VALA COMUM EM GORONGOSA
LEVIANDADE JORNALÍSTICA!
JORNAL DOMINGO – 08.05.2016

Em 1991, a caminho da assinatura do Acordo Geral de Paz, em Roma, a Renamo desatara a ensaiar ocupações às sedes distritais de Angoche e Lalaua, em Nampula e Mavago em Niassa. Pretendia concluir as negociações em posição de força e em Lalaua conseguiu ficar 33 dias.

Quando ocupou Lalaua tentamos chegar ao distrito, na nossa qualidade de jornalistas e colidimos com o facto de que quase toda a máquina administrativa se encontrava refugiada na sede do vizinho distrito de Ribaué. Entrevistámos várias fontes, incluindo o então director distrital da cultura que disse que a Renamo tinha morto muita gente, espalhada ao longo das bananeiras que ladeavam as margens do rio Carira, na sede distrital. Disse mais: que tinha assassinado 1000 pessoas, que depois as esquartejou e exibia nas prateleiras das lojas de Lalaua.

Escrevemos e publicamos. A consequência imediata foi o então director Nacional de Informação, Arlindo Lopes, falar com o governador provincial, Alfredo Gamito, dando a notícia de que o que havia sido reportado acabava de interromper as negociações de Roma, o que atrasou a paz por um mês.

Duas semanas depois, eu entrei em Lalaua, via Iapala, fazendo 125 quilómetros a pé, para atingir Méti, um posto administrativo há 60 quilómetros da sede, a partir donde “ testemunhei” a reocupação pelo exército, 33 dias depois nas mãos dos homens da Renamo. Entrei no mesmo dia pelo mato até a vila e corri a ver pelo menos os esqueletos. É verdade que havia muitas pessoas assassinadas, alguns corpos em decomposição, mas muito longe que fossem 1000 esquartejados depois de mortos.

Já em Cabo Delgado, onde passei a trabalhar, no dia 9 de Novembro de 2000, a Renamo organizou uma manifestação violenta que tinha em vista, segundo se concluiu depois, tomar as instituições públicas e assim, o poder que não conseguira nas eleições anteriores. A violência gerou violência, na circunstância fez 9 vítimas mortais, entre agentes da Lei e Ordem e manifestantes.

Dessa vez não quis ouvir dizer, com a lição bem estudada de Lalaua e crescia profissionalmente. Sabia que podia falar tanto com a Renamo como com o governo, não precisava de me esconder. O facto de terem sido detidas muitas pessoas para acondiciona-las numa minúscula cela policial do distrito, fez com que morressem ao todo 82 reclusos, de asfixia.

Nasciam assim os famosos dois crimes: da Renamo, de rebelião armada e do Estado, de homicídio qualificado, por aqueles terem morrido nas suas mãos. Na confusão de quem tinha mais culpas que o outro, escrevi pontualmente o meu primeiro livro, o “Caso Montepuez” contando a responsabilidade de ambos e a comissão parlamentar de inquérito que havia sido constituída e fora trabalhar, até hoje não apresentou o seu relatório, porque o livro antecipou-se de forma achada competente e isenta.

Quando ouvi falar-se de uma vala comum com 120 corpos, algures em Gorongosa ou Macossa, ocorreu-me algo que se parece com que se passou comigo, quando tacteava o jornalismo. Era infantil, bastava ouvir, pois citava a fonte.


Ainda que fossem duas ou três pessoas, mortas nas condições em que morreram e deitadas como o foram, estaríamos perante um crime macabro que agride os direitos humanos. Pelo que haveria uma necessidade de encontrar os responsáveis daquela repugnante acção.

Mas nos três casos algo em comum é a violência. Podemos não duvidar de quem seja a obra, conhecendo a sua trajectória ou podemos encontrar outras forças, mas o que há por reter é que só em ambiente de violência isso acontece.

As vozes que condenam o recurso à violência são contra esse tipo de situações, mau grado alguns sectores serem indiferentes às causas do que leva a este estágio.

Ora, para um jornalista não cair na tentação a que caímos no primeiro caso (Lalaua), deve fazer também as contas, para além de se aproximar às fontes, quer sejam anónimas quer sejam de peito aberto. Fazer contas significa, ter o mínimo de noção de grandeza. No caso, 120 corpos. Este número em muitos casos, representa uma aldeia nas zonas rurais do nosso país.

Haveria o desaparecimento de 120 pessoas sem deixar pistas donde partiram? Supondo que fossem recolhidas individualmente, ninguém ficaria para estranhar a acção sendo concertada?

Por fim, se não for o que considero infantilismo jornalismo, que se pode confundir com a falta de profissionalismo e rigor, poderíamos tentar perceber como é que o jornalista ou o jornal, ou ainda uma agência noticiosa, chegou a esse número? Contou?

COMENTÁRIO

De facto, como um camponês contaria 120 cadáveres, sozinho, depositados numa vala comum? Em quanto tempo faria a contagem e como teria tirado estas imagens bem nítidas e profissionalmente tiradas!

Os 13 corpos espalhados pela mata do Distrito de Macossa fazem 120 cadáveres numa vala comum em Gorongosa? Afinal o que é uma vala comum? Será problema de conceito ou mera tendência de desvituar os factos? Com que objectivos!

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