ODE A JOHN POMBE JOSEPH MAGUFULI
RM Kuyeri, 25 de Março de 2021
De tantos discursos e escritos laudatórios a John Magufuli, importa referir a um artigo do veterano político e antigo Primeiro-Ministro do Quénia, Raila Odinga, que melhor explica quão o malogrado estadista tanzaniano lutou, de facto, contra a devastadora onda de corrupção que há seis anos afectava a Tanzânia.
Quem quer saber quão a corrupção atrasa o desenvolvimento dum país e enriquece uma minoria, leia este artigo que Raila Odinga escreveu em homenagem a John Magufuli que se segue e traduzido do inglês:
1. John Magufuli que conheci
Quando começaram a circular rumores sobre a precabilidade da saúde e do paradeiro do meu amigo, o Presidente John Pombe Magufuli, fiz várias ligações telefónicas para ele. Mais tarde, enviei a ele uma mensagem de SMS. Ambos ficaram sem resposta. Então, optei por me resignar para esperar o pior, enquanto esperava que eu estivesse errado.
Quando a sua morte foi confirmada, enquanto eu estava em quarentena depois de ter testado positivo à COVID-19, senti todo o peso da dupla tragédia e uma angústia causada pela mão cruel do destino. Foi a pior época para perder um amigo e um camarada. Unia-nos um grande vínculo forjado durante a nossa guerra contra a corrupção e pela construção de infraestruturas de qualidade nos nossos respectivos países.
Conheci o Dr. Magufuli numa conferência internacional sobre infraestruturas em Durban, na África do Sul, em 2003. Eu tinha acabado de assumir o cargo de Ministro de Estradas, Obras Públicas e Habitação no Governo da Coligação Nacional do Arco-Íris (NARC) do Presidente Mwai Kibaki. Naquela época, o Dr. Magufuli já havia exercido uma função ministerial semelhante há algum tempo na Tanzania.
No Ministério, descobri que havia herdado um problema maior do que imaginava. O Ministério estava atolado na corrupção maciça. Os empreiteiros estavam a exigir pagamentos e sendo pagos por obras que não haviam feito, ou que tendo sido feitas, eram de muito baixa qualidade em relação às especificações contratuais. Quase todo o orçamento do Ministério estava sendo usado para liquidar projectos pendentes que continuavam a aumentar a cada dia. O Ministério não estava a construir novas estradas, nem a fazer a devida manutenção das existentes.
É nesse contexto que participei da conferência de Durban. Eu queria compartilhar minhas experiências, aprender com ou outros ministros e outros especialistas e, se tivesse sorte, também atrair algum financiamento para as enormes infraestruturas que o Quénia precisava quando o NARC começou a governar.
2. A corrupção
O Dr. Magufuli teve imenso interesse na minha apresentação. Ele ficou particularmente intrigado com a minha confissão de que a corrupção havia encontrado um lar no Ministério que eu dirigia e que estava a negar ao país as boas infraestruturas necessárias para o crescimento económico.
Nós os dois tivemos longas discussões à margem da conferência. Durante as nossas discussões, ele revelou que os problemas que mencionei eram os mesmos que encontrou quando assumiu o cargo de Ministro das Estradas e Obras Públicas na Tanzania.
Ele se ofereceu para compartilhar as suas experiências ao lidar com os vícios da corrupção e dos empreiteiros cowboys, de modo a expulsá-los das cidades. Para começar, ele aconselhou que eu examinasse duas áreas: a das aquisições e projectos e a dos processos de licitação.
Baseando-se nas suas experiências em Dar-és-Salaam, ele havia conseguido cercar essas áreas como verdadeiros esconderijos da corrupção e que eram os canais através dos quais se perdiam os fundos do Governo.
3. Encurtar o processo de aquisições
O seu conselho foi que eu precisava encurtar o processo de aquisições, que geralmente é longo e tortuoso, apenas para facilitar o tempo de negociatas para a corrupção. Em seguida, ele aconselhou-me que adoptássemos um sistema para fazer simultaneamente projectos e as construções de estradas ao mesmo tempo, em vez de projectar a estrada inteira primeiro, depois licitar e construir. Ele explicou-me que isso era também um canal para a corrupção.
O seu conselho foi que as secções de estradas já projectadas poderiam ser licitadas e iniciada a sua construção à medida que os projectos de outras secções continuassem. Dessa forma, conseguiríamos estradas de qualidade mais rapidamente e a preços mais baratos. Tinha funcionado para ele e ele queria que tentássemos.
A partir daí a nossa amizade começou. Tornámo-nos conselheiros de cada um de nós e parceiros na guerra contra a corrupção e os empreiteiros cowboys no sector de estradas.
Antes do final da conferência, o Dr. Magufuli pediu-me para instruir os engenheiros do meu Ministério para se reunirem com os seus engenheiros em Dar-és-Salaam, para que eles pudessem trocar ideias sobre como fornecer uma infraestrutura de qualidade com custos de valor baixo. Instruí imediatamente o meu Secretário Permanente, Erastus Mwongera, a constituir a nossa equipa. Em Dar-és-Salaam tivemos discussões extremamente emocionantes sobre maneiras simples, rápidas e eficientes de fornecer infraestruturas de qualidade.
A seguir, o Dr. Magufuli convidou-me a acompanhá-lo numa visita por estrada a Mwanza, onde supervisionava e lançaria a construção de hospitais e estradas. Foi durante essa viagem que ele deu o meu nome a uma das estradas na Tanzania: a Estrada Raila Odinga em Mwanza. Durante esta viagem visitamos a sua casa natal em Chato. Também o convidei para nos visitar em Kisumu e Bondo.
Quando
começamos a trabalhar aqui no Quénia, identificamos a Rodovia
Meru-Mauá como uma das estradas principais que precisava de uma
reforma imediata e massiva. Convidei o Dr. Magufuli para iniciar a
reconstrução desta estrada, o que ele fez. Também instruí o
Ministério a dar o nome dele a essa estrada.
Como Primeiro-Ministro do Governo da Grande Coligação, visitei-o com uma delegação composta pelo Senador James Orengo e pelos Governadores Sospeter Ojaamong e Josephat Nanok, entre outros. Nesta viagem lancei a construção da Universidade de Mwanza.
Enquanto nos preparávamos para as eleições de 2012, o Dr. Magufuli desafiou as formalidades protocolares e ficou connosco, participando fisicamente na Conferência de Delegados Nacionais do nosso partido, onde recebi a missão de ser eu quem devia concorrer à Presidência da República. Nessa época, nos tornamos consultores um do outro. Estávamos disponíveis um para o outro sempre que um de nós precisava de ajuda ou conselho.
Quando o Dr. Magufuli declarou o seu interesse em ser também o Candidato Presidencial do Chama Cha Mapinduzi (CCM) em 2015, fiquei muito interessado, porque a sua disputa eleitoral era minha, assim como a minha era também dele. Nós nos envolvemos profundamente e ficamos animados quando ele ganhou.
Ele me convidou para ir a Dar-és-Salaam, quase imediatamente após sua posse. Durante essa visita, o recém-eleito Presidente foi franco. Ele disse que sabia administrar ministérios, mas agora ele precisava de conselhos sobre como dirigir um Governo. Ele queria saber particularmente como conseguimos, sob o Governo do NARC e o Governo da Grande Coligação, aumentar as receitas para prestar serviços e acabar com a corrupção.
Aconselhei o meu amigo que, para começar, ele deveria olhar não só os funcionários que colhem receitas e fazem compras em todos os níveis do Governo. Eu disse a ele que, na maioria dos casos, eram os polícias que conduziam também os modelos luxuosos de carros mais recentes, construíam apartamentos clássicos nas cidades e construíam castelos nas áreas rurais, apesar dos seus salários serem mais baixos. Ele precisava submetê-los a uma auditoria sobre o seu estilo de vida, aposentá-los ou mesmo prender os corruptos incorrigíveis e transferir outros, para daí ver que a arrecadação de receitas dispararia.
Ele ouviu-me. Em alguns casos, ele entrou pessoalmente nos escritórios para ver como o trabalho estava sendo feito. Logo, a receita da Tanzania duplicou, depois triplicou. O novo Presidente de repente teve dinheiro para construir estradas, portos, hospitais e ferrovias, sem depender de doadores.
4. A construção de Linhas Férreas padronizadas
O
Presidente Magufuli manifestou um grande interesse no que aconteceu
com as ferrovias de padrão estandardizado do Quénia, em termos do
seu custo. Ele estava determinado a evitar as armadilhas e o fez. Foi
assim que ele construiu a ferrovia padronizada da Tanzania quatro
anos depois, a um custo muito menor do que o nosso.
O Presidente Magufuli era uma pessoa de mente muito independente. Durante a sua gestão, as pessoas desenvolveram a crença de que ele sempre me ouviria. Embora tenhamos trocado opiniões e concordado em muitas coisas, não é verdade que ele concordou com todas as sugestões que lhe fiz.
Quando o Dr. Magufuli discordava, ele discordava com firmeza, não importando com quem discordava. Quando ele ordenou o confisco do gado Maasai que havia cruzado para a Tanzania, implorei-o várias vezes a ele para libertar o gado, mas simplesmente não se mexeu.
Como político, o Presidente Magufuli era populista. Ideologicamente, ele se inclinou para a social-democracia. Ele permitiu que o sector privado crescesse, mas sob os olhos muito vigilantes do Estado, porque sentia que o sector privado, se não fosse vigiado, poderia ser arrogante, especialmente para os mais humildes da sociedade.
5. Magufuli foi inimigo da corrupção
O Dr. Magufuli era um inimigo declarado da corrupção. Essa, a meu ver, é a sua característica mais marcante. Ele não suportava a ideia de funcionários públicos usarem recursos públicos em seu próprio benefício. Se você odeia a corrupção, você estava na primeira fila como amigo e confidente do Dr. Magufuli.
Ele estava determinado a colocar a Tanzania à frente na região da África Oriental por meio da industrialização. Nesse esforço, ele viu o Quénia como um obstáculo, daí a sua posição às vezes hostil contra o Quénia. Também discutimos isso. A minha posição é que os países industrializados da Europa e da Ásia, por exemplo, coexistem e poderíamos fazer o mesmo aqui. Ele não estava convencido. O seu principal negócio era a Tanzania.
Fora da Tanzânia, o seu outro negócio era a África. Ele tinha pouco interesse em outros continentes. Mesmo na África, ele foi selectivo com as suas visitas. Lembro que ele visitou o Quénia, Etiópia, Nigéria, África do Sul, Uganda, Ruanda, Burundi e República Democrática do Congo. Fora isso, ele era um tanzaniano preocupado com a Tanzania.
6. Um Ideólogo do CCM
O Dr. Magufuli foi um ideólogo do CCM, porque cresceu nas hierarquias do partido e abraçou alguns dos ideais do seu Presidente fundador, Mwalimu Julius Kambarage Nyerere, sobre o patriotismo, o nacionalismo e a auto-suficiência para o seu país. Em apenas cerca de seis anos, ele foi mais longe do que Mwalimu Nyerere na tentativa de empoderar economicamente o seu povo.
Enquanto Mwalimu Nyerere abraçou o internacionalismo e teve uma visão mais ampla do mundo e do lugar da Tanzania nele, o Dr. Magufuli era um super nacionalista com pouca consideração pelo resto do mundo. Onde Mwalimu Nyerere foi uma voz constante no cenário global, especialmente para a África e o Terceiro Mundo, o Dr. Magufuli reservou a sua voz e energia para a Tanzania.
7. Transformou a Tanzania
O Dr. Magufuli foi, no entanto, muito bem-sucedido na transformação da Tanzania em apenas cerca de seis anos. Ele transformou as rodovias e portos da Tanzania, criou o Transporte Rápido de Machimbombos para descongestionar Dar-és-Salaam e concessionou as ferrovias padronizadas a uma taxa competitiva, tudo por causa da repressão à corrupção.
Apesar de tudo isso, o legado do Dr. Magufuli pode sobreviver durante anos, especialmente se a sua sucessora se basear no que ele fez: que é manter a unidade, o trabalho árduo e a disciplina. Creio que estes seus legados perdurarão. Ele pressionou fortemente a ideia de que o sucesso vem de trabalho duro. Hoje, na Tanzania, as pessoas chegam aos serviços públicos muito cedo e não ficam apenas sentadas, mas trabalham. Espero que a nova Presidente dê continuidade a essa tradição que é boa para a Tanzania e para África.
Que o Dr. Magufuli se saia bem no próximo mundo.
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