SINGAPURA UMA LIÇÃO PARA OS MOÇAMBICANOS

RM Kuyeri, 24 de Março de 2021

Há seis anos, moçambicanos endereçaram mensagens de condolências à Singapura pela morte, no dia 23 de Março de 2015, do seu Primeiro-Ministro Lee Kuan Yew aos 91 anos de idade. Lee Kuan Yew dirigiu aquele pequeno país asiático durante 31 anos, cuja esperança de vida é de 80 anos para os homens e 85 para as mulheres. Pode-se até dizer que Lee Kuan Yew viveu 11 anos a mais como recompensa divina por uma vida boa dedicada ao progresso do seu país.


A República de Singapura é uma cidade-Estado insular, localizada na ponta sul da Península Malaia, no Sudeste Asiático, constituída por 63 ilhas e separado da Malásia pelo Estreito de Johor, ao norte, e das Ilhas Riau, na Indonésia, pelo Estreito de Singapura a sul. O país apresenta o maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de todos os países asiáticos e colocou-se no lugar como melhor país do mundo em 2014, um ano antes da morte de Lee Kuan Yew.

O território de Singapura é altamente urbanizado, diferentemente de Moçambique, mas quase metade é coberta por vegetação. No entanto, mais terras estão sendo criadas para o desenvolvimento por meio do processo de aterramento marítimo, diferentemente de Moçambique que possui tanta terra por urbanizar e para a agropecuária, mas que, ao longo da costa, muitas terras estão sendo engolidas pelo Oceano Índico.

Singapura foi parte de diversos impérios locais, desde que foi habitada no século II D.C., e hoje é um país moderno, depois de ter sido fundado como um mero posto comercial da Companhia Britânica das Índias Orientais do Sir Stamford Raffles em 1819, com a permissão do Sultanato de Johor. O Império Britânico obteve a soberania completa da ilha em 1824 e a cidade se tornou num dos Estabelecimentos dos Estreitos em 1826.

Pode-se afirmar com segurança que tudo o que Lee Kuan Yew fez, inclusive tudo aquilo pelo qual foi fortemente criticado por ser “arrogante”, foi para o benefício do seu povo e não para ganhos pessoais, a exemplo do malogrado Presidente John Pombe Joseph Maguli da vizinha Tanzania. Tanto Lee Kuan Yew como John Magufuli são dois líderes de pontos geográficos distintos, mas que morreram como homens realizados e sem arrependimento algum de terem servido os respectivos povos.


Singapura era uma ilha pequena e sem esperanças. A sua gente era tão pobre que era impossível admitir a sua sobrevivência por conta própria. Pois, o país não tem recursos comparado com Moçambique, mas o seu Governo, liderado por Lee Kuan Yew, decidiu unir esforços junto de outros países para formar a Malásia em 1963. Porém, por causa de distúrbios étnicos, a Singapura foi excluída da União em 1965 e Lee Kuan Yew ficou desesperado, porque não via como o seu povo sobreviveria como país.

A situação de Singapura era tão má que nem se tinha água potável. O país era totalmente dependente de outros países para beber água, nem sequer tinha recursos naturais como hidrocarbonetos, nem ouro, nem outro tipo de minerais como Moçambique tem ao desbarato. O país não tinha nada. Tudo o que tinha eram seres humanos e portos, o que Moçambique também tem em demasia, comparado com Singapura.

Lee Kuan Yew e o seu povo não se deixaram derrogados e não desistiram de enfrentar os desafios para a sua sobrevivência. Decidiram juntar as suas forças e resolveram mudar a sua sorte e destino. Hoje a história de Singapura mudou completamente e já não é um país do Terceiro Mundo, fazendo parte dos quatro Tigres da Ásia, como são chamadas as economias da Coreia do Sul, Taiwan, Singapura e Hong Kong, por causa da sua incrível história de desenvolvimento.

Singapura é o único país asiático com a classificação AAA feita por todas as agências de classificação de crédito, sendo o quarto maior centro financeiro do mundo, com um dos cinco portos modernos mais movimentados do mundo. A manufactura responde por cerca de 30% do seu PIB e o país tem o terceiro maior rendimento per capita do mundo.


Ao contrário de Moçambique, Singapura não tem uma única gota de petróleo bruto ou gás natural nas suas terras. Porém, é um dos maiores exportadores e não importadores de produtos petrolíferos. O país está entre os três maiores centros de refinaria de petróleo do mundo, mas não tem petróleo! Porém, tem algumas das maiores refinarias de petróleo do mundo e o Banco Mundial classifica-o como o lugar mais fácil para fazer negócios no mundo.

A questão aqui é como é que Singapura alcançou estes feitos e Moçambique, apesar da sua posição estratégica junto do Canal de Moçambique, por onde transita 60% do comércio internacional, possui tantos recursos naturais, faunísticos e florestais, está muito longe de se colocar ao calcanhar de Singapura! Será que Lee Kuan Yew e o seu povo são mágicos ou anjos! Não, são seres humanos como nós moçambicanos. A nossa situação de pobreza tem a ver com a qualidade da nossa liderança, pois, liderança é algo que não se deve negociar.

Paremos de agir e nos comportarmos em função das agendas dos outros. Temos de ter a nossa própria estratégia nacional com objectivos e agendas bem clarificados. Chega de os moçambicanos comuns serem culpados pelos problemas de Moçambique sob o pretexto de que se os seguidores são maus, então os líderes serão maus. Isso não é verdade! John Magufuli, em apenas cinco anos, mudou o cenário de desenvolvimento na vizinha Tanzania.


Se os nosso líderes forem bons, nós os seus seguidores também seremos bons. Pois, são os líderes os que tomam as decisões cruciais e mostram qual é a direcção a seguir. É por isso que são chamados líderes. Como se diz na gíria popular, “é o cão quem deve abanar o rabo e não o rabo abanar o cão” ou “não se deve culpar os passageiros pela má condução”. Os quatro Tigres da Ásia são países que foram transformados graças a uma boa liderança.

Para quê um país precisa de líderes, se não é para iluminarem os caminhos para o desenvolvimento! Para isso precisa-se líderes com visão, competentes e exemplares, não meros políticos que conquistam votos populares no meio da euforia eleitoral depois de as suas mentes terem sido lavadas durante a campanha eleitoral. O desenvolvimento começa com o tipo de visão dos líderes. Nenhum país se desenvolve por acidente ou por coincidência.

O desenvolvimento é processo cronológico bem planificado com etapas e respectivas metas. É o líder quem deve entender as questões cruciais do país, monta a estratégia, a táctica e uma equipa à altura dos desafios por cada etapa e compartilha a sua visão com ela, atribui responsabilidades, lidera pelo exemplo e responsabiliza a quem não alcança as metas previstas no plano programático.


Todo o processo de desenvolvimento começa com a visão e atitude da liderança. Quando se tem uma visão para a sociedade, sabe-se que a saúde e educação são fundamentais, a água e electricidade são fundamentais, as infraestruturas são fundamentais, por isso não são negociáveis, como John Magufuli ensina pelo exemplo. Quando se tem visão, sabe-se para onde direccionar os recursos e o potencial humano disponível. Conhece-se o tipo de pessoas com quem se deve contar para dirigirem os ministérios e as agências importantes por serem sectores estratégicos para o desenvolvimento.

Para isso, os líderes não devem ser obcecados por uma gratificação instantânea e conforto pessoal ou da sua família. Pois, esse é um dos maiores problemas que nós moçambicanos enfrentamos, devido à fragilidade emocional e arrogância política dos nossos líderes. Os nossos líderes estão mais obcecados com as vantagens do cargo do que com os objectivos e interesses nacionais, que até se esquecem que foram eleitos para resolverem os problemas da nação, os problemas do Estado, os problemas do povo.


No lugar de resolver problemas de transporte público como John Magufuli fez na vizinha Tanzania, os nossos líderes estão preocupados com viaturas Top de Gama e com os jactos presidenciais, porque só assim se sentem mais confortáveis como dirigentes e não estão preocupados em serem líderes como John Magufuli. Ao menos que tais jactos fossem do país, mas não, porque são fretados! Que tipo de desperdício é este?

Lee Kuan Yew compartilha a sua história de sucesso no seu livro intitulado “Do Terceiro Mundo ao Primeiro”, que é uma história que consta nas páginas 363-364 e teve que ver com a sua viagem a Ottawa, no Canadá, para uma reunião da Commonwealth em 1973. Segundo Lee Kuan Yew, o então Primeiro-Ministro do Bangladesh, Sheikh Mujibur Rahman, chegou em grande estilo no seu próprio avião executivo. Quando Lee Kuan Yew aterrou, viu um Boeing 707 estacionado, estampado de insígnias do “Bangladesh”. O jacto do Sheikh Mujibur Rahman esteve parado no mesmo lugar, ocioso por oito dias, pagando avultadas somas em dinheiro pelo estacionamento, ao mesmo tempo que ficava obsoleto sem nada ganhar.

Quando Lee Kuan Yew saiu do hotel para o aeroporto, viu duas carrinhas enormes carregadas de enormes pacotes para o avião do Primeiro-Ministro do Bangladesh. Entretanto, na conferência o Sheikh Mujibur Rahman fez um pedido internacional de ajuda para o seu país. Qualquer empresa ou agência de relações públicas o teria aconselhado a não deixar aquele seu jacto executivo parado na placa por oito dias inteiros. O Sheikh Mujibur Rahman pediu ajuda, mas mostrou opulência ao mundo. Esta postura é deveras incongruente, se não é irracional. Mas John Magufuli, nas poucas viagens que fez no continente africano, fê-las em voo comercial e viajou na classe económica sem perder o seu estatuto de Presidente da República.

Neste seu livro, Lee Kuan Yew refere que os Presidentes do Quénia e da Nigéria também chegaram a Ottawa em jactos privados e ele questionou se era assim que eles queriam convencer o mundo de que eram pobres e precisavam urgentemente de ajuda. O representante permanente de Singapura na ONU explicou-lhe que, “quanto mais pobre o país é, maiores são os Cadillacs que eles alugam para os seus líderes”.


Então, Lee Kuan Yew concluiu que ele tinha feito melhor em chegar a Ottawa num voo comercial comum, porque assim ajudou o seu país a poupar e ele preservou o status de Singapura como país do Terceiro Mundo por muitos anos. No entanto, em meados da década de 1990, o Banco Mundial recusou-se a atender aos apelos de Lee Kuan Yew para que Singapura não fosse reclassificado como um “País Desenvolvido de Alta Renda”, porque Singapura perderia todos os benefícios dados aos países em desenvolvimento.

Mas Lee Kuan Yew também observa que os líderes africanos, incluindo os moçambicanos, são muito, mas muito religiosos, e é verdade. Os nossos muçulmanos oram cinco vezes ao dia, vão para o hajj com frequência, jejuam durante o Ramadão e mencionam o nome de Alahh como se estivessem a pontuar cada palavra e cada frase, enquanto os nossos cristãos estão sempre a comungar, a pagar dízimos gordos e a entregar oferendas bem pesadas, bem como realizam sessões de orações em casa todas as manhãs, sem se darem tempo de pensarem e reflectirem sobre os problemas da Nação e do seu povo. Os nossos líderes têm mais visão religiosa do que visão para desenvolver o país, porque julgam que a sua fé em Allah ou em Deus encarrega-se de resolver os problemas do país.


Paradoxalmente, enquanto na Mesquita ou na Igreja são ensinados a não cometerem o pecado, os nossos líderes saqueiam o Tesouro do Estado sem compaixão ou remorso, inflacionam os contractos públicos de forma descarada, “operam esquadrões da morte e ficam a olhar sem peso de consciência”, como realça Lee Kuan Yew no seu livro, enquanto nós os cidadãos lutamos por ter água potável, escolas para os nossos filhos e bons hospitais.

Não se conhece a religião de Lee Kuan Yew, por isso, parece ter morrido agnóstico, não porque tenha negado aceitar a existência um Deus, mas sabe-se que dois dos seus irmãos mais novos são membros das igrejas anglicana e metodista, respectivamente. Não quer isso dizer que não se deve acreditar em Deus. Mas como é que os nossos líderes dizem acreditar em Deus e lamentavelmente falham no que o Sagrado Alcorão e a Bíblia Sagrada ensinam sobre “amar o próximo, cuidar dos necessitados e mostrar responsabilidade como um líder”! É difícil de entender este paradoxo dos nossos líderes pela forma como combinam a religião com a sua ganância.

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