POR QUÊ A NATO DESTRUIU A LÍBIA
RM Kuyeri, 24 de Março de 2021
Em CARTA DA SEPULTURA (https://ilmanifesto.it), o italiano Manlio Dinucci refere que há dez anos, a 19 de Março de 2011, as forças combinadas dos Estados Unidos da América (EUA) e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) iniciaram o bombardeamento contra a Líbia, a partir de um porta-aviões, numa guerra liderada pelos EUA através do seu Comando Militar para África.
Em sete meses, as aeronaves dos EUA e da NATO realizaram 30 mil missões militares, nas quais levaram a cabo 10 mil ataques e usaram mais de 40 mil bombas e mísseis. Portanto, tratou-se de um ataque de grande envergadura que visava destruir aquele próspero país africano que estava a ser um mau exemplo para a política externa dos EUA e da União Europeia (UE).
O Parlamento da Itália aprovou a entrada do seu país na guerra dos EUA e NATO contra a Líbia, com o consenso multipartidário da maioria do Partido Democrático na Vanguarda e participou na guerra com a intervenção de sete bases aéreas localizadas em Trapani, Gioia del Colle, Sigonella, Decimomannu, Aviano, Amendola e Pantelleria, de onde os caças Tornado, Eurofighter e outros, a partir do porta-aviões Garibaldi e outros navios de guerra, se juntaram aos esforços militares dos EUA e da NATO numa operação cruel de agressão contra a Líbia.
Em nome da Nova Ordem Mundial e da defesa da democracia, direitos humanos e liberdade de expressão, o Ocidente levou a cabo esta mega-operação militar no Magrebe, numa ofensiva aero-naval contra a Líbia, com o apoio de sectores tribais e grupos islâmicos hostis ao Governo de Muammar Muhammad Abu Minyar al-Gaddafi, mais conhecido por Coronel Muammar Gaddafi, financiados e armados na Líbia pelos Serviços de Inteligência dos EUA e da UE, bem como a operação contou com a participação de forças especiais, incluindo qataris, que antes se infiltraram no país para espalhar confrontos armados e violar direitos humanos, actos responsabilizados ao Governo líbio e que serviram de alegações para aquela brutal invasão militar.
Destruiu-se assim um Estado africano bem consolidados que, conforme documentado pelo Banco Mundial em 2010, mantinha “elevados níveis de crescimento económico, com um aumento anual do PIB na ordem de 7.5% e que tinha registado “elevados indicadores de desenvolvimento humano”, entre os quais o acesso universal ao ensino primário e ensino médio, bem como para mais de 40% de estudantes nas universidades dentro e fora do país. Isto incomodava os EUA e a Europa, como vai incomodar se qualquer outro país africano enveredar por este caminho.
Apesar das alegadas disparidades, o padrão médio de vida na Líbia era o mais alto do que noutros países africanos, incluindo alguns países europeus e americanos. Pois, cerca de dois milhões de imigrantes, a maioria africanos, encontravam trabalho na Líbia do Coronel Muammar Gaddafi.
O Estado líbio, que detinha as maiores reservas de petróleo da África e outras de gás natural e impunha margens limitadas de lucro para as empresas estrangeiras, cujos dividendos eram obrigatoriamente partilhados de igual para igual com o Estado líbio, então legítimo dono dos recursos naturais em hidrocarbonetos na Líbia, era visto pelos EUA e as ex-metrópoles coloniais como uma ameaça para a sua sobrevivência como potências.
Graças à sua intolerância em relação às tendências de espoliação desregrada dos recurso naturais líbios, as exportações de energia eram bem controladas pelas autoridades económicas e financeiras líbias e a balança comercial da Líbia detinha um superávit anual de 27 biliões de dólares norte-americanos, o que permitia ao Coronel Muammar Gaddafi apoiar outros países africanos na luta pela sua emancipação económica, a ponto de apelar para a adopção urgente de uma moeda única africana e avançar-se para a institucionalização dos Estados Unidos de África.
Com tantos recursos que o Estado líbio detinha e muitos investimentos no exterior, na rodem de 150 biliões de dólares norte-americanos, os investimentos da Líbia em África foram os mais decisivos para o plano da União Africana (UA) de criar três organizações financeiras, nomeadamente:
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O Fundo Monetário Africano, com sede em Yaoundé, nos Camarões;
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O Banco Central Africano, com sede em Abuja, na Nigéria; e
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O Banco Africano de Investimentos, com sede em Tripoli, na Líbia.
Estas três instituições financeiras africanas, suportadas pela Líbia, teriam servido para viabilizar a criação de um mercado comum e uma moeda única em África, de modo a não mais depender da mão-estendida para a boa vontade e artifícios enganosos e injustos do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional controlados pelos EUA.
Não é por acaso que a guerra levada a cabo pelos EUA e NATO para destruir o Estado líbio começou em menos de dois meses após a realização da Cimeira da UA no dia 31 de Janeiro de 2011, que deu a luz verde para a criação do Fundo Monetário Africano.
Os e-mails de Hillary Clinton, então Secretária de Estado do Governo do Presidente Barack Obama, publicados e destacados pelo WikiLeaks, provam que os EUA e a França queriam eliminar, a todo o custo, o Coronel Muammar Gaddafi antes que ele usasse as reservas de ouro da Líbia para criar uma moeda pan-africana alternativa ao dólar norte-americano e ao Franco CFA, a moeda imposta pela França a 14 Estados africanos suas ex-colónias.
Prova disso é que, antes do início dos bombardeamentos do dia 19 de Março de 2011, os bancos norte-americanos e europeus foram os primeiros a agirem, congelando os 150 biliões de dólares norte-americanos investidos no exterior pelo Estado líbio e que desapareceram definitivamente a favor das economias norte-americana e europeia. Portanto, partilharam os 150 biliões de dólares norte-americanos líbios como o fizeram quando decidiram pela partilha de África durante a Conferência de Berlim há mais de 130 anos, que decorreu entre 15 de Novembro de 1884 e 26 de Fevereiro de 1885, na qual participaram representantes de 13 países da Europa, dos EUA e do Império Otomano.
Em 2011 a história voltou a repetir-se com o grande assalto ao tesouro e às riquezas decorrentes dos recursos naturais da Líbia, destacando-se o Goldman Sachs, o mais poderoso banco de investimento dos EUA, do qual Mario Draghi foi Vice-Presidente.
Hoje a Líbia está reduzida a cinzas e ocorrem os mais horrendos actos de violação de direitos humanos e a democracia e liberdade de expressão viraram miragem. Os lucros das exportações de petróleo são monopolizados por grupos de poder e multinacionais ocidentais, numa situação caótica de confrontos armados, onde o padrão de vida médio da maioria da população entrou em total colapso, dando lugar à pobreza extrema.
Imigrantes africanos, entre os quais cidadãos líbios, acusados de serem “mercenários do Coronel Muammar Gaddafi”, são todos os dias presos e metidos em jaulas do zoológico, torturados e assassinados sem dó nem piedade.
No lugar da Democracia, Direitos Humanos e Liberdade de Expressão, valores apregoados pelo Ocidente sob liderança dos EUA, a Líbia hoje tornou-se na principal rota de trânsito ao serviço de traficantes de seres humanos, de fluxo migratório muito caótico para a Europa que estão a causar muito mais vítimas do que a guerra dos EUA e NATO levada a cabo contra a Líbia em 2011.
Em Tawerga, por exemplo, as milícias islâmicas de Misrata, as mesmas que assassinaram brutalmente o Coronel Muammar Gaddafi apoiadas pela NATO, estão a levar a cabo uma verdadeira limpeza étnica, forçando quase 50 mil cidadãos líbios a fugirem sem poderem sonhar em regressar ao seu país algum dia.
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