@Verdade, 03 de Maio de 2016
08:39 PM
O Executivo do partido Frelimo não só
criou Forças Especiais, munidas de armas de guerra, como também está a ouvir as
suas chamadas telefónicas, a ler as suas mensagens de texto (sejam por SMS, e-mail,
whatsapp, viber...) e a monitorar com quem o povo se comunica nas redes
sociais e os sítios da internet que
visita.
O comando nacional de intercepção de
informação foi adquirido pela Casa Militar, entre 2012 e 2014, e instalado pela
empresa chinesa ZTE Corporation. Mas
o negócio “militar” não foi feito directamente pelo Estado, a empresa privada Msumbiji Investment Limited, empresa da
família Guebuza, onde o filho do antigo Presidente, Mussumbuluku Guebuza, é Administrador
Executivo (Chief Executive Officer - CEO),
intermediou o negócio que custou cerca de 140 milhões de dólares
norte-americanos aos cofres públicos, dos quais oito por cento foram pagos em
comissões.
“O
povo está a sofrer, os filhos de ministros, deputados e outros dignitários não
andam de chapa e os chapas estão caros. Vamos fazer greve e exigir justiça.
Lutemos contra a pobreza”, convocados por esta mensagem de texto difundida
através de telemóveis (SMS), os
citadinos de Maputo manifestaram-se em Fevereiro de 2008, pela primeira vez
desde a independência nacional.
Entre
1 e 3 de Setembro de 2010, mobilizados novamente através de SMS, os maputenses voltaram
às ruas, dessa vez devido ao aumento do preço do pão, da electricidade e do
combustível.
Ambas manifestações foram reprimidas
com violência e recurso a armas de fogo. Na altura o Executivo chegou a ordenar
que as operadoras de telefonia móvel desligassem a rede como forma de cortar as
comunicações dos manifestantes. Pouco depois da “revolta do pão”, como ficou
conhecida a manifestação de 2010, o Governo de Armando Guebuza decidiu começar
a identificar os proprietários de telemóveis em Moçambique através do registo
obrigatório de cada um dos cartões iniciais (SIM).
Devido
ao insucesso dos registos, até hoje nem todos os cartões SIM estão cadastrados pelas três operadoras de telefonia móvel que
operam no nosso país. O Executivo procurou, e encontrou, outra forma de
controlar as comunicações do povo: subcontratando os serviços experientes de
uma empresa da China.
A empresa escolhida foi a Zhong Xing Telecommunication Equipment
Company Limited, comercialmente conhecida pelo acrónimo ZTE. Tratando-se de material “militar”
não houve lugar a concurso público, porém e apesar do secretismo, uma empresa
“civil” moçambicana, denominada Msumbiji
Investment Limited, recebeu o negócio de intermediação.
O polvo chamado Msumbiji Group
“Em
suaíli Msumbiji significa Moçambique. E desenvolver Moçambique através da
promoção de oportunidades e parcerias de negócio, é a principal razão de, em
2010, ter sido criada a empresa”, pode-se ler no sítio da internet da empresa que usa o nome comercial de Msumbiji Group e é uma holding da família Guebuza que, através
de várias ramificações, presta quase todo o tipo de serviço desde as minas,
pescas, construção civil, media e telecomunicações.
Trata-se de uma holding do tipo polvo, é um conglomerado de registos de empresas,
muitas das quais sem escritórios, criadas pelos dirigentes da Frelimo e seus
familiares com o objectivo, não do exercício do empresariado, mas sim de tirar
dinheiro ao Estado com ajuda dos parentes que estão nos órgãos de decisão.
Como?
Uma das características das tais empresas é de serem especialistas em quase
todas as actividades que existem no mundo. Por exemplo, de acordo com o Boletim
da República, a Msumbiji é
especialista nas seguintes actividades:
a)
Aquisição,
venda, oneração e gestão de participações sociais e de investimentos detidas
por si e por terceiros no capital social de outras sociedades;
b)
Promoção,
financiamento e gestão de projectos de investimento com ênfase para projecto
nos sectores: ferro-portuário, energia, minas, petróleo e gás,
telecomunicações, logística, comércio e indústria;
c)
Prestação
de serviços de: i) Consultoria em: Telecomunicações e tecnologia de informação,
concepção e gestão de implementação de projectos; ii) Agenciamento, corretagem,
assessoria, representação, procurement,
marketing; iii) Importação,
exportação, trânsito, carregamento, descarregamento, armazenamento de carga
líquida e seca, designadamente minerais, combustíveis, cereais e diversa; iv)
Concepção, implementação e gestão de projectos de investimentos; e v)
Consultoria em matéria de importação, exportação e investimentos;
d)
Representação
comercial de firmas, marcas e produtos petroquímicos, industriais, energéticos
e diversos nacionais e ou estrangeiras.
Como se pode ver o objectivo aqui é
“papar” tudo o que é concurso público. Se na Focus 21 Guebuza colocou Valentina, na Mussumbiji colocou Mussumbuluko.
Msumbuji recebeu 8% do contrato de 140
milhões de dólares
No contrato de consultoria que o Canal de Moçambique e o @Verdade tiveram acesso, e está assinado
por Mussumbuluko Armando Guebuza (pela Msumbiji)
e por Wu Hai Liang (como Director-Geral da ZTE),
a empresa privada moçambicana tinha a responsabilidade de “garantir a relação
entre a ZTE e o Governo de
Moçambique; Pressionar o Governo de Moçambique a aceitar o projecto do comando
de intercepção de informação criado pela ZTE;
e ainda assegurar o empréstimo concessional contraído pelo Estado moçambicano
para pagar o projecto”.
Por
esses serviços de intermediação, a Msumbuji
recebeu 8% do valor do contrato que custou cerca de 140 milhões de dólares
norte-americanos (cerca de 4.2 biliões de meticais ao câmbio da altura de 1
dólar = 30 meticais). Para se ter uma ideia da inversão nas prioridades no nosso
país, em 2013 o Orçamento do Estado destinou aos Ministérios da Educação e da
Saúde somente 2.8 biliões de meticais.
Segundo
o contrato assinado entre as partes, o valor da comissão deveria ser pago na
conta offshore que a Msumbuji tem em Hong Kong, onde possuía,
pelo menos até 2015, um escritório no centro de negócios Teasbury, localizado
no nº 28 da Queen´s Road East em Wan Chai. Esta Região Administrativa Especial
da República Popular da China, antiga colónia Britânica, é um dos lugares de
eleição para quem pretende esconder dinheiro, património e também pagar poucos
impostos.
O
comando nacional de intercepção de informação
No dia 16 de Março de 2016, a
Assembleia da República aprovou, com votos da Frelimo e do Movimento
Democrático de Moçambique (MDM), a nova Lei das Telecomunicações que
basicamente legaliza a intercepção de comunicações, nomeadamente chamadas
telefónicas, SMS e IP’s de conexão a Internet dos cidadãos.
Na verdade, a aprovação da referida
lei, faz parte deste mega-projecto, um projecto de controlo das
telecomunicações e dos cidadãos. Portanto, mediante a solicitação dos órgãos do
Estado, um Magistrado pode autorizar a gravação de conversas telefónicas e/ou
de mensagens de texto de telemóvel, e-mail
ou outro tipo de comunicações.
Acontece que, desde 2013 a ZTE Corporation,
a maior empresa fornecedora de soluções globais para telecomunicações da China,
instalou em Moçambique um sistema de intercepção intrusiva e permanente que
estará a ser operado pela Casa Militar. O sistema tem acesso a todas as
comunicações (voz e dados) efectuadas nas redes fixas, de telefonia móvel e de internet existentes em Moçambique.
“Após o rápido desenvolvimento das
telecomunicações nos anos noventa, as telecomunicações mudaram o estilo de vida
dos cidadãos, disponibilizando abundante informação e mais conveniente
comunicação mas, por outro lado, criaram a possibilidade de criminosos
disseminarem os seus produtos, terrorismo, pornografia, jogos de azar e outras
informações que colocam em perigo a segurança nacional, a segurança dos
cidadãos e a propriedade através de páginas de internet e correios electrónicos. Neste âmbito monitorar o fluxo
desta informação tornou-se num imperativo para o Governo de Moçambique.
Nós podemos fornecer uma solução
sistematizada de intercepção à Casa Militar de Moçambique”, explica o projecto
apresentado pela ZTE Corporation ao
Governo do então Presidente Guebuza, e que o Canal de Moçambique e o @Verdade
tiveram acesso.
Este sistema de intercepção não
depende da autorização de nenhum Juiz e nem mesmo precisa da concordância dos
operadores de telecomunicações em Moçambique. Todo o tráfego é captado e
gravado numa base de dados construída para o efeito na cidade de Maputo.
“Prestar assistência ao Presidente da
República no desempenho das funções concernentes a assuntos de defesa e
segurança; Zelar pela segurança pessoal do Presidente da República, sua família
e convidados e das instalações; Proteger os locais ocupados, permanentemente ou
a título provisório, pelo Chefe de Estado, incluindo regulamentar e controlar o
acesso às zonas ocupadas pelo Presidente da República; Analisar e tratar as
informações respeitantes a assuntos militares e de segurança, tanto nacionais
como internacionais; Proceder a estudos, previsões e apresentar propostas de
ordem estratégicas para apreciação e discussão nos órgãos de Estado ou para
decisão imediata do Presidente da República; Assegurar a ligação entre o
Presidente da República e as instituições militares e de segurança, sem
prejuízo da ligação que se faz através dos sectores respectivos ou do Conselho
de Ministros; Apresentar ao Presidente da República todos os assuntos de
natureza militar e de segurança que devem ou tenham de ser submetidos à sua
apreciação e promover o respectivo expediente sem prejuízo das acções dos
respectivos sectores e do Conselho de Ministros; Colaborar com o Secretariado
do Conselho Nacional de Defesa e Segurança na preparação das reuniões e outros
actos deste órgão; Realizar outras actividades determinadas pelo Presidente da
República”, são algumas das funções públicas da Casa Militar, não sendo claro
se ouvir e ler as comunicações dos cidadãos faz parte das suas competências.
Em termos simples foi instalada uma
“torneira” no fluxo de dados e voz entre os operadores de telecomunicações e os
moçambicanos.
A informação capturada pelo sistema,
em tempo real, é listada no projecto que estamos a citar, vai desde a mais
simples chamada telefónica ou mensagem de texto (SMS) de todos os milhões de usuários das redes de telefonia móvel,
passando pelas mensagens de todos o tipo de correios electrónicos (sejam de POP3, SMTP ou IMAP4) ou mesmo
os e-mails trocados pelos diversos
fornecedores online (gmail, yahoo, live).
O sistema captura também os dados
trocados através das aplicações de bate-papos, dos mais populares até aos menos
conhecidos, acede às comunicações por Voz através de Protocolos de Internet (VOIP acrónimo em inglês), acessa aos dados trocados por FTP ou TELNET e também permite a recolha das comunicações trocadas nas
redes sociais (facebook, twitter, google plus e até pelo youtube).
Recolhida a informação o sistema, que
também monitora os endereços de IP
usados por cada um dos utilizadores de internet
em Moçambique, possibilita a filtragem e análise dos dados em função dos
parâmetros definidos pela Casa Militar.
Embora muitas aplicações de
comunicação tenham os dados dos seus usuários encriptados, o comando nacional
de intercepção de informação está preparado para desencriptá-los com recurso a
tecnologia militar mais avançada.
“(...) O tempo de desencriptação do
logaritmo A51 é de menos de segundo,
com mais de 87% de sucesso, e o tempo de desencriptação do alogarítmo A52 é de menos de um segundo, com cerca
de 100% de rácio de sucesso”, garante o projecto da ZTE fornecido à Casa Militar de Moçambique. Este sistema permite
ainda identificar com grande precisão o local a partir de onde a comunicação
interceptada é efectuada.
Para manifestações há veículos de
intercepção
O comando nacional de intercepção de
informação tem ainda à sua disposição, no âmbito deste projecto da ZTE Corporation, um dispositivo móvel de
intercepção que pode ser facilmente acoplado a uma viatura.
O
veículo fica assim equipado para aproximar-se de uma aglomeração de cidadãos,
por exemplo durante uma manifestação pacífica, interceptar especificamente
apenas as comunicações trocadas nessa área e identificar com precisão de poucos
metros algum manifestante que se julgue se necessário encontrar.
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