MINISTRO
CARLOS MESQUITA
Um
exemplo de transparência na corrupção
Editorial do Canal de
Moçambique, 28 de Fevereiro de 2017
Tinha razão o filósofo alemão Georg Christoph
Lichtenberg quando, no auge das arbitrariedades do Governo alemão, afirmou que,
“quando os que mandam perdem a vergonha, os que obedecem perdem o respeito”.
Definitivamente, a falta de vergonha tomou
conta, de forma eloquente, dos servidores públicos nacionais e está em
progressiva via de se tornar instrumento oficial de actuação.
Qualquer cidadão medianamente esclarecido
deve ter ficado profundamente chocado quando, na passada quarta-feira, viu pela
televisão o Ministro dos Transportes e Comunicações, Carlos Mesquita, a
assinar, em representação do Governo, memorandos de entendimento com quatro
concessionárias dos portos de Maputo, Beira, Nacala e Quelimane, visando
conceder benefícios exclusivos de exploração a estas quatro empresas. Para
afastar suspeitas, foi dito que o memorando visa a “revitalização da
cabotagem”. Até aqui, tudo bem.
Mas o que o estimado leitor pode não saber é
que, na verdade, Carlos Mesquita assinou contratos consigo mesmo. Confuso? A
seguir, explicamos:
Carlos Mesquita, o Ministro dos Transportes e
Comunicações, é também o mesmo Carlos Mesquita dono da Cornelder Moçambique e da Cornelder
Quelimane, duas das quatro empresas com quem o Ministro Carlos Mesquita
assinou o memorando de concessão de facilidades. Em poucas palavras, o
Mesquita-ministro assinou dois contratos com o Mesquita-empresário.
À luz do referido memorando, haverá redução
de tarifas portuárias em 60% no porto da Beira e em 50% nos portos de Maputo,
Nacala, Quelimane e Pemba. Espera-se também a redução em 40% nas taxas de
prestação de serviços aos operadores de cabotagem, cobradas pelo Instituto Nacional
da Marinha, e da taxa de ajudas à navegação, cobrada pelo Instituto Nacional de
Hidrografia e Navegação.
A Cornelder
Moçambique S.A.R.L. é uma sociedade entre a empresa Portos e Caminhos de Ferro de Moçambique E.P. e a empresa holandesa
Cornelder B.V. Carlos Mesquita foi Presidente
do Conselho da Administração dessa empresa.
Quando foi chamado por Filipe Nyusi para
fazer parte do Governo como Ministro dos Transportes e Comunicações, em 2015,
Carlos Mesquita indicou o seu irmão Adelino Mesquita para ficar na Cornelder Moçambique na Beira.
A outra empresa, a Cornelder Quelimane, é directamente propriedade de Carlos Mesquita.
Foi fundada em Julho de 2004 com o objecto social de gestão e operação do porto
de Quelimane. A Cornelder Quelimane é
participada pela multinacional holandesa Cornelder
B.V. e pela empresa Portos e Caminhos
de Ferro de Moçambique E.P., tendo como sócios, Carlos Mesquita, que é o Ministro
dos Transportes e Comunicações, Rui Fonseca (que na altura da constituição da
sociedade era Presidente do Conselho de Administração dos CFM), Domingo Bainha
(que na altura da constituição da sociedade era membro do Conselho de
Administração dos CFM) e Miguel Matabele (actual PCA dos CFM).
Portanto, não resta qualquer tipo de dúvidas
de que as duas empresas com quem Carlos Mesquita assinou um memorando são sua
propriedade.
A Lei 16/2012, de 14 de Agosto, a Lei de
Probidade Pública, é muito clara em relação à situação em que Carlos Mesquita
se encontra.
Segundo a alínea a) do Artigo 25 da Lei de Probidade Pública, é proibido ao servidor
público: usar o poder oficial ou a
influência que dele deriva para conferir serviços especiais, nomeações ou
qualquer outro benefício pessoal que implique um privilégio para si próprio,
seus familiares, amigo ou qualquer outra pessoa, mediante remuneração ou não.
Neste caso, Carlos Mesquita, usando do poder
discricionário que detém como Ministro dos Transportes e Comunicações, criou um
memorando para meter dinheiro no seu próprio bolso através das duas Cornelders.
Estamos perante uma gritante situação de
conflito de interesses. De forma crua e nua, Carlos Mesquita esquartejou a lei
para se enriquecer.
O Artigo 33 da mesma Lei de Probidade Pública
diz que ocorre conflito de interesses
quando o servidor público se encontra em circunstâncias em que os seus
interesses pessoais interfiram ou possam interferir no cumprimento dos seus
deveres de isenção e imparcialidade na prossecução do interesse público.
Neste caso, é cristalino como água que Carlos
Mesquita beneficiou as suas empresas, em detrimento das demais que podiam
concorrer e preencher tais vagas. Não houve isenção e muito menos
imparcialidade.
Dada a falta de vergonha que caracteriza esta
gente, é provável que o Ministro e os seus acólitos venham dizer que, no caso
da Cornelder Moçambique, o Ministro já
se desligou dela. Mas o Artigo 37, na alínea c), da mesma Lei de Probidade Pública, estabelece que existe conflito de interesse decorrente de
relações de parentesco quando o servidor público tenha de tomar decisões,
praticar um acto ou celebrar um contrato em que nele tenha interesse
financeiro, ou de qualquer natureza, qualquer parente até ao segundo grau da
linha colateral. Ora, na Cornelder
Moçambique está o irmão do Mesquita.
O que nos parece é que a Lei de Probidade
Pública em vigor na República de Moçambique não é aplicável ao Ministro dos
Transportes e Comunicações. É um cidadão especial. Porque, se fosse aplicável,
Carlos Mesquita não assinaria esses memorandos com ele mesmo à luz do dia e com
direito a cobertura televisiva.
Se calhar, porque a comunidade internacional
anda a exigir transparência, Carlos Mesquita decidiu dar o pontapé de saída no
novo paradigma do Governo: tornar a corrupção transparente e não deixar
qualquer margem para dúvidas. Na nossa opinião, isto já dá para um Prémio Nobel
da falta de escrúpulos.
O próximo passo será abolir as leis e
suspender o Estado de Direito democrático. Estamos muito próximos. Carlos
Mesquita é apenas uma amostra de tipo de governantes-empresários que avacalham
o Estado à luz do dia.
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