Severino Ngoenha
@verdade, 05 de Julho
de 2016 10:24
“Não pode existir uma comunidade, não pode existir uma Nação, não pode
existir um País se os bens que esse País produz, se os bens que esse País tem
não são partilhados por todos. A não partilha de bens, quer dizer a existência
de uma sociedade desigual, a existência de uma sociedade em que poucos têm
muito e muitos têm quase nada, leva necessariamente à conflitos, leva
necessariamente à violência”, desta forma começou por retratar a nossa
situação política, económica e social o Professor Doutor Severino Ngoenha na Conferência
Pensar Moçambique, organizada pelo Parlamento Juvenil (PJ), e desafiou as
centenas de jovens presentes a “remoralizar
o País”.
Falando na abertura da 6ª Conferência
“Pensar Moçambique” o Magnífico
Reitor da Universidade Técnica de Moçambique (UDM) começou por desafiar os
jovens moçambicanos, citando o filósofo Frantz Fanon, que “cada geração tem uma missão a realizar, ela pode realizá-la ou traí-la”.
Depois Ngoenha disse que,
na juventude moderna, há tendência de existirem “dois extremos problemáticos” os conformistas e os criticistas. “Considero conformismo aquele grupo de
pessoas, ou de jovens, que se engajam na vida política, na vida social, na vida
académica, simplesmente para obter do posicionamento que a pertença a um desses
grupos lhe dá mordomias, posicionamento, visibilidade.
Considero conformismo aqueles que não entram em partidos ou em
grupos de reflexão para trazer ideias e participar na modificação radical da
situação do nosso País mas que entram para fazer uma espécie de carreira
política. Seria bom que nos partidos políticos, parlamentares e
extra-parlamentares, entrassem muitos jovens, seria bom que se dividissem entre
esses partidos todos. Mas a importância da entrada deles nesses partidos seria
para mim, porque eles trairiam um ar novo, novas ideias, trariam novo
posicionamentos. Modificariam a maneira de pensar no interior dos grupos
políticos, sociais do País que é o nosso, este nosso Moçambique”.
Contudo o Professor
declarou que constata que “a maior parte
daqueles aderem e entram a pertencer as forças políticas, aos organismos
sociais são mais motivados por uma carreira pessoal que por um interesse ligado
ao bem comum. Comportando-se desta maneira eles não agem procurando descobrir
qual é o seu lugar, a sua missão, não participam em transformar e a melhorar o
País que é o nosso, mas conformam-se com os problemas com que estamos
confrontados e têm levado paulatinamente o País ao afundamento, a uma crise
primeiro moral. Quer o lado da corrupção, quer o lado da guerra são
essencialmente reveladores de uma crise moral com que o nosso País está
confrontado. Conformar-se significa pautar-se por um conformismo não só a nível
político, económico mas também, e sobretudo, a nível moral”.
Como jovens, o
questionamento fundamental é o que nós podemos fazer
Sobre o outro grupo de
jovens, “aqueles que se reúnem em
grupos, que se reúnem fora das instituições e que pautam constantemente e
necessariamente sobre aquilo que vai mal. Para criticar este partido, criticar
aquele partido, criticar o Parlamento ou os parlamentares, para se oporem às
decisões tomadas, que até podem ter um posicionamento crítico justo mas tudo o
que eles trazem como contribuição é dizer o que não está bem, é criticar, é dizer
o que está mal, mas não participam nem com ideias nem trazem nenhuma
contribuição em termos de perspectivas daquilo que Moçambique deveria ser,
limitam-se simplesmente a mostrar a cara dizendo as coisas que não vão bem”.
O Reitor da UDM socorreu-se de outro filósofo, o romano Séneca,
para sugerir que os jovens devem é reivindicar os seus direitos sobre si
mesmos. “Me parece que não ser
conformista e não ser criticista significa sentir-se responsável por aquilo que
eu faço, pelo meu posicionamento, pelo meu estar na sociedade que é a minha,
sem contentar-me, nem do extremo do conformismo mas também não se limitar a um
posicionamento crítico”.
“Trata-se para nós de
perguntar-nos, não tanto aquilo que esperamos que as gerações passadas tenha
feito para nós, não aquilo que Moçambique nos pode dar mas, como jovens, o
questionamento fundamental é o que nós podemos fazer. Talvez não para que
Moçambique seja melhor mas para que Moçambique do futuro seja menos pior do que
aquele que nós recebemos como legado e que vivemos na situação em que nós
estamos” clarificou o Severino Ngoenha.
Os conflitos numa
sociedade são necessários e são salutares
O Professor universitário
procurou orientar os jovens, que lotaram a conferência que teve lugar em
Maputo, para não desperdiçarem a ocasião para elencar os problemas que
Moçambique tem, “temos muitos problemas,
problemas graves que todos conhecem (…) Este é o País que nós temos, este é o
legado que nós temos de outras gerações, esta é a nossa situação. Pensar
Moçambique significa, em minha opinião, partir do que é, daquilo que temos em
frente e podermos interrogar, pensar, como é que a partir do que é temos que
construir o que deve ser, aquilo que pode ser, sem utopias mas com realismo”.
“O ponto de partida são as
catástrofes que nós vivemos no quotidiano, temos que nos interrogar como e
porque chegamos a situação que nós estamos e existe uma série de porquês.
Existem em primeiro lugar para a situação actual de Moçambique razões endógenas
e razões exógenas. Existem razões que são intrinsecamente moçambicanas e
existem razões das quais não nos podíamos defender e que têm a ver com o poder,
com forças que são exteriores e que incidem pela força que tem na situação que
vivemos no quotidiano. Existem razões históricas, que podemos dividir em duas
partes: as longínquas e as mais próximas de nós. Existem as razões do presente.
Séneca que eu citei dizia um Homem sábio não é aquele que ocupa a
vida dele a pensar nas coisas que não pode modificar, mas que se prontifica e
luta para tentar pensar e agir sobre aquilo que depende dele” explicou Ngoenha.
Na óptica do Reitor da
Universidade Técnica de Moçambique a questão dos conflitos não é a mais
importante, “os conflitos numa sociedade
são necessários e são salutares porque eles marcam e demonstram as diferenças
na compreensão da vida social (…) Nós pautamos, desde há muitos anos, logo após
a independência, por razões geopolíticas até regionais da guerra fria, por uma
solução militar. Matamo-nos, aumentamos a fome, destruímos a sociedade,
destruímos comunidades, criamos situações de desconfiança entre todos nós.
Parece-me que a juventude tem que incidir, não no conformismo do primeiro grupo
que elenquei, mas tem que pensar que existem outras estradas para percorrer,
não para eliminar as diferenças e a contraposição de ideias (que é salutar),
mas para eliminar a maneira como as nossas diferenças e os nossos contrastes
encontram uma solução no interior das nossas sociedades”.
A violência não começa com
a violência das armas
“Em todas as sociedades do
mundo existem diferenças, existe contraposição de ideias, mas nós podemos
pautar na solução destes contrastes por uma dimensão da palavra, do diálogo, da
discussão como podemos pautar por uma dimensão da confrontação, do conflito e
até das armas. Infelizmente Moçambique tem pautado pela segunda dimensão”,
lamentou o académico que chamou atenção para “a contraposição dos meios que mobilizamos para a guerra é desproporcionadamente
superior a aquilo que mobilizamos para a paz, e no entanto continuamos a dizer
que a paz é mais importante que a guerra. Quer dizer, o que nós mobilizamos
para parar com o conflito não tem proporção com aquilo que mobilizamos para a
guerra. O filósofo Kant dizia que a guerra cria mais malvados que aqueles que
ela elimina”.
Por isso Severino Ngoenha aponta a tolerância como solução, “é o único conceito que não tem um único
antónimo mas tem dois, a intolerância e a indiferença”, e o Professor teve
o cuidado de explicar claramente o que é ser tolerante.
“Não significa que o outro
tenha palavra, não significa simplesmente que pessoas com convicções diferentes
das nossas, com crenças diferentes das nossas, com credos diferentes dos nossos
possam coabitar connosco ao lado. Ser tolerante significa não ser indiferente à
sorte dos outros. É preocupando o que acontece com aquele que não obstante
pense diferente de mim é meu companheiro nesta grande rua da navegação que é a
construção de um Moçambique próspero, mas em primeiro lugar de paz.
Me parece que o conceito de tolerância, de aceitar o outro na sua
diferença exige de nós que tenhamos consciência que não temos sempre razão.
Significa a possibilidade de ouvir o outro, não simplesmente pelo dever de
ouvi-lo, mas com empenho sincero de pensar que a razão do outro pode corrigir,
redimensionar, melhorar a minha própria maneira de pensar, a própria
conceptualização da vida e pode ser um elemento frutífero para a construção
daquilo que queremos construir juntos, uma comunidade moçambicana que viva em
paz e que se direccione em direcção de uma certa prosperidade” detalhou Ngoenha para a
plateia de jovens, mas num claro recado para os beligerantes do conflito
político-militar.
Embora sem o afirmar textualmente, o Reitor da UDM clarificou os
motivos para a situação de guerra que estamos a viver. “Não pode existir uma comunidade, não pode existir uma nação, não pode
existir um País se os bens que esse País produz, que se os bens que esse País
tem, não são partilhados por todos. A não partilha de bens, quer dizer a
existência de uma sociedade desigual, a existência de uma sociedade em que
poucos têm muito e muitos têm quase nada, leva necessariamente à conflitos,
leva necessariamente à violência”.
“A violência não começa com
a violência das armas, a violência é antes de mais simbólica e social. É
violência estarmos aqui num hotel de quatro estrelas a fazer uma conferência da
juventude, quando jovens passam pela frente a pedir esmola ou que não tiveram
nada para comer durante o dia. É violência quando a nossa televisão mostra
galas que se fazem no Estoril ou no Hotel Polana, quando milhões de pessoas não
têm o mínimo de que se alimentar. É violência quando nós Professores e
Magníficos Reitores andamos de recentes Mercedes e de grandes carros com
motoristas e guarda-costas, quando os outros não tem o mínimo para alimentar os
próprios filhos. Este tipo de violência social é o ponto de partida para outros
níveis de violência que podem chegar a violência militar”, afirmou Ngoenha.
Uma política que não consegue diminuir as discrepâncias sociais é
uma política que leva a conflitos, a violência
Ademais, “uma sociedade que
quer viver em paz é uma sociedade que faz o esforço para recordar-se sempre que
ela é composta por todos os seus cidadãos, e que esses cidadãos não têm todos
as mesmas capacidades, mas têm todos os mesmos direitos. Que esta comunidade é
feita de pessoas que não tem as mesmas riquezas, mas tem os mesmo direitos. Que
ela é constituída de pessoas que não tem as mesmas vontades, mas têm os mesmos
direitos”.
E o Professor explicou como proceder para se chegar a esse nível
de comunidade, “não é que a sociedade
vai conseguir igualar, mas ela tem que lutar sistematicamente para fazer com
que as discrepâncias sociais não aumentem, mas tendem a diminuir, e essa é a
função da política. Se a função da economia é que cada um lute pelos seus
interesses individuais para a solução dos problemas que está confrontado como
Homens e Famílias, a função da política é corrigir as discrepâncias que nascem
numa sociedade devido a luta dos indivíduos para viverem a própria vida”.
“Uma política que não
consegue diminuir as discrepâncias sociais é uma política que leva a conflitos,
a violência, as confrontações que podem ser de origem militar”, acrescentou
Ngoenha. De acordo com o Magnífico Reitor da UDM, se é óbvio que não podemos
modificar a história passada, o desafio dos jovens é “modificar a história futura que queremos construir”.
A capitalização do País que fez com que um grupo enriquecesse
depressa
Mas o grande desafio dos
jovens moçambicanos, segundo o Severino Ngoenha “é a remoralização social”.
"A luta de libertação
nacional trouxe uma dimensão axiológica diferente, trouxe uma maneira de pensar
ligada a estruturas e ideologias de um certo tipo. A guerra dos 16 anos
destruiu as nossas referências morais, as nossas referências sociais, a paz
parecia prometer que tínhamos que construir um País com referências diferentes
e recaímos de novo na guerra. Com esta guerra rearmamo-nos, o dinheiro que
tinha que servir para escolas e hospitais teve que ser empregue nas
confrontações internas o que justifica dívidas avultadas. É dinheiro que podia
ser usado para criação da prosperidade para muitos, mas acaba sendo um meio de
destruição para muitos. O dinheiro que podia ser de dívidas e podia produzir
riquezas, mas produz morte, produz sangue, produz violência, produz angustia,
produz mais pobreza”, constatou também o Professor.
Ainda reflectindo sobre o passado que não podemos alterar, mas que
ajuda a pensar o futuro, Severino Ngoenha recordou-se que “um fleuma enorme que se abateu sobre nós, sobretudo depois dos acordos
de 1992, foi a capitalização do País que fez com que um grupo enriquecesse
depressa. O problema não está no enriquecimento de uns depressa, está no facto
que esses indivíduos tornaram-se monadas, quer dizer que dissociaram-se do
tecido social e pensam simplesmente em acumular, ter mais e sempre mais,
conceitos históricos como o nosso povo desapareceram. Conceitos históricos que
cantamos no hino nacional uma só força
desapareceram, então ocorre neste repensar Moçambique trazer valores novos,
valores de solidariedade, valores de pertença, valores de responsabilidade para
com os outros”.
O grande desafio que nós
temos não é atirar pedras contra aqueles que nos governam
E o Professor explicou que os moçambicanos não estão proibidos de
melhorar as suas condições de vida, “temos
que fazê-lo, mas pensar que nós somos responsáveis por nós próprios, mas também
somos responsáveis pelos outros. Quer dizer, somos co-responsáveis de uns, com
e para com os outros. Ser inconformistas, não conformar-se significa não
aceitar que não seja possível criar uma sociedade em que todos tenham o
necessário para a própria sobrevivência. Remoralizar o País significa não
diminuir o esforço de cada um, ao contrário, trabalharmos mais e com abnegação,
mas pensarmos que ao mesmo tempo que nós gostamos de ter o que necessitamos
para nossa vida, estar na moda, os outros também gostariam de ter a mesma coisa”.
“Eu venho aqui dizer-vos
que o grande desafio que nós temos não é atirar pedras contra aqueles que nos
governam, esses são os governantes que nós temos, este é o Parlamento que nós
temos, este é o Governo que nós temos, esta é a situação do País que nós temos.
Se não estamos de acordo com as coisas que fazem, nós temos que demonstrá-lo
com o nosso empenho, com o nosso trabalho, a nossa dedicação, a nossa vontade,
a nossa determinação”, desafiou Ngoenha.
O Magnífico Reitor da Universidade Técnica de Moçambique conclui o
seu discurso orientador da conferência deixando o seguinte recado aos jovens: “Se queremos ser jovens sérios, engajados,
não conformistas nem criticistas, temos que nos perguntar, não aquilo que
Moçambique tem que fazer por nós, a questão é o que nós podemos e temos o dever
de fazer para que este País não seja melhor, mas que seja menos pior”.
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