WIKILEAKS REVELA RELATÓRIO SECRETO
AMERICANO SOBRE PORTUGAL
O país que compra “brinquedos caros
e inúteis” por “orgulho”
20 de
Marços de 2017
O Ministério
da Defesa de Portugal está isento de concursos públicos. Está livre para fazer
as suas compras milionárias a quem der mais luvas e não a quem faz o preço mais
justo. Tudo para salvaguardar o secretismo das operações do ministério,
à guisa das dívidas ocultas em Moçambique, em torno do caso da EMATUM, MAM e
Proindicus.
O resultado é o que se tem visto. As compras mais escandalosas, menos transparente e mais megalómanas do Estado português, têm tido origem neste ministério.
O caso dos
submarinos, dos Pandur, dos torpedos,
dos helicópteros, etc. etc. etc., muitos deles em investigação. Outros já
provados na fonte estrangeira que houve luvas, mas em Portugal nada se faz.
Mais uma vez
o oportunismo dita a lei que, por decisão deles, os beneficia a eles e lesa o
interesse nacional. O concurso público é uma das regras básicas, para travar alguma corrupção, mas os que
nos desgovernam não gostam dessas regras.
O importante
é fazer muitas compras e de muitos milhões, mesmo que inúteis, servirão para
fazer entrar dinheiro em partidos e em contas privadas dos envolvidos.
Compram
inutilidades, sucata, bens usados, equipamentos avariados, e até brinquedos
para os quais não se possui dinheiro para o combustível, para a manutenção nem
recursos humanos técnicos.
Em Portugal
poucos sabem, mas quem negoceia com os nossos desgovernantes, sabe algumas
coisas que todos deveríamos saber.
O Wikileaks revelou um relatório confidencial
que deixa a nu, algumas tramóias do Ministério da Defesa de Portugal. Retirando
algumas imprecisões, ficam algumas revelações:
Washington arrasa negócios do Ministério da Defesa
Relatório confidencial
O embaixador
norte-americano em Lisboa escreveu uma apreciação implacável sobre os
submarinos, as fragatas e os tanques em
que Portugal gastou milhões de dólares norte-americanos.
O pequeno parágrafo, a meio do telegrama de seis páginas, resume a coisa assim: “No que diz respeito a contratos de compras militares, as vontades e acções do Ministério da Defesa parecem ser guiadas pela pressão dos seus pares e pelo desejo de ter brinquedos caros. O Ministério compra armamento por uma questão de orgulho, não importa se é útil ou não. Os exemplos mais óbvios são os seus dois submarinos e 39 caças de combate (apenas 12 em condições de voar).
O tom não varia muito nos outros parágrafos. O que varia é o nível do detalhe.
Cruel e despojado - mas também comprometido com interesses directos americanos
e contendo erros factuais.
O telegrama
enviado em 2009 para Washington pelo então embaixador dos EUA em Lisboa, Thomas
Stephenson, não deveria ter chegado às mãos de um estrangeiro. Tem a
classificação de NOFORN (No Foreigners).
Talvez por isso seja tão declaradamente depreciativo para Portugal, para as
altas chefias militares e para os últimos governos que têm estado no poder.
O telegrama
(em boa verdade, um relatório) analisa o que se passa dentro do Ministério,
tentando explicar porque é que as coisas, na perspectiva norte-americana,
correm tão mal. O título diz tudo: “O que há de errado no Ministério da Defesa português?”
O Embaixador
dos EUA em Lisboa, de Novembro de 2007 até 2009, depois de uma longa carreira
como empresário em Silicon Valley, Stephenson escreve:
“Portugal
sofre de um complexo de inferioridade e da percepção de ser económica, política
e militarmente mais fraco do que os seus aliados”. Na tese norte-americana, o
gosto pelos “brinquedos caros” tem a ver com isso.
Stephenson
aponta o caso dos submarinos, que custaram mil milhões de euros e que, segundo ele, não seriam precisos: “Com 800 quilómetros de costa e dois
arquipélagos distantes para defender, os dois submarinos alemães comprados em
2005 não são o investimento mais sensato.
Os
submarinos não têm uma missão formal atribuída e faltam-lhes os meios para fazer patrulhas sem objectivo. Portugal
comprou os submarinos mas não
encomendou sistemas de mísseis, o que significa que não terão capacidade
de ataque, mesmo que tenham uma missão”.
Fazendo eco
da polémica discussão pública sobre o assunto, o Embaixador norte-americano toma
partido, mas demonstra algum desconhecimento. Com uma área marítima 20 vezes
maior do que o seu território terrestre, há muito que a doutrina militar
portuguesa prevê uma missão formal para os submarinos.
Além disso,
estes estão equipados com torpedos, minas e um sistema de mísseis Harpoon (ironicamente, fabricados nos
EUA). Mas o telegrama vai mais longe.
O dinheiro
gasto nos submarinos, falta noutros lados. “Portugal tem poucos navios-patrulha
operacionais para defesa do litoral e para dar conta do narcotráfico, imigração
e pesca ilegais”. E avança, quanto à Força Aérea: “Portugal tem alguns caças
F-16 antigos, mas apenas um C-130 em condições de transportar militares e
equipamento”.
O país tem
de facto um “excesso” de caças (39, dos quais nove estão para venda), todos
comprados aos EUA mas, ao contrário, possui seis e não apenas um C-130.
O Embaixador
norte-americano aborda depois o delicado tema das compras, considerando que a
opção portuguesa de “comprar os europeu” (em detrimento dos equipamentos americanos)
lhe é frequentemente imposta pelos seus parceiros da União Europeia.
Reportando
ao caso das fragatas holandesas,
adquiridas em 2006 por decisão do então Ministro da Defesa, Luís Amado,
em detrimento das americanas Oliver
Hazard Perry, que haviam sido escolhidas por Paulo Portas, Stephenson diz
que Portugal o fez “por pressão dos Estados europeus”.
“O
Ministério da Defesa optou por gastar
mais de 300 milhões de euros em fragatas holandesas usadas. As
americanas teriam exigido apenas cerca
de 100 milhões de euros na sua modernização e apoio logístico”, escreve
o diplomata, acusando de falta de credibilidade o “estudo” que serviu de base à
decisão, pois comparava “as fragatas americanas usadas com fragatas holandesas
novas, sendo que estas tinham mais de 15 anos”.
Na
realidade, as Perry tinham mais 20-25
anos do que as holandesas e, a acreditar em fontes contactadas pelo jornal Expresso, nunca foi feita uma estimativa
do seu custo de modernização, “por ser uma verdadeira dor de cabeça a sua
eventual sustentação”. As holandesas custaram €248 milhões.
Stephenson
acrescenta que o mesmo tipo de situação (que chama de "contabilidade
curiosa") ocorreu com os
helicópteros-patrulha, “uma
necessidade crítica” para Portugal. Mais uma vez, os Sikorsky americanos foram preteridos a
favor dos EH-101 europeus, mais baratos, mas apenas porque “as peças sobresselentes e a manutenção não foram
incluídas na proposta europeia.
Semanas
depois de entrarem em serviço, os EH-101
ficaram parados por falta de peças. Os velhos Pumas com 20 anos que os EH-101
deviam substituir tiveram de voltar a voar.
O Embaixador
foi certeiro. Decididos ainda no tempo de Rui Pena, o último Ministro da Defesa
de António Guterres, estes helicópteros foram adquiridos sem um efectivo
contrato de manutenção. Já o mesmo não se pode dizer relativamente à compra à
Holanda de 36 tanques Leopard A6. “Os
tanques são bons, mas Portugal não tem
doutrina operacional, nem cadeia de manutenção nem peças sobresselentes.
Além disso, a aquisição representou um afastamento do objectivo declarado do
Exército em tornar-se numa força mais expedicionária, projectável e ligeira”,
escreve.
O que
aconteceu depois, o Embaixador já não conta. O Exército português adaptou-se aos
novos “brinquedos” e ganhou competências novas como força expedicionária. Mas
três quartos dos Leopard estão hoje
encostados porque falta o dinheiro para
comprar peças de substituição. E os tanques nunca saíram do país.
Lobby rendeu 100 milhões
O Ministério
da Defesa escolheu o gigante norte-americano Lockheed Martin para um
contrato de 100 milhões de euros, depois de o Governo dos EUA ter feito lobby junto do então Ministro socialista
Nuno Severiano Teixeira a favor do maior grupo de aeronáutica militar.
Com o título
“Recent commercial sucess stories” (“histórias
recentes de sucesso comercial”), um telegrama enviado para Washington pelo Embaixador
Thomas Stephenson em 2008, relata
que, no início de 2007, um Adjunto-Comercial e o Chefe do Departamento de Cooperação
Militar da Embaixada norte-americana em Lisboa encontraram-se com o Director de
uma das unidades da Lockheed Martin, Michael Meyer.
No encontro,
Meyer contou que estava a tentar garantir, há anos, um contrato de 135 milhões
de dólares (100 milhões de euros) para a reconversão dos cinco aviões P-3C Orion que a Força Aérea Portuguesa
tem para fazer controlo marítimo, mas a mudança de Governo em 2005 (do PSD para
o PS) “manteve a proposta num limbo”.
Além disso,
a Lockheed tinha informações que uma
concorrente espanhola, a CASA EADS, “estava a fazer trabalho de bastidores junto
do Ministério da Defesa de Portugal para ganhar o concurso”.
Uma carta
foi elaborada em conjunto por vários departamentos em Lisboa e em Washington e
foi assinada por Alfred Hoffman, Embaixador que antecedeu a Stephenson em
Lisboa, sendo enviada ao Ministro a 2 de Maio de 2007. Quatro meses depois, a 6
de Setembro de 2007, a Lockeed ganhou
o contrato.
Um país de generais sentados
Há uma
cultura nas Forças Armadas portuguesas em que, quase sempre, a melhor decisão
que se pode tomar é não tomar decisões, dizem os norte-americanos. Até para uma banda tocar é preciso
autorização de topo.
A visão da
diplomacia norte-americana sobre a gestão e o exercício do poder dentro das
Forças Armadas portuguesas é tudo menos diplomática, pelo que se pode ler num
relatório assinado pelo Embaixador Thomas Stephenson e que consta de um extenso
telegrama, acima já citado, enviado a 5 de Março de 2009 para Washington, com o
título “O que há de errado com o Ministério da Defesa de Portugal?”
O documento
inclui um diagnóstico desassombrado sobre uma estrutura “rígida” e incapaz de
tomar decisões. “A imagem de generais sentados sem fazerem nada não é uma mera
alegoria”.
“Os
militares têm uma cultura de status quo em que as posições-chaves são preenchidas por carreiristas que evitam entrar
em controvérsias, em vez de serem preenchidas com pensadores criativos,
promovidos pelo seu desempenho”, escreve o Embaixador norte-americano.
“Espera o tempo suficiente, dizem-nos os oficiais, e chegarás a Coronel ou
a General. Esta cultura
fomenta um pensamento adverso a correr riscos e um corpo de oficiais superiores
para quem adiar uma decisão é quase sempre a melhor decisão”.
Stephenson
explica o que quer dizer com um caso: “Pedimos ao Comandante da Academia
Militar portuguesa se a banda da academia podia actuar numa recepção da Embaixada
norte-americana. O General de duas estrelas respondeu que isso teria de ser aprovado pelo Chefe do
Estado-Maior do Exército”.
O problema não está, para o Embaixador norte-americano, na falta de recursos humanos. “Como a maioria dos aliados da NATO, Portugal encontra-se abaixo do padrão oficial que determina 2% do PIB para o orçamento de defesa. Portugal está nos 1.3% e gasta esse dinheiro de forma imprudente.
Portugal tem mais generais e almirantes por soldado do
que quase todas as outras forças armadas modernas: 1 para cada 260 soldados. Em
comparação, os EUA têm um rácio de 1 para cada 871 soldados”. Mais: existem
ainda “170 generais adicionais que recebem o ordenado por inteiro, enquanto se
mantêm inactivos na reserva”.
Qualquer um pode ser um obstáculo
“Um
corolário da regra de que ninguém toma decisões de comando”, continua o Embaixador,
“é que qualquer pessoa pode bloqueá-las. Ultrapassar estes obstáculos exigiria
que um oficial viesse a público desafiar a oposição interna, num acto raramente
valorizado”.
O cenário de
bloqueio interno é agravado pela segregação que existe entre os três ramos das
forças armadas e o Estado-Maior-General. O telegrama refere-se aos ramos do Exército,
Marinha e Força Aérea como “feudos”. “O Chefe do Estado-Maior-General das
Forças Armadas não tem orçamento nem autoridade sobre os Chefes dos ramos, que regularmente ignoram as ordens dele”.
“A necessidade de consenso na estrutura militar”, diz Stephenson, “inviabiliza muitas vezes os planos do Governo”. E dá um exemplo: “Nas reuniões da Comissão Bilateral Luso-Americana, elementos do Ministério dos Negócios Estrangeiros e do Ministério da Defesa têm implorado para que cooperemos em programas de formação militar na África lusófona. Nós concordámos, mas só um em 16 projectos de cooperação trilateral propostos por nós - a pedido do Governo português - teve a participação de Portugal (um único sargento associado à formação do exército norte-americano sobre desminagem na Guiné-Bissau)”.
Segundo o telegrama, há franjas no Ministério da Defesa que têm um sentimento de posse em relação à África lusófona e não querem o envolvimento de outros países em programas militares com as ex-colónias.
Devemos fazer o trabalho interno dos portugueses
A par da
radiografia negativa sobre as Forças Armadas, o telegrama estabelece linhas
orientadoras de como a diplomacia norte-americana deve abordar o Ministério da
Defesa - e também o Governo português em geral. O princípio básico, para o Embaixador,
passa por incentivar Lisboa sempre que possível. “Nunca deveríamos perder uma oportunidade para encorajar o Governo
português, porque o Governo português nunca perderá uma oportunidade de
procrastinar (adiar)”.
Para isso,
Stephenson acredita numa táctica de infiltração nas estruturas internas do
poder: “Devemos envolvermo-nos cedo e frequentemente e estarmos prontos para fazermos as consultas internas por eles
dentro do Ministério da Defesa”.
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