MORREU O LÍDER DA RENAMO
O Pai da Democracia, Uma ova?
Por RM Kuyeri, 06 de Maio de 2018

O dia 03 de Maio de 2018 entra como mais um dia memorável nos anais da História de Moçambique, porque o país foi colhido por uma surpreendente notícia sobre o desaparecimento físico de Afonso Marceta Macacho Dhlakama, líder da Mozambique National Resistance (MNR), aliás, patrioticamente Resistência Nacional de Moçambique (RENAMO), aos 65 anos de idade, mais dez anos de idade mais velho do que eu.


A causa da morte não é ainda bem clara, sabendo-se apenas que Afonso Dhlakama terá morrido nas matas da mística e histórica Serra da Gorongosa de causa natural. Uma imprensa refere que morreu de diabetes, outra de ataque cardíaco e, a mais pessimista, avança ter sido envenenado.

O Presidente da República, Filipe Nyusi, é referido como tendo feito tudo o que esteve ao seu alcance na tentativa de transferir-lhe de helicóptero do seu esconderijo na Serra da Gorongosa para a cidade da Beira, de onde seria levado de avioneta para uma clínica em Pretória, na África do Sul. Porém, não teve sucessos, porque enfrentou dificuldades para obter a anuência imediata dos seus acólitos em Gorongosa, na Província de Sofala, onde se havia refugiado em 2015, após o retorno ao conflito armado (2014-2016).

Esta morte causou um misto de sentimentos contraditórios: de consternação para algumas pessoas, de indecisão para outras e ainda de compensação da dor sofrida durante muitos anos para muitas outras pessoas. Mas dominaram aqueles sentimentos que, para a maioria dos moçambicanos, são prenhes de muita hipocrisia laudatória dos feitos heroicos do líder, quando muitos cidadãos têm dificuldades de apreender a tal heroicidade de Afonso Dhlakama.

Afonso Dhlakama tornou-se líder da Renamo durante o auge da guerra dos 16 anos que assolou o país (1976-1992) e provocou centenas de milhares de mortos. Recorde-se que a guerra começou logo a seguir à proclamação da independência nacional a 25 de Junho de 1975 pela Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), de que ele (Afonso Dhlakama) e o seu antecessor (André Matade Matsangaisa) eram membros. A guerra apenas terminou com a assinatura, em Roma, na Itália, do Acordo Geral de Paz (AGP) entre a Renamo e o Governo da Frelimo pelos punhos de Afonso Dhlakama e Joaquim Chissano, ex-Presidente de Moçambique, a 04 de Outubro de 1992.
 
Desde então, a RENAMO tornar-se-ia oficialmente num partido político na oposição, sem nunca ter abandonado, contudo, o seu carácter rebelde de guerrilheiros, com um contingente armado que se envolveu, ao longo dos anos, em vários ciclos de violência com as forças governamentais, sobretudo após a realização de cada ciclo de eleições nas quais nunca reconheceu a derrota e ameaçando voltar a guerra.

Em Abril de 2017, o Presidente Filipe Nyusi confirmou que o Governo e a Renamo se encontravam a negociar e a finalizar um acordo para o desarmamento, desmobilização e reintegração dos combatentes da Renamo nas Forças de Defesa e Segurança (FDS), uma reintegração que sempre foi uma exigência pública de Afonso Dhlakama. Na altura o Presidente  Filipe Nyusi explicou que “conseguimos encetar um diálogo com o Presidente da Renamo e, através de contactos, temos estado a construir confiança mútua, que até ao momento ajudou o nosso país a parar com a violência”. Na mesma ocasião, a líder parlamentar da Renamo, Ivone Soares, afirmou que Afonso Dhlakama poderia, em breve, abandonar a Gorongosa e regressar a Maputo para liderar a oposição na capital. Ivone Soares garantiu que “estamos a trabalhar para que a saída do Presidente Afonso Dhlakama seja para breve, com as medidas de segurança acauteladas e com o término das negociações militares, que englobam garantias de que as forças residuais da Renamo vão ser integradas no exército único do Estado moçambicano”. Em Março de 2017 foi acordado, entre o Governo e a Renamo, o último cessar-fogo.

Desde então, politólogos e certa imprensa nacional e internacional passaram a descrever Afonso Dhlakama como “um guerrilheiro, essencialmente de sucesso. Ao contrário de Jonas Malheiro Savimbi, líder da UNITA em Angola, por exemplo, que foi apoiada pelos EUA, a Renamo foi apoiada pelos rodesianos no início, mas nunca recebeu um apoio tão empenhado da maior potência do mundo. Ainda assim, Afonso Dhlakama conseguiu a paz, ou melhor, obrigou a Frelimo à paz. Foi alguém que conseguiu manter uma guerrilha a funcionar durante anos, porque tinha qualidades de chefia, tinha uma noção muito forte do mapa de Moçambique, era hábil, mesmo não sendo um intelectual como Jonas Savimbi que era de grandes estudos”.

Ultimamente, Afonso Dhlakama e Filipe Nyusi se tinham reaproximado e, agora com a morte do líder da Renamo, o que se pode esperar dos almejados acordos que estavam a ser negociados! Não sei. Deve haver gente, tanto do da Frelimo como da Renamo, gente mais velha, que tinham Afonso Dhlakama como uma espinha encravada na garganta. A verdade é que, de facto, Filipe Nyusi e Afonso Dhlakama reconstruiram uma linha de uma certa aproximação e, até, de confiança que deu muita esperança de paz duradoura aos moçambicanos.

Veremos o que vai acontecer daqui para frente. O maior risco é as partes mais radicais do lado da Frelimo e da ala militar da Renamo rejeitarem as soluções negociadas entre Filipe Nyusi e Afonso Dhlakama. Se isso acontecer, há o maior risco de que haja um movimento daqueles que, dentro da Renamo, são mais guerrilheiros, militarizados, e isso possa fragmentar novamente os consensos até aqui alcançados. Isso vai trazer problemas muito sérios. Se nada for rejeitado, no entanto, acredita-se que prováveis sucessores de Afonso Dhlakama saiam do seio da ala militar da Renamo e não de Ivone Soares, a Chefe da Bancada Parlamentar da Renamo e sobrinha do perecido líder ou de Manuel Bissopo, Secretário-Geral da Renamo. Se fossem estes últimos, talvez não fossem quebrados os entendimentos já alcançados.

Note-se que Ivone Soares e mesmo Manuel Bissopo, não fazem parte dos históricos na Renamo, fundada em Harare, no actual Zimbabwe, sob os auspícios dos Serviços Secretos da Rodésia durante o regime ilegal de Ian Smith como Mozambique National Resistance (MNR), tendo como principais ideólogos políticos e militares, para além de André Matsangaisa e Afonso Dhlakama, o então Chefe dos Serviços Secretos rodesianos (CIO), Ken Flower, e Orlando Cristina, antigo membro da Polícia Internacional de Defesa do Estado, ex-Direcção Geral de Segurança de Portugal (PIDE-DGS). As primeiras acções armadas da MNR registaram-se na Serra da Gorongosa, precisamente onde o líder da Renamo encontrou a morte.

O primeiro líder do movimento foi André Matsangaisa, um dissidente da Frelimo como Afonso Dhlakama. Após a morte em combate de André Matsangaisa em 1979 na Serra da Gorongosa, Afonso Dhlakama assumiu a liderança, passando o movimento (ainda armado e pouco político) a denominar-se Resistência Nacional de Moçambique (RENAMO), para depois se designar partido Renamo após o AGP em 1992 e após a morte de Samora Machel em 1986, antigo Presidente de Moçambique e fundador do Estado moçambicano, substituído por Joaquim Chissano.

Várias vezes Dhlakama concorreu às eleições em Moçambique. A primeira vez em 1994, tendo Joaquim Chissano sido eleito Presidente sob contestação de Afonso Dhlakama, bem como nas eleições subsequentes de 1999, após a derrota da Renamo, com Joaquim Chissano (Frelimo) a ser reeleito. Por causa disso, a paz não perduraria. Houve pelo menos 40 mortos durante um protesto da Renamo na cidade de Montepuez. Dezenas de pessoas foram detidas e 83 acabaram por morrer sufocadas numa cela diminuta.

Quando Armando Guebuza e a Frelimo venceram as eleições de 2004, Afonso Dhlakama voltou a insistir na rejeição dos resultados, sucedendo o mesmo em 2009 com a recondução de Armando Guebuza. Mesmo sendo a Renamo o maior partido da oposição, em 2012 Afonso Dhlakama regressou ao seu reduto militar em Satunjira, na Serra da Gorongosa. A instabilidade político-militar tomou conta do país e muitos civis foram sacrificados por conta disso no Centro do país, devido aos assaltos e sucessivos ataques armados protagonizados pelos guerrilheiros da Renamo ao longo na Estada Nacional N.º 1 (EN1) até a tomada, em Outubro de 2013, da base de Satunjira pelas FDS.

Esta proeza das FDS e a proximidade das eleições municipais, provinciais e gerais de 2013 e 2014, coagiram a assinatura do Acordo de Cessação de Hostilidades entre o Governo e a Renamo, que se revelou ser frágil após a vitória da Frelimo e de Filipe Nyusi e consequente derrota da Renamo e de Afonso Dhlakama em 2014. Afonso Dhlakama volta a contestar os resultados e reivindicou governar seis províncias (Sofala, Manica, Tete, Zambézia, Nampula e Niassa) onde a Renamo alegadamente triunfou. Houve uma reaproximação entre Filipe Nyusi e Afonso Dhlakama sem que surtisse num passo significativo e Afonso Dhlakama retornou ao seu reduto de novo até esta sua morte.

Muitas são as pessoas que lamentam esta morte do líder da Renamo, muitas outras são sépticas, havendo aquelas outras pessoas que pensam que já era sem tempo, por tanto ter causado sofrimento em muitas famílias que perderam seus entes queridos por conta do ignóbil apego ao poder por parte de Afonso Dhlakama.

O Chefe de Estado português, Marcelo Rebelo de Sousa, por exemplo, lamentou esta morte de Afonso Dhlakama, tendo expressado o seu pesar ao Presidente Filipe Nyusi numa curta nota, de dois parágrafos, publicada no portal da Presidência da República, na qual Marcelo Rebelo de Sousa diz que “lamenta a morte de Afonso Dhlakama” e “apresenta as suas condolências à família” do Presidente da Renamo, referindo que “anos atrás” os dois se encontraram em Moçambique e o considerou “um interlocutor privilegiado nos caminhos do diálogo, da paz e da concórdia neste nosso país irmão”.

O Presidente Filipe Nyusi manifestou a sua dor com a morte de Afonso Dhlakama, revelando ter enviado um helicóptero para transferir o líder da Renamo para tratamento médico no estrangeiro. “O momento torna-se muito mau para mim, porque eu, desde ontem, estive a fazer um esforço para ver se transferia o meu irmão para fora do país”, afirmou falando em directo ao telefone para o canal público TVM. Adiantou que tinha tomado conhecimento de que o líder da Renamo estava doente há uma semana, tendo feito diligências para que fosse levado de helicóptero da Serra de Gorongosa para tratamento médico fora do país. “Estava há uma semana mal”, declarou Filipe Nyusi.

Filipe Nyusi reiterou que se sentia muito mal com a morte de Afonso Dhlakama, porque o líder da Renamo acabava de lhe pedir para que o processo de paz em curso no país terminasse com sucesso. “Da última vez que falou disse ‘não vamos falhar nada’”, declarou Filipe Nyusi, tendo apelado ao país para que a morte de Afonso Dhlakama não seja usada para qualquer tipo de aproveitamento, ao mesmo tempo que a Frelimo declarava que morreu um “parceiro estratégico para a paz. Para nós, colheu-nos de surpresa e com muita dor, era um parceiro estratégico para a paz e estabilidade no país”, afirmou o porta-voz da Frelimo, Caifadine Manasse, em declarações ao canal privado STV, tendo assinalado o empenho de Afonso Dhlakama no alcance, com o Presidente moçambicano Filipe Nyusi, de um entendimento para uma proposta de revisão pontual da Constituição da República sobre o aprofundamento da descentralização do país. “Tudo indicava que ele estava a percorrer um caminho para a paz”, acrescentou Caifadine Manasse, pedindo serenidade e compromisso com a paz aos membros da Renamo. “A Renamo vai-se reorganizar, eles têm interesse em ver esta paz”, enfatizou.

Deste modo, a morte de Afonso Dhlakama ofuscou qualquer outra notícia esta semana e marcou uma mudança profunda na opinião pública sobre a dimensão da sua figura de líder político e guerrilheiro. Ela mergulhou a oposição moçambicana numa grande incerteza, particularmente porque Afonso Dhlakama deliberadamente liderou a Renamo de forma a suprimir o surgimento de quaisquer outros candidatos à sua sucessão na liderança. Mesmo antes da morte de Afonso Dhlakama, as negociações de paz entre o Governo e a Renamo já estavam num ponto muito delicado, como Filipe Nyusi deixou claro na manifestação da sua dor de consternação.

Agora a incógnita é sobre aonde Moçambique vai em seguida. O futuro vai depender em grande parte de quem vai assumir a liderança da Renamo. Esta é uma questão complicada, como se discute nas peças de análise em praça pública. Pois já há notícias que preocupam os negócios. A Anadarko disse que espera alcançar negociações com os compradores e empreiteiros até o final deste ano, permitindo que se avance para uma decisão final de investimento (FID) no seu projecto de GNL em Cabo Delgado. A mineradora de rubi, a Gemfields Montepuez Mining, alvo de muitas controvérsias, já foi alvo de mais críticas quando o Centro de Integridade Pública (CIP), órgão regulador da transparência, acusou-a de não contribuir tanto quanto deveria em impostos.

É neste cenário que o órgão máximo do partido Renamo elegeu, por unanimidade, o Tenente-General Ossufo Momade para dirigir interinamente a formação política até a realização do seu Conselho Nacional, ainda sem data, quando já estão marcadas as cerimónias fúnebres de Afonso Dhlakama, com início na próxima quarta-feira, 09 de Maio de 2018, na cidade da Beira e o enterro vai acontecer na sua terra natal em Mangunde, no Distrito de Chibabava, na quinta-feira, 10 de Maio de 2018. O Tenente-General Ossufo Momade vai assim coordenador os trabalhos da Comissão Política Nacional da Renamo. Trata-se de um ex-deputado da Assembleia da República, antigo Secretário-Geral do partido e, até a passada sexta-feira, dia 04 de Maio de 2018, era Chefe do Departamento de Defesa da Renamo. Entretanto, sobre o Dossier da paz, o Tenente-General Ossufo Momade, ora líder interino do partido Renamo, declarou que “não vamos fazer outra coisa além daquilo que ele já havia iniciado, e esse trabalho já está na Assembleia da República, e a partir daí os nosso deputados, através da bancada da Renamo, vão poder decidir em relação a aquilo que vão ser os destinos do nosso trabalho”.

Embora ainda não tenha sido anunciado, é expectável que o Presidente da República, Filipe Nyusi, tome parte das cerimónias que o Governo decidiu que terão um cariz oficial. Aliás, Filipe Nyusi adiou importantes vistas de Estado agendadas para estar presente no último adeus ao seu “irmão”.

Entretanto e por fim, a empresa Ncondezi Energy anunciou progressos na sua longa tentativa de construir uma central eléctrica a carvão em Tete. É precisamente em N'kondedzi de onde vem uma mensagem de consternação adversa sobre a morte do líder da Renamo, de autoria de Francisco Watche. É um texto não literário. Reflecte o que efectivamente foi a vida das populações naquela área durante os 16 anos da alvorada luta pela democracia e se repetiu em 2015 e 2016 em N'kondedzi. A pergunta é por quê esta reiterada coincidência contra a mesma população na mesma área!

No seu grande texto posto a circular nas redes sociais, no mínimo recomendável para que não sejamos de todo hipócritas, mas sim honestos para com as nossas próprias consciências, Francisco Watche refere o seguinte:

Os sociólogos, recordo-me de Carlos Serra numa entrevista a STV, se não me engano, (desculpe-me se estiver a citá-lo erradamente) defendem que, quando o homem morre, todos actos vis que cometeu em vida com ele também morrem. Não se repara mais para esse passado e fazem-se elogios dos actos bons que a pessoa cometeu em vida. Esse é um princípio ético e moral.

O homem que ontem partiu para junto de Deus, em 1983, liderou a morte de perto de 200 trabalhadores da CETA, uma empresa nacional de Construção e Engenharia de Estradas, Terraplanagem e Asfalto, cujos corpos jazem numa vala comum na localidade de N'kondedzi, há 200 metros da Escola Secundária local. Há muita gente que não sabe disso, porque sobre a vala comum parece terem sido erguidas casas.  Eu, com uma voz trémula, teria indicado a Elísio Macamo, o sociólogo, a localização geográfica do campo de futebol, onde decorreu o enterro dos homens, que foram assassinados em Água Boa.

Esses homens, que estavam a construir a estrada Tete-Angónia, deixaram muitos filhos, que, por falta dos progenitores, ficaram marginalizados. Alguns podem estar ainda a residir no acampamento da CETA, que se situa na paragem de Chapa 100 no Bairro Azul em Matema, na cidade de Tete. Quem desce da paragem do Bairro Azul, há-de ver casas redondas de chapa de zinco. Ai é o ninho da pobreza, fruto desses massacres protagonizados pelos homens de Afonso Dhlakama.

Há quem vá dizer que devo respeitar a dor da família do líder e dos seus. De  facto, respeito, mas a dor de 200 famílias juntas é maior do que de uma família. Há quem vá dizer também que é um post infeliz, mas a infelicidade deste post não será maior do que a dos meninos que ficaram sem pais, vítimas da propalada democracia do líder da Renamo. Há quem ainda diga que é um aproveitamento político em tempo de campanha eleitoral. Mas, a ser verdade, aproveitamento político é fingir que não é dor, a dor que deveras eu sinto e nunca passará.

Um eterno descanso a Afonso Dhlakama, não! Gostaria que Deus, se é que existe e se for realmente justo, lhe mostre os rostos desses homens todos inocentes mortos nessa missão e lhe mostre o sofrimento e a desorientação familiar dos filhos e esposas desses homens que ficaram órfãos e viúvas.

Quem hoje canta hosana ao Rei, não viu a morte por perto. Ouviu falar de matsangas, nome pelo qual era conhecida a Renamo durante a guerra dos 16 anos, mas nunca viu as balas a queimarem-lhe  os cobertores e a escapar da morte certa.

Respeitem a minha dor também, que voltou a viver, depois da morte dele. Eu sou a sobra dos massacres que foram liderados pelo Líder em N'kondedzi. Muitos meninos inocentes como eu não tiveram a mesma sorte: ou foram pilados vivos pelos seus progenitores, que eram obrigados pelos homens do Líder, ou foram rasgados os ventres desnutridos pelos homens do Líder, ou as suas cabeças foram decepadas e espectadas em paus, lembrando os pecadores e escravos da antiga Grécia, ou ainda lhes foram mutilados os lábios e as orelhas, como nos mais cruéis filmes de terror.

Eu estou vivo, porque o meu pai conseguiu mergulhar comigo nas águas do rio N'kondedzi, onde os crocodilos nos foram piedosos minutos a fios, enquanto as balas incendiárias esfriavam-se no rio, procurando a nossa carne desnutrida. E se ouvia em língua local: “Phata  na manja” (pega à mão); “Chakuti chamako” (tal coisa da tua mãe). Quem pode esquecer o que se passou!

Chorem pelo vosso Líder, que eu também choro pelos meus, que voltaram a viver da morte, depois da morte que deu origem a sua morte. Choro por mim, que também tive uma Gorongosa, como ele: o rio N'kondedzi.

Se ele em vida lutou pelo povo, eu e os meus, nos excluímos, não fazemos parte desse povo pelo qual lutou. Nós, eu e os meus, fazemos parte do povo contra quem lutou com armas, granadas B12,  metralhadoras, bazookas, baionetas,  pilões e até fogo. Esses somos nós, os Verdadeiros Resistentes!

Descansem em Paz Anónimos Trabalhadores da CETA assassinados em N'kondedzi e em Água Boa.

Francisco Watche

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