçambique, Órgão Regulador do sector, para apurar que direitos têm os passageiros em Moçambique, caso o voo que os tenha transportado tenha sofrido vários e sucessivos atrasos, até chegar ao destino? A instituição dirigida por João de Abreu, antigo piloto e comandante das LAM, prontificou-se a responder as questões enviadas por escrito pelo @Verdade. Porém, até ao fecho da edição, não o tinha efectuado.

Recorde-se que as companhias áreas moçambicanas estão banidas de voar para a Europa, desde Abril de 2011, devido a incapacidade do Instituto de Aviação Civil de Moçambique aplicar e provar a eficácia nos mecanismos de segurança internacionalmente exigidos.

Não é preciso ser viajante frequente para provar os maus tratos da transportadora aérea nacional. Porém, apesar disso, não há memória de o IACM ter-se pronunciado alguma vez relativamente às condições que os passageiros são submetidos ou sobre os problemas de segurança das aeronaves operadas pelas LAM.

Legislação da Aviação é vaga sobre os direitos dos passageiros

Mouzinho Nichols, Presidente da Associação Moçambicana de Defesa do Consumidor, referiu, num breve contacto telefónico, que a legislação que regula os direitos dos passageiros no nosso país é a Lei da Aviação Civil.

Verificamos, entretanto, que a Lei em apreço, 21/2009, é vaga sobre os direitos dos passageiros em casos de anomalias. A alínea a) do número 1 do artigo 49 estabelece apenas que “a não realização do voo ou a interrupção do voo conferem ao passageiro o direito ao reembolso da passagem aérea na medida do percurso não realizado e ao pagamento das despesas ordinárias de deslocação, alimentação, alojamento e comunicação”.

Importa referir que o direito ao reembolso da passagem aérea será de pouco interesse para os passageiros, pois as LAM detêm o monopólio do transporte aéreo em Moçambique, não existindo alternativa.

Chefe de escala das LAM chamou a polícia

Cansados de ficar no restaurante, “porque era um local ao ar livre”, os passageiros pediram para voltar ao aeroporto de Quelimane. Eram cerca das 23 horas, quando “ficamos a saber que o avião só chegaria a 1h09”, madrugada do dia seguinte.

“Ficamos no aeroporto a espera” contou-nos a passageira que falou com o @Verdade, “mas, para o nosso espanto, uma vez o avião já no aeroporto, eles simplesmente só recolheram os passageiros com destino a Maputo e a nós com destino à Nacala disseram que deveríamos esperar o avião avariado ser consertado para depois prosseguir a viagem”.

“Foi quando começamos a exaltarmo-nos e então o chefe de escala (das LAM) resolveu chamar a polícia. Mas nós continuamos em direcção ao avião que estava na pista e iria partir para Maputo. Preferíamos voltar a Maputo do que permanecer em Quelimane, um aeroporto que nem sanitários condignos tem e onde nem água saía”, desabafou a nossa entrevistada.

“Foi quando eles, de imediato, tiraram a escada e nós decidimos permanecer na pista” afirmou ainda a nossa entrevista que disse que, apesar da presença da polícia, os passageiros não se amedrontaram, mas acabaram por deixar a pista, porque, entretanto, começou a chover.

Regressaram às precárias instalações do aeroporto de Quelimane onde cada um, à sua maneira, acomodou-se. Nem cadeiras existiam para todos. Até cerca das 5h30 de terça-feira, 10 de Maio de 2016, quando enfim os passageiros foram embarcados no Boeing. Mas, “segundo o comandante, não tinha combustível suficiente para ir a Nacala”, tivemos de ir a Beira abastecer, relatou-nos a passageira que prefere não se identificar. Foi outra hora de viagem para a capital da Província de Sofala e, depois do avião reabastecido, enfim voou para Nacala onde aterrou alguns minutos após as 8 horas.

Os passageiros que pagaram, pelo menos 15 mil meticais pela passagem aérea, nem um pedido de desculpas formal tiveram direito.

Mouzinho Nichols disse ao @Verdade que algum passageiro tem que decidir chatear-se e processar às LAM. É que, à falta de especificação sobre os direitos dos passageiros, a Lei da Aviação Civil estabelece que “Aos danos causados ao passageiro, bagagem e carga e aos incidentes no voo que ocorram no decurso de transporte internacional ou nacional, são também aplicadas as regras estabelecidas nas convenções internacionais de que a República de Moçambique é parte e na demais legislação em vigor”, pode-se ler no número 7 do artigo 44.

Ora essas convenções determinam, por exemplo, para as companhias que voam para o espaço aéreo europeu (onde as companhias moçambicanas estão banidas), que em casos de atrasos de “duas horas ou mais, no caso de quaisquer voos até 150km; três horas ou mais, no caso de voos intra-comunitários com mais de 1.500km e para todos os outros voos entre 1.500 e 3.500km; quatro horas ou mais, no caso de voos não abrangidos pelos casos precedentes, o passageiro tem direito a assistência imediata.

“Esta assistência será constituída pela disponibilização de refeições e bebidas em proporção razoável com o tempo de espera; a possibilidade de efectuar, a título gratuito, duas chamadas telefónicas, telexes, mensagens via fax ou mensagens por correio electrónico. Caso a hora de partida do novo voo seja no dia seguinte à data programada, o passageiro terá, ainda, direito a alojamento em hotel e transporte de ida e volta entre o aeroporto e o local de alojamento. Caso o atraso seja de cinco horas ou mais, o passageiro tem direito ao reembolso do preço total do bilhete no prazo de sete dias (e voo gratuito até ao ponto de partida quando tal se justifique)”, refere um documento do centro europeu do Consumidor.

BP corta fornecimento de combustíveis por dívidas acumuladas

Mas os problemas da “nossa” transportadora aérea não se resumem a atrasos e mau atendimento aos passageiros. O @Verdade teve acesso a um documento onde a petrolífera BP informa aos seus superintendentes, supervisores e operadores nos aeroportos em Moçambique “que até instrução em contrário não se deverão efectuar reabastecimentos às aeronaves pertencentes à Companhia LAM. A instrução cobre todos os voos – locais e regionais”, indica o boletim comercial a que tivemos acesso.

Contactada pelo @Verdade a BP em Moçambique não quis prestar nenhumas declarações. Contudo, de acordo com a publicação Africa Energy Intelligence, a decisão de cessar o abastecimento das aeronaves das LAM foi tomada em Abril de 2016, devido a dívidas acumuladas pelas LAM, estimadas em três milhões de dólares norte-americanos.

Uma fonte ligada a aviação civil moçambicana acrescentou que, devido a esta decisão da BP, os aviões das LAM que voam para a cidade sul-africana de Joanesburgo passaram, nessa altura, a sair da cidade de Maputo com o tanque cheio de combustível para não precisarem de abastecer no aeroporto O.R. Tambo.

Uma situação muito irregular e insegura, disse-nos a fonte que acrescentou que, devido a pressão dos tripulantes as LAM, passaram a pagar a pronto o abastecimento das suas aeronaves que continuam a efectuar os voos entre a capital moçambicana e aquela cidade sul-africana.

Desde Fevereiro deste ano que as LAM têm novos órgãos sociais dirigidos por António Pinto de Abreu, o terceiro PCA em cinco anos, ao longo dos quais a qualidade dos serviços da transportadora estatal deterioraram-se, os atrasos multiplicaram-se e o custo das passagens encareceu.

Outros fornecedores a quem as LAM devem avultadas quantias são empresas de leasing de aeronaves. À sul-africana Star Air Cargo, as LAM deviam mais de 82 milhões de meticais, ao que o @Verdade apurou relativo ao aluguer de uma aeronave Boeing 737-200 com o registo ZS-SMD. Já a norte-americana Aero Century, onde foram feitos os leasings das aeronaves Bombardier, a dívida acumulada ultrapassa os 62 milhões de meticais.

É no entanto interessante notar que o custo dos aviões Bombardier é assumido pela companhia aérea de bandeira nacional, mas são operados pela empresa Moçambique Expresso (MEX), a sua subsidiária que não gera receitas e acumula prejuízos de mais de 317 milhões de meticais.

Salários da Administração aumentaram, carros de luxo foram comprados na África do Sul

Importa recordar que, no exercício de 2015, a situação das contas das LAM era também agravada pelo passivo junto da banca nacional. A médio e longo prazo, as dívidas ascendiam a 3.8 biliões de meticais, aos quais se somam outras obrigações bancárias superiores a 5.1 biliões de meticais.

Mas, apesar desse passivo, o Conselho de Administração (CA), na altura liderado por Silvestre Sechene, que tinha como executiva a Administradora Delegada Marlene Manave, aumentou as suas benesses. As remunerações da Administração passaram de 19.5 milhões de meticais para 20.3 milhões de meticais.

Ademais, foram adquiridas quatro viaturas de luxo na África do Sul recorrendo a um leasing no Ned Bank, no montante de 949.204 rands.

Por outro lado o @Verdade apurou no Relatório e Contas que trabalhadores das Linhas Aéreas de Moçambique continuam a contrair dívida na empresa, em 2014 acumulavam empréstimos de mais de 13 milhões de meticais que, durante 2015, aumentaram para 20.9 milhões de meticais.

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