ABUSO AO ERÁRIO PÚBLICO VIRA ENDEMIA
RM Kuyeri

É recorrente ouvir que a nossa sociedade moçambicana está doente. Mas que a nossa doença virou uma endemia que ameaça a sobrevivência de todos nós, isso estava muito longe das minhas cogitações. Agora não sei o que resta de valor moral e ético do reiterado discurso de “Servir o Povo”! Pois, aqueles que reiteradamente nos pedem votos a cada cinco anos prometendo-nos o falacioso “Falacioso Futuro Melhor”, constroem o futuro melhor para eles e os seus, à custa do sofrimento e da desgraça de todos nós, que nem o colono fez durante os históricos 500 anos de colonização portuguesa a Moçambique.

Para além de os nossos “Servidores do Povo” terem um salário invejoso para um horário de trabalho muito folgado, os tais nossos ilustres “Representantes do Povo”, os chamados AMPUTADOS, aliás Deputados, a cada ano vêem os seus rendimentos e benesses a aumentarem de gorduras. Este ano os funcionários públicos receberam por tabela 500 meticais de incremento salarial e eles…

O colesterol financeiro nas suas contas não lhes preocupa, muito menos lhes preocupa o sofrimento e a desgraça do Povo a quem sempre alegam servir. Afinal Povo são eles próprios, eles são o Estado em pessoa e nós, os outros, uns miseráveis patos na capoeira, a espera de sermos degolados para as honras de um visitante que não conhecemos: Banco Mundial, FMI, Credit Suisse, VTB, ENI, Anadarko, etc.

Os nossos AMPUTADOS clamam pela sua dignidade como servidores do Povo e é-nos de direito perguntar: A dignidade do Povo não conta para vocês ou estão AMPUTADOS de valores morais e éticos? Aliás, que valores morais e éticos se lhes pode exigir se o Presidente da Comissão Nacional de Ética é o seu primeiro advogado de defesa!

A nossa Comissão Nacional de Ética entende ser moral e ético o Povo ser transportado nos famosos “My Love” ou Chapa 100 ao relento e não é ético que os nossos AMPUTADOS andem em viaturas de qualquer marca, senão um Mercedes-Benz top-model, todo ele super-sofiscado, porque o “Nosso Servidor do Povo” não deve sofrer e gastar energias a girar a chave de ignição! E pensar que cada um desses Mercedes-Benz pode comprar quatro autocarros de luxo de 75 lugares. Com o valor dos 18 Mercedes-Benz podia-se comprar 72 autocarros de luxo, bastando apenas três deles para transportar os ilustres “Servidores do Povo” em muito conforto dos seus faustosos hotéis e residências onde hospedam, à custa do miserável Povo moçambicano, para o luxuoso Palácio da Assembleia da República, sem perderem a sua dignidade.
 
Aliás, será que os nossos ilustres AMPUTADOS viram o vídeo da reportagem da TV Globo do Brasil que tanto circulou nas redes sociais sobre as condições de trabalho dos Deputados suíços - os verdadeiros Representantes do Povo? Não sabem que em Bruxelas, Bélgica, os Eurodeputados andam de bicicleta dos locais de sua hospedagem para o Parlamento Europeu? Não têm dignidade aqueles Eurodeputados? Mas quando se deslocam a Moçambique são recebidos pelo nosso Chefe de Estado. Agora eu pergunto: Qual dos nossos AMPUTADOS já foi recebido por um Chefe de Estado ou de Governo Europeu, agora que andaram pela Europa em consultas sobre a Decentralização? Será que andando de Mercedes-Benz top-model passarão a ser recebidos por aqueles Chefes de Estado e de Governo, porque dignos de serem “Representantes” do Povo moçambicano!

É caso para recordar Mia Couto no seu texto “Quo vadis Moçambique”. A propósito de Mia Couto, é legítimo trazer aqui a sua radiografia da mania dos nossos falsos Representantes do Povo:

“A pressa em mostrar que não se é pobre é, em si mesma, um atestado de pobreza. A nossa pobreza não pode ser motivo de ocultação. Quem deve sentir vergonha não é o pobre, mas quem cria a pobreza.

Vivemos hoje uma atabalhoada preocupação em exibirmos falsos sinais de riqueza. Criou-se a ideia de que o estatuto do cidadão nasce dos sinais que o diferenciam dos mais pobres.

Recordo-me que, certa vez, entendi comprar uma viatura em Maputo. Quando o vendedor reparou no carro que eu tinha escolhido, quase lhe deu um ataque: “Mas esse, senhor Mia, o senhor necessita de uma viatura compatível”. O termo é curioso: “compatível”.

Estamos vivendo num palco de teatro e de representações: uma viatura já é não um objecto funcional. É um passaporte para um estatuto de importância, uma fonte de vaidades. O carro converteu-se num motivo de idolatria, numa espécie de santuário, numa verdadeira obsessão promocional.

Esta doença, esta religião que se podia chamar viaturolatria atacou desde o dirigente do Estado ao menino da rua. Um miúdo que não sabe ler é capaz de conhecer a marca e os detalhes de todos os modelos de viaturas. É triste que o horizonte de ambições seja tão vazio e se reduza ao brilho de uma marca de automóvel (neste caso o Mercedes-Benz top-model para os nossos AMPUTADOS).

É urgente que as nossas escolas exaltem a humildade e a simplicidade como valores positivos (para que no futuro tenhamos Deputados, verdadeiros Servidores do Povo Moçambicano, como os Eurodeputados).

A arrogância e o exibicionismo não são, como se pretende, emanações de alguma essência da cultura africana do poder. São emanações de quem toma a embalagem pelo conteúdo.”

Este é o diagnóstico que revela quão é a endemia que assola a nossa classe política, que pretende ser gente à custa das suas bajulações políticas e politiquices de nos envergonha, porque, na verdade e aos olhos do Povo moçambicano, não passam de ladrões assassinos. Que os nossos AMPUTADOS se lembrem que: “Não basta a mulher de César ser linda, ela tem de parecer linda”.

A propósito, Gilberto Correia, ex-Bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM), num artigo sobre as 18 viaturas Mercedes-Benz top-model para os nossos AMPUTADOS, intitulado “A AUSTERIDADE TRANSPORTADA DE MERCEDES-BENZ!, refere o seguinte:

“É legal? Claro que é legal! Consta da Lei do Orçamento, logo é legal.

Na Alemanha de Hitler, o Nazismo era legítimo. O colonialismo também foi legal. O Stalinismo idem.

As questões que se devem colocar seriam: É justo? É moral? É exemplar?

Pois, ninguém ignora que os políticos sérios devem constituir exemplos de justeza e de ética, sobretudo quando se trata de usufruir benefícios contrastantes com a pobreza, em muitos casos extrema, que assola a quem representam.

O nosso Estado  é o maior devedor do País. Não tem dinheiro para devolver o IVA cobrado aos exportadores, nem o IRPC cobrado a mais às empresas, muito menos para devolver o excesso de IRPS dos indivíduos. Tornou-se num Estado incumpridor que arrastou muitas empresas para a falência ou para o encerramento definitivo, com todas as consequências sociais dai advenientes, por alegada falta de meios financeiros para pagar os bens e serviços que consumiu e precisa de continuar a consumir.

O nosso Estado não consegue prover os mais elementares serviços públicos com eficácia, por falta de dinheiro. Nas escolas não há giz, nos hospitais os medicamentos escasseiam e as pessoas morrem por falta de tratamento adequado. Nas ruas há falta de transportes públicos e cidadãos são transportados perigosamente entulhados em carrinhas de caixa aberta. 

Um Estado que, em nome da austeridade, retirou os subsídios sociais que concedia para beneficio dos mais carentes e subiu o preço do pão, do combustível, da água, da energia, dos Chapa 100 e dos “My Love”, entre outros bens essenciais…  Já para não falar da desvalorização do metical, da subida generalizada do preço de todos os produtos e... Também da “subida” de apenas 500MT no salário dos servidores públicos.

É nesta situação complicadíssima, em que o Estado está incapaz de cumprir as suas obrigações mais elementares, em virtude da alegada crise económica e financeira, em que o discurso político apela que a população consinta inúmeros sacrifícios e aceite uma austeridade que arrasta os cidadãos mais carentes para uma existência em condições muito abaixo dos níveis mínimos da dignidade da pessoa humana, que somos surpreendidos com a recente aquisição de viaturas de luxo para representantes do Estado no Parlamento.

A justificação oficial é que é legal, que visa conferir dignidade aos beneficiários e que o total da despesa é desprezível, considerado o montante global do Orçamento do Estado.

Ora, a maior parte do povo, de que tais beneficiários alegam representar, vive actualmente em condições indignas. Mas estes “representantes” reclamam luxuosas viaturas alemãs para manterem dignidade representativa. Ou seja, o representante clama por uma dignidade que não consegue minimamente garantir aos seus representados.

Pode até ser que essa despesa para adquirir viaturas de luxo seja mesmo insignificante, comparada com o volume total do Orçamento Geral do Estado. Mas, certamente que não será insignificante para comprar milhares de carteiras para que muitas crianças possam sentar-se nelas e aprender melhor.  Não é insignificante para aquela mãe que vê o seu filho morrer de malária num posto médico, por não existir medicamento disponível para curar o mal.  Não é insignificante para aqueles familiares que viram os seus entes queridos morrerem por terem caído dos “My Love” apinhados de gente, porque o Estado não tem verba para adquirir autocarros para transportar as pessoas em segurança.  Não é insignificante para aquela família cujo chefe ficou desempregado, porque a empresa onde trabalhava fechou, em virtude do Estado não ter pago os bens e serviços que consumiu.

A teoria da legalidade, da insignificância e da dignidade usada como justificação para este caso não merece outra qualificação que não a de que representa uma autêntica imoralidade... uma indignidade pornográfica. Este tipo de defesa, no contexto económico e social que o nosso País vive, roça o insulto e corporiza a revelação despudorada da indiferença e o do desprezo pelo sofrimento dos representados.

Estas justificações estapafúrdias, dadas por dirigentes que vivem neste País, apenas demonstram quão gigantesco se tornou o fosso entre os benefícios convocados pelos governantes e as deterioradas condições de vida dos governados. Pior do que isso, revela que há políticos que se tornaram de tal modo cegos e insensíveis que são incapazes de descortinar qualquer obscenidade ética, quando resulte do usufruto de regalias escandalosas em contraste com o povo que mingua sob o fardo pesado da austeridade e da escassez.

Neste caso flagrante  de abuso de benefícios e regalias já não há partidos, diferenças ideológicas, gritos, abandonos da sala e nem insultos... não há Poder e nem há Oposição. Há uma total diluição das diferenças políticas. São todos da POSIÇÃO!

Na política, antes de se perguntar se determinada atitude ou comportamento é legal, deve-se previamente fazer as seguintes perguntas: é justo? é moral? é exemplar?


A resposta a estas questões, cada um de vós sabe dar”.

Aqui fica dito o que tinha que ser dito. Que cada um ponha a mão na consciência e reflicta sobre o seu futuro. Moçambique é nosso e de mais ninguém. Traduzamos o sentido e letra do nosso Hino Nacional em acção prática.

Refira-se que, na sua edição de 12 de Janeiro de 2010, o jornal “O País” inseriu um artigo intitulado “Os salários e regalias dos deputados” referia que a VI legislatura, “desde 2007 a esta parte, os deputados da Assembleia da República tiveram um incremento salarial que veio acompanhado de regalias que vão desde subsídio de renda de casa, viaturas protocolares, subsídio de telemóvel, entre outras, de acordo com o estatuto de cada deputado”.

Sobre o subsídio de renda de Casa, aquele jornal referia que “os vice-presidentes da Assembleia da República, membros da Comissão Permanente, chefes e vice-chefes das bancadas recebem um subsídio de renda de casa correspondente a 25% do seu vencimento base”.

Relativamente aos subsídios de Telemóvel, o jornal dizia que “todos os deputados, independentemente das funções que exerçam, recebem 3% sobre o seu vencimento base como subsídio de telemóvel”.

Quanto ao subsídio de Carro, “os vice-presidentes da Assembleia da República, chefes das bancadas e membros da Comissão Permanente da Assembleia da República têm direito a viaturas protocolares. Relatores de bancadas parlamentares, presidentes das comissões especializadas e relatores têm direito a viaturas de afectação (viaturas de serviço). Os membros das comissões e demais deputados têm direito a viatura de alienação, nos termos da Lei 3/2004, de 06 de Janeiro (Estatuto do Deputado)”.

Para além destas regalias, o jornal reportava que “os vice-presidentes e deputados membros das comissões têm acesso a computadores da Assembleia da República. A Assembleia da República está a montar uma internet café para os deputados”. As Ajudas de custo: “São atribuídas ajudas de custos aos deputados em missão de serviço da Assembleia da República, fora do Município de Maputo, mas dentro do país e, também, por ocasião de missão de serviço no exterior. O montante a atribuir aos deputados é fixado nas Normas de Execução Orçamental da Assembleia da República”.

No que diz respeito ao Regime de assistência por doenças, aquele jornal dizia que, “para as questões de assistência médica e medicamentosa, os deputados podem beneficiar do regime geral, aplicável à função pública. Entretanto, a Lei n.º 21/2002, de 21 de Outubro, sobre o Sistema de Previdência e Segurança Social do Deputado, assegura que a Assembleia da República comparticipe no tratamento ambulatório do deputado com 75% das despesas; com 50% em casos de próteses ou óculos e 100% em caso de doenças originadas em missão de serviço parlamentar. Quando em missão oficial no estrangeiro, o deputado tem direito a um seguro de vida. Todos os deputados beneficiam de seguro de saúde, de acidentes pessoais e de assistência em viagens”.


Agora, sobre o polémico Regime de Aposentação, aquele jornal referia que “os deputados beneficiam do regime de aposentação, público ou privado, devendo o deputado optar por um dos regimes”. Quanto a Outros direitos dos Deputados, foi referido o seguinte:


  • Tem direito à pensão de aposentação o deputado que tiver prescrito duas legislaturas consecutivas (10 anos); que tenha descontado 13% sobre o vencimento base durante essas legislaturas e que tenha completando 60 anos para o caso de homens e 55 para mulheres;
  • Tem direito ao subsídio de reintegração o deputado que tiver exercido apenas um mandato (5 anos) e que tenha feito um desconto de 13% sobre o seu salário base, para o Sistema de Previdência Social do Deputado. O valor do subsídio de reintegração é de 50% sobre o montante global auferido pelo deputado ao longo do seu mandato;
  • Não existe nenhum dispositivo legal que prevê a atribuição de subvenção mensal vitalícia ao deputado da Assembleia da República”.

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