O PARADOXO DO PADRE COSTA DE TRANCOSO

Por: RM Kuyeri, 10 de Outubro de 2024

Existem deliciosas estórias para ler e contar que duram a história da humanidade, por se tornarem lendas que passaram de geração em geração e que se revelam ser muito importantes para algumas terras e gerações dos seus habitantes ou passam a ser património da humanidade que o sistema colonial português nos negou.

Entre as lendas mais incríveis que já ouvi falar dos nossos colonizadores, esta é a mais importante, quando situada entre duas civilizações distintas como a Civilização Bantu e a Civilização Europeia, que envolve um padre que rompe com o princípio cristão celibato e castidade, levado pela lúgubre apetência natural de todo o homem, que é fazer sexo para ser pai.

Trata-se de Francisco da Costa, um padre que foi mais conhecido por Padre Costa e viveu em Trancoso, uma cidade actualmente municipalizada de Portugal, cuja população em 2011 era de 9.878, e ocupa uma área de 361,52 km², com uma população urbana de cerca de 3.000 pessoas. Portanto, trata-se de uma pequena cidadela de existência secular.

O Município de Trancoso localiza-se no Distrito da Guarda, Região Centro de Portugal, pertencente à sub-região Beira Interior Norte, que tem como feriado municipal o dia 29 de Maio de cada ano, conhecido pelo seu principal monumento: o Castelo de Trancoso. Situa-se num concelho servido pela estação ferroviária de Vila Franca das Naves, na linha da Beira Alta, que vai da Pampilhosa até à fronteira com a Espanha.

Trancoso é uma terra com muitas histórias, para além da estória do Padre Costa. Caracteriza-se pelas suas muralhas, por onde passaram muitos homens ilustres que realizaram feitos muito importantes, mas tem também muitas lendas. Mas, de todas as suas lendas, uma das mais irresistíveis envolve a incomum apetência de um padre por ter inúmeros filhos.

Porém, a nós, seus colonizados, Portugal nos negou manter o nossos sistema de família poligâmica e nos impôs o sistema de família monogâmica, ao mesmo tempo que tolerou que um homem casado tenha inúmeras amantes ou concubinas e meretrizes.

Trancoso é também conhecido como o local onde viveu e fez os seus textos proféticos o poeta e sapateiro quinhentista António Gonçalves de Bandarra, que ostenta a estátua em sua memória erguida a frente da prefeitura, mas negou-nos tudo o que eram símbolos da nossa civilização e valores culturais, em nome da evangelização. Mas quem disse aos portugueses que nós não tínhamos nosso Deus, nossa fé e nossas formas de fazer preces!

Mas Trancoso é igualmente a cidade natal de Isaac Cardoso, nascido em 1603 ou 1604, que foi um renomado autor, filósofo e físico judeu que morreu em Verona em 1683. Os seus pais eram membros da extensa comunidade marrana de Trancoso que deixou 300 inscrições em hebraico e de onde 700 judeus foram perseguidos durante a Inquisição, a versão cristã do jihadi.

O Padre Costa de Trancoso, como ficou conhecido na história, foi pai de quase 300 filhos. Pois, nesta terra, a história do padre que teve 299 filhos é tida como verdadeira e os residentes locais até se orgulham de serem descendentes do Padre Costa, o homem que, apesar de ser padre, teve quase 300 filhos, alguns dos quais até nascidos com os seus próprios familiares da linha directa, incluindo a sua própria mãe.

O Padre Francisco da Costa, homem singular que violou a sua castidade o princípio de celibato, viveu no século XV em Trancoso, embora haja dúvidas sobre o seu verdadeiro nome. A sua capacidade reprodutiva nunca é questionada, existindo mesmo relatos precisos a indicarem a sua lista de filhos, que parece uma daquelas listas telefónicas antigas.

O maior orgulho do Padre Francisco da Costa é a impressionante quantidade de filhos que um padre jamais tenha nascido, um feito que se eternizou na memória dos locais. Pois, as pessoas de Trancoso sentem grande orgulho em serem potenciais descendentes do português com mais filhos de todo o sempre, até ao momento.

Diz-se que quem visita Trancoso pode levar uma lembrança, logo na primeira loja que encontra, quando passa na famosa Porta d’el Rei. Uma das lembranças que o visitante poderá levar é o Chá Padre Costa, um afrodisíaco da Casa da Prisca, onde se pode encontrar uma empregada que recebe as pessoas com um grande sorriso. Ela informa que o chá é forte e é de flores, “tem todo o poder de seduzir e produzir”, como era caraterística de Francisco da Costa. Existem ainda outros itens, nomeadamente ilustrações e chávenas com a frase: “Padre Costa, o povoador das Beiras”.

Registos referem que o prior Francisco da Costa terá sido julgado em 1487, quando tinha 62 anos de idade. O homem chegou mesmo a ser condenado a ser “degredado das suas ordens e arrastado pelas ruas públicas nos rabos dos cavalos, esquartejado o seu corpo e postos os quartos, cabeça e mãos em diferentes distritos, pelo crime de que foi arguido e que ele mesmo não contrariou”.

A condenação do Padre Francisco da Costa foi muito violenta. Contudo, El-Rei D. João II perdoou a sua morte e o padre foi colocado em liberdade no dia 17 de Março de 1487. Foi uma libertação que surgiu com o fundamento de ter ajudado a povoar aquela região da Beira Alta, que naquele tempo se encontrava muito despovoada.

A história incrível do Padre Costa teve início ou terá tido início em 1487, data em que o monarca português deu autorização ao padre para povoar a terra, através da Carta Régia datada de 31 de Agosto daquele ano, pela qual o monarca português “legitimou Maria Gomes, filha de Diogo Gomes, pároco da Igreja de São Pedro de Trancoso, e de Maria Eanes, mulher solteira, residente na vila de Trancoso”.

Refere-se que o alegado perdão de D. João II levou à referência que ficou ligada ao Padre Costa, definido como o “Povoador das Beiras”. O Rei evitou a condenação do Padre Costa e assim conseguiu evitar uma pena pesada, que incluía torturas. Esta sua libertação foi justificada com o “forte contributo para povoar” a região num documento que é referido em vários escritos, sendo uma referência feita por vários autores. No entanto, até agora ninguém encontrou o tal documento liberatório.

Segundo reza a lenda, Francisco da Costa terá sido mesmo pai de 299 filhos. Provavelmente iria atingir os 300. Mas, infelizmente, a sua jornada foi interrompida e não chegou a atingir esse número redondo. Para atingir a proeza de gerar 299 filhos, foi necessário estabelecer relações de fornicação com 53 mulheres para obter todos estes herdeiros que não são tidos como filhos do pecados, como reza a bíblia, mas é o orgulho dos portugueses. Por quê então mataram o nosso orgulho de sermos polígamos!

Imaginar como seria ser um pai de 300 crianças revela-se um exercício divertido, caricato, mas criativo. Seguramente que seria problemático trocar-lhes a fralda ou pôr as crianças a dormir. Mas o Padre Costa não tinha que se incomodar com isso, porque agiu divinamente seguindo as regra do matrelinearcado africano, uma ruptura com a regra do patrelinearcado cristão.

Felizmente, Francisco da Costa não teve de dar uma semanada aos seus filhos, senão a sua falência estava assegurada. Existem relatos de que o Padre foi pai de tais 299 crianças, sendo 214 do sexo feminino e 85 do sexo masculino. Pois, Francisco da Costa foi pai de 34 filhos com 7 amas, mais especificamente 29 filhos e 5 filhas. O Padre teve também 28 filhos com duas escravas do Presbitério, sendo 21 filhos e 7 filhas. Entre as 53 mulheres que foram mães dos seus 299 filhos, constam familiares de Francisco da Costa!

Ter um histórico de relações com 53 mulheres é já por si só um feito que poucos homens ousariam igualar, mesmo entre os polígamos africanos. No entanto, Francisco da Costa foi bem mais longe, a ponto de, entre as mães dos seus filhos, estavam familiares directas ou próximas, sendo 29 afilhadas, suas familiares que deram à luz 134 filhos, dos quais 97 raparigas e 37 rapazes. Ainda entre as 53 mulheres com quem Francisco Costa teve filhos, constam 9 comadres suas, com as quais teve 56 filhos, sendo 38 rapazes e 18 raparigas.

O padre também terá tido 3 filhas com uma sua tia, chamada Ana da Cunha. Segundo reza a lenda de Francisco da Costa, este homem chegou a engravidar as suas próprias irmãs e até a própria mãe! Da própria mãe, Francisco da Costa terá tido 2 filhos.

Contudo, tendo em conta a ausência de provas, convém manter o pensamento crítico e não acreditar como certo o que o povo glorifica nas suas lendas. Pena que os portugueses nunca glorificaram o nossos sistema de valores que tem como base a família poligâmica. Mas, enquanto lenda, a figura do Padre Francisco da Costa é fantástica e tem tudo para ficar na história por muito tempo!

Disto fica a lição de que, nós africanos, devemos nos olhar com orgulho de termos sido uma civilização mais avançada do que a dos europeus, para procurarmos reaver o que o sistema colonial europeu nos alienou com o vinho e a bíblia, para eles levarem o nosso ouro e construir a Europa. Agora morremos pelos desertos e mares em busca da prosperidade na Europa, quando a nossa prosperidade está aqui em África.

 

 

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