VALA COMUM EM GORONGOSA
LEVIANDADE JORNALÍSTICA!
Pedro Nacuo, nacuo49nacuo@gmail.com
JORNAL DOMINGO – 08.05.2016
Em 1991, a caminho da assinatura do Acordo Geral de Paz, em Roma, a Renamo desatara a ensaiar ocupações às sedes distritais de Angoche e Lalaua, em Nampula e Mavago em Niassa. Pretendia concluir as negociações em posição de força e em Lalaua conseguiu ficar 33 dias.
Quando
ocupou Lalaua tentamos chegar ao distrito, na nossa qualidade de jornalistas e
colidimos com o facto de que quase toda a máquina administrativa se encontrava
refugiada na sede do vizinho distrito de Ribaué. Entrevistámos várias fontes,
incluindo o então director distrital da cultura que disse que a Renamo tinha
morto muita gente, espalhada ao longo das bananeiras que ladeavam as margens do
rio Carira, na sede distrital. Disse mais: que tinha assassinado 1000 pessoas,
que depois as esquartejou e exibia nas prateleiras das lojas de Lalaua.
Escrevemos e
publicamos. A consequência imediata foi o então director Nacional de
Informação, Arlindo Lopes, falar com o governador provincial, Alfredo Gamito,
dando a notícia de que o que havia sido reportado acabava de interromper as
negociações de Roma, o que atrasou a paz por um mês.
Duas semanas
depois, eu entrei em Lalaua, via Iapala, fazendo 125 quilómetros a pé, para
atingir Méti, um posto administrativo há 60 quilómetros da sede, a partir donde
“ testemunhei” a reocupação pelo exército, 33 dias depois nas mãos dos homens
da Renamo. Entrei no mesmo dia pelo mato até a vila e corri a ver pelo menos os
esqueletos. É verdade que havia muitas pessoas assassinadas, alguns corpos em
decomposição, mas muito longe que fossem 1000 esquartejados depois de mortos.
Já em Cabo
Delgado, onde passei a trabalhar, no dia 9 de Novembro de 2000, a Renamo
organizou uma manifestação violenta que tinha em vista, segundo se concluiu
depois, tomar as instituições públicas e assim, o poder que não conseguira nas
eleições anteriores. A violência gerou violência, na circunstância fez 9
vítimas mortais, entre agentes da Lei e Ordem e manifestantes.
Dessa vez
não quis ouvir dizer, com a lição bem estudada de Lalaua e crescia
profissionalmente. Sabia que podia falar tanto com a Renamo como com o governo,
não precisava de me esconder. O facto de terem sido detidas muitas pessoas para
acondiciona-las numa minúscula cela policial do distrito, fez com que morressem
ao todo 82 reclusos, de asfixia.
Nasciam
assim os famosos dois crimes: da Renamo, de rebelião armada e do Estado, de
homicídio qualificado, por aqueles terem morrido nas suas mãos. Na confusão de
quem tinha mais culpas que o outro, escrevi pontualmente o meu primeiro livro,
o “Caso Montepuez” contando a responsabilidade de ambos e a comissão
parlamentar de inquérito que havia sido constituída e fora trabalhar, até hoje
não apresentou o seu relatório, porque o livro antecipou-se de forma achada competente
e isenta.
Quando ouvi
falar-se de uma vala comum com 120 corpos, algures em Gorongosa ou Macossa,
ocorreu-me algo que se parece com que se passou comigo, quando tacteava o
jornalismo. Era infantil, bastava ouvir, pois citava a fonte.
Ainda que
fossem duas ou três pessoas, mortas nas condições em que morreram e deitadas
como o foram, estaríamos perante um crime macabro que agride os direitos
humanos. Pelo que haveria uma necessidade de encontrar os responsáveis daquela
repugnante acção.
Mas nos três
casos algo em comum é a violência. Podemos não duvidar de quem seja a obra,
conhecendo a sua trajectória ou podemos encontrar outras forças, mas o que há
por reter é que só em ambiente de violência isso acontece.
As vozes que
condenam o recurso à violência são contra esse tipo de situações, mau grado
alguns sectores serem indiferentes às causas do que leva a este estágio.
Ora, para um
jornalista não cair na tentação a que caímos no primeiro caso (Lalaua), deve
fazer também as contas, para além de se aproximar às fontes, quer sejam
anónimas quer sejam de peito aberto. Fazer contas significa, ter o mínimo de
noção de grandeza. No caso, 120 corpos. Este número em muitos casos, representa
uma aldeia nas zonas rurais do nosso país.
Haveria o
desaparecimento de 120 pessoas sem deixar pistas donde partiram? Supondo que
fossem recolhidas individualmente, ninguém ficaria para estranhar a acção sendo
concertada?
Por fim, se
não for o que considero infantilismo jornalismo, que se pode confundir com a
falta de profissionalismo e rigor, poderíamos tentar perceber como é que o
jornalista ou o jornal, ou ainda uma agência noticiosa, chegou a esse número?
Contou?
COMENTÁRIO
De facto,
como um camponês contaria 120 cadáveres, sozinho, depositados numa vala comum?
Em quanto tempo faria a contagem e como teria tirado estas imagens bem nítidas e profissionalmente tiradas!
Os 13 corpos
espalhados pela mata do Distrito de Macossa fazem 120 cadáveres numa vala comum
em Gorongosa? Afinal o que é uma vala comum? Será problema de conceito ou mera tendência de desvituar os factos? Com que objectivos!
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