PONTE DONA ANA
RM Kuyeri, 29 de Maio de 2017

Uma das pontes mais longas de África, Ponte Dona Ana, tem 86 anos, está a receber uma operação cirurgia plástica, há muito necessária, visando a sua revitalização e melhorar a transitabilidade pela Linha Férrea de Sena. As obras, a serem levadas a cabo em aproximadamente 90 dias, tiveram o seu início na passada terça-feira, dia 23 de Maio de 2017, e estão orçadas em oito milhões de meticais, valor desembolsados pelas empresas públicas Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM) e Electricidade de Moçambique (EDM).

A Ponte Dona Ana atravessa o rio Zambeze entre as aldeias de Nhamayabwe, na Província de Tete, e Caia, na Província de Sofala, está a receber obras que consistirão em substituir o pavimento de lajes e na reposição de chapas metálicas, substituição de perfis em vários pontos, raspagem e pintura das estruturas metálicas, bem como a substituição de mais de 100 candeeiros de iluminação ao longo da ponte.

A Ponte Dona Ana foi construída num troço da Linha Ferroviária de Sena que liga o Porto na Cidade da Beira, Província de Sofala, à Vila de Moatize, na Província de Tete, e tem cerca de 3.700 metros de comprimento, dos quais 565 metros de tabuleiro de acesso sul suportado pelo viaduto de Sena, 2.990 metros de tabuleiro que constitui a plataforma central da ponte e 265 metros de tabuleiro de acesso norte suportado pelo viaduto de Mutarara.

As obras de reabilitação da Ponte Dona Ana estão a ser executadas em regime de empreitada por uma pequena empresa de construção civil sedeada na Cidade da Beira, denominada EGEC Lda., cujos trabalhos serão fiscalizados pelos CFM, a marcando a concretização do desejo das comunidades ribeirinhas do Rio Zambeze de ver aquela infra-estrutura ferra reabilitada. O pedido da população foi feito no ano passado ao Chefe do Estado, Filipe Jacinto Nyusi, aquando da sua primeira visita de trabalho ao empreendimento.
A preocupação da população em relação à degradação da Ponte decorreu de relatos de alguns utentes daquela infra-estrutura, segundo os quais, pelo menos cinco pessoas morreram e outras seis contraíram ferimentos graves ao longo do ano, depois de terem sofrido quedas durante a travessia do Rio pela Ponte, devido ao seu acentuado nível de degradação.

Dados estatísticos indicam para um tráfego diário estimado em mais de três mil pessoas que atravessam a Ponte Dona Ana nos dois sentidos Sul-Norte e vice-versa, constituindo uma grande atracção turística que está a impulsionar as trocas comerciais entre as comunidades vizinhas das Províncias de Sofala, Tete e Zambézia, incluindo o Distrito de Nsanje, no vizinho Malawi. Espera-se que a conclusão das obras dinamize o movimento de pessoas e bens pela Ponte e permita uma maior segurança, sobretudo no período nocturno.

As autoridades ferro-portuárias e político-administrativas de Sofala advertem aos utentes da Ponte no sentido de observarem a carga máxima estabelecida a ser transitada pela Ponte, por questões de segurança daquela infra-estrutura, bem como promoverem acções regulares de limpeza para evitar a corrosão das peças metálicas da Ponte.
A Ponte Dona Ana e Fortaleza de Sena constituem uma importante atracção turística na região, principalmente para a observação da planície do Rio Zambeze e a cadeia montanhosa de Morrumbala, ao longo da fronteira comum entre Moçambique e Malawi, emprestando fundo de uma vista panorâmica singular.

Valor histórico da Ponte Dona Ana

Já se referiu que a Ponte Dona Ana tem 3,67 quilómetros de comprimento e a sua construção foi concluída em 1934, sendo tida como a 5ª ponte mais longa de África, a seguir a 4ª mais longa ponte que liga Nampula a Ilha de Moçambique que tem 3,7 quilómetros, construída em 1969. A primeira ponte mais longa de África é a 6 de Outubro no Cairo, Egipto, com 20,5 quilómetros de comprimento, construída em 1996. A grande ponte de Danyang-Kunshan na China é considerada a mais longa do mundo, com 164,8 quilómetros de comprimento.

A British South Africa Company teve uma concessão do Governo colonial português para construir a linha férrea de Dondo, na Província de Sofala em Moçambique até Blantyre na então Niassalândia, actual Malawi, ligando à principal linha de caminhos-de-ferro da Beira em Moçambique à então Rodésia do Sul, actual Zimbabwe, construída em 1912, para servir os propósitos comerciais de Niassalândia.

O Governo da Niassalândia concordou em dar assistência financeira à British South Africa Company para construir a Central African Railway (CAR), a partir de Nsanje, o ramal sul da linha férrea 61 milhas, denominado Shire Highlands Railway, na margem norte do Rio Zambeze em Chindio. Esta linha foi terminada em 1914, dando fim à navegação fluvial de Chindio até Chine, no Oceano Índico.

A Shire Highlands Railway, de 61 milhas de extensão, partia do Porto Herald em Nsanje no Malawi até ao Porto da Beira em Moçambique, pois, por via fluvial, as mercadorias das exportações da Niassalândia, levavam duas a três semanas a serem transportadas de Blantyre para a Beira, envolvendo três barcaças que punham em risco às mercadorias de sofrerem danos causados pela água.

Em 1922, a empresa Trans-Zambezia Railway Company concluiu a linha férrea que partia da Beira até Murraça, no Distrito de Caia, Província de Sofala, ao longo da margem norte do Rio Zambeze, em frente a Chindio, completando uma ligação ferroviária que partia de Blantyre até ao Porto da Beira. As linhas férreas Central African Railway e Shire Highlands Railway ligavam-se por via fluvial através de uma curta travessia do Rio Zambeze através de um ferryboat. Verificou-se que o ferryboat era inconveniente para o transporte de mercadorias, devido à sua diminuta capacidade de transporte por causa da profundidade do leito do Rio Zambeze e demoradas operações de transbordo de mercadorias das carruagens para o ferryboat e deste para as carruagens na outra margem do rio.

Entretanto, durante a estação seca o Rio Zambeze ficava dois meses com o nível do seu leito muito baixo e, na estação de chuvas, havia inundações em vastas áreas, cobrindo distâncias muito longas, o que impedia a interligação das duas linhas férreas através do ferryboat. Devido a tais constrangimentos, em 1927 o Governo britânico encomendou um estudo sobre a possibilidade de construção de uma ponte sobre o Rio Zambeze.

Após o estudo, foi produzido um relatório conhecido por Hammond Report. O Relatório Hammond propôs a construção de uma ponte sobre o Rio Zambeze em Mutarara, a 25 milhas acima de Chindio. O custo da Ponte sobre o Rio Zambeze foi estimado em £1.06 milhões, que veio a eliminar o uso de balsas, tendo aumentado o tráfego e rendimento de mercadorias, dando assim viabilidade para o retorno do capital investido na construção da ponte. Os rendimentos anuais pelo uso da ponte possibilitaram a criação de um fundo de para pagar os empréstimos contraídos para a construção da ponte. Refira-se que o custo final para a construção da Ponte Dona Ana sobre o Rio Zambeze foi de £ 1.74 milhões, muito acima do estimado e nunca chegou a gerar tráfego suficiente para pagar as taxas de juros, muito menos reembolsar os empréstimos levantados para a sua construção.


A ponte de 3,67 quilómetros de extensão sobre o Rio Zambeze, que mais tarde veio a chamar-se Dona Ana, era naquela época a maior ponte ferroviária de África, compreendendo 33 vãos de 80m e 7 vãos de 50m. A ponte foi construída pelos portugueses em 1934, durante o Governo de António de Oliveira Salazar (1932 - 1968), em pleno regime colonial português em Moçambique e durante a Segunda República em Portugal, instituído após o golpe de estado de 28 de Maio de 1926.

Referir que o Estado Novo foi o nome dado ao regime político autoritário, autocrata e corporativista de Estado instituído por António de Oliveira Salazar que vigorou em Portugal durante 41 anos, sem interrupção, desde a aprovação da Constituição de 1933 até ao seu derrube pela Revolução de 25 de Abril de 1974. A Ponte Dona Ana veio a ficar inoperacional na década de 1980, durante dos 16 anos que opôs o Governo moçambicano e a RENAMO.

Após a assinatura do Acordo Geral de Paz (AGP) em Roma, Itália, a 05 de Outubro de 1992 entre o Governo moçambicano e a RENAMO, que pôs termo à guerra dos 16 anos, a agência norte-americana de ajuda internacional (USAID) financiou a conversão da Ponte Dona Ana numa ponte rodoviária de faixa única para a travessia de viaturas.

Embora a ponte não esteja localizada numa rodovia principal, constituiu uma rota alternativa de travessia do Rio Zambeze. As outras duas opções foram a Ponte Samora Machel na Cidade de Tete e a travessia por ferryboat na Estrada Nacional Número 1 (EN1) entre Caia na Província de Sofala e Chimwara na Província da Zambézia, que nem sempre foi fiável, onde veio a ser construída a Ponte Armando Emílio Guebuza em 2009. Até então, a Ponte Dona Ana era a maior e última ponte a jusante do Rio Zambeze, e foi completamente fechada ao tráfego de veículos em Outubro de 2006 para a sua reabilitação e reconversão para de novo voltar a ser uma ponte ferroviária, tendo sido reaberta ao tráfego ferroviário em 2009.

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