A REPÚBLICA DO MALI DENUNCIOU TODOS OS ACORDOS COLONIAIS COM A FRANÇA
RM Kuyeri, 02 de Abril de 2023
Acabo de ler um artigo muito interessante de Grah Kossi-Kossi sobre Estratégia Geopolítica, apelando aos seus caros compatriotas africanos para a denúncia pública da perpetuação de todas as injustiças perante tamanhas fraudes morais, físicas e psicológicas que o Ocidente exerce ainda sobre a nova geração africana. Apela a cada um de nós a fazer a sua parte para o restabelecimento das aquisições nacionais do nosso continente e deixar um legado digno para as gerações futuras.O artigo aborda o caso do Mali que acabou de abolir definitivamente a sua dependência colonial da França, ao anular unilateralmente todos os 11 acordos coloniais impostos aos países africanos desde 1960, como parte do exercício efectivo da sua soberania.
No seu artigo Grah Kossi-Kossi refere que a ruptura dos acordos coloniais do Mali com a França, no actual contexto, infere um convite para entender a essência do Arquivo Maliano contra a França imperialista que se seguiu à independência de 14 países ex-colónias Francesa, cujos governos assinaram 11 acordos com a França com o mesmo teor, sendo os seguintes:
Acordo N.º 1: Sobre a dívida colonial para pagamento dos benefícios da colonização
Parte-se de um suposto pressuposto de que a colonização da França em África foi benéfica para os povos africanos colonizados sob condições extremas em termos de status humanos durante séculos. Ou seja, os novos Estados africanos independentes devem re-embolsar o custo das infra-estruturas construídas pela França durante a colonização. Infelizmente Grah Kossi-Kossi diz que ainda está em busca de detalhes dos custos em causa para a avaliação de tais benefícios e as condições de pagamento impostas pela França às suas ex-colónias africanas como o Mali.
Acordo Nº 2: Confisco automático das reservas financeiras nacionais africanas
Não se sabe com base e em que princípios do Direito internacional que a França se arroja ao direito de autoridade para confiscar, a seu favor, todas as reservas financeiras das suas ex-colónias africanas. Ou seja, os países africanos devem depositar as suas reservas financeiras no Banque de France. Assim, a França deu-se o direito de “guardar” as reservas financeiras dos 14 países africanos suas ex-colónias desde 1961, nomeadamente: Benim, Burkina Faso, Guiné Conacri, Costa do Marfim, Mali, Níger, Senegal, Togo, Camarões, República Centro-Africana, Chade, Congo-Brazzaville, Guiné Equatorial e Gabão.
Portanto, a gestão das políticas financeiras e monetárias destes 14 países africanos continua sob domínio francês de forma assíncrona e incompleta, pelo facto de ser pilotada directamente pelo Governo francês, sem qualquer vínculo com as autoridades financeiras de países como da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) ou Comunidade Económica e Monetária da África Central (CEMAC).
Assim, pelas condições que vinculam os bancos dos 14 países das zonas económicas e financeiras da Comunidade Financeira de África (CFA), sob a égide da França, os seus governos são obrigados a manter 65% das suas reservas cambiais numa conta de operações do Tesouro francês, bem como 20 % para cobrir alegados “riscos financeiros”.
Além disso, os bancos das zonas CFA impõem a cada “país-membro” um limite de crédito equivalente a 20% das receitas do Estado no exercício orçamental em curso, embora o Banco dos Estados da África Central (BEAC) ou o Banco Central dos Estados da África Ocidental (BCEAO) tenham maiores possibilidades de levantamento junto do Tesouro francês. Essas retiradas devem primeiro ser aprovadas pelo Tesouro francês.A decisão final cabe, portanto, ao Tesouro francês ou o mesmo que dizer que os 14 países ex-colónias francesas não exercem soberania sobre as suas economias. Portanto, a França usa este mesmo dinheiro para conceder empréstimos para investimentos nas suas ex-colónias, como dívida externa, por pedir empréstimo de dinheiros que são suas próprias reservas depositadas na bolsa de valores de Paris.
Ou seja, 85% das reservas financeiras africanas estão depositadas numa conta corrente controlada pela administração francesa. Os dois bancos da zona CFA são africanos de nome, pois não decidem sozinhos nenhuma política monetária. O pior é que os próprios países nem sequer sabem qual é a sua parte das reservas financeiras no tesouro francês.
Acordo Nº 3: Direito de primeira recusa sobre qualquer recurso bruto ou natural descoberto em cada um dos 14 países
Tecnicamente todos os recursos naturais dos 14 países africanos ex-colónias francesas são propriedade da França. Ou seja, dito de forma eufimista, a França tem o primeiro direito de comprar os recursos naturais das terras das suas ex-colónias determinando o seu preço de compra. Só no caso de a França declarar “não estou interessado” é que os países africanos podem procurar outros parceiros para explorar um determinado recurso seu. Então para que vale a independência nestes 14 países africanos!
Acordo Nº 4: Prioridade para os interesses e empresas francesas nos contratos e concursos públicos
Nenhum dos 14 países africanos
ex-colónias francesas têm a liberdade de negociar contratos de adjudicação de nenhum
projecto nacional e muito menos internacional. Na adjudicação de contratos
públicos, as empresas francesas têm prioridade sobre todos os concursos públicos.
Embora os países africanos possam obter uma melhor relação custo-benefício com outros países, este acordo veda-lhes o direito de negociar directamente qualquer projecto. Consequentemente, na maioria das ex-colónias francesas, todas as potencialidades económicas dos países estão nas mãos de expatriados franceses. Infelizmente, mesmo sem acordo semelhante com Portugal, parece que em Moçambique tende-se a seguir a mesma lógica. Todo o financiamento externo ocidental em Moçambique, mesmo que negociado bilateralmente, a sua efectivação tem de passar por um aval de Portugal.
Na Costa do Marfim, por exemplo, as empresas francesas são proprietárias e controlam todos os principais serviços públicos, tal como a banca portuguesa controla o sector financeiro em Moçambique. No caso da França, isso inclui as redes de abastecimento de água, electricidade, telefones, transporte aéreo, portos e grandes bancos. Acontece o mesmo nos sectores de comércio, construção e agricultura.
Acordo Nº 5: Direito exclusivo de fornecer equipamento militar e treinar oficiais militares nos 14 países africanos
Por conta de um sofisticado sistema de bolsas, subsídios e “acordos de defesa” celebrados ao gosto da metrópole colonial francesa, os 14 países ex-colónias francesas estão vinculados ao pacto colonial de defesa. Por conta disso, estes países estão proibidos de enviar os seus oficiais superiores para terem treinamento e formação fora da França e são obrigados a se absterem de celebrarem acordos de equipamento e formação militar com qualquer outro país sem o aval da França.
Isto explica o facto de, sempre que a França não se sentir à vontade com algum governo nos 14 países africanos suas ex-colónias, ordena as altas patentes militares destes países a levarem a cabo golpe de Estado.
Acordo Nº 6: Direito da França de desenvolver tropas e intervir militarmente no país para defender os seus próprios interesses
Se o Acordo Nº 5 estabelece as premissas militares, este acordo coloca sob os chamados “acordos de defesa” anexados ao Pacto Colonial o direito da França de intervir militarmente nos países africanos, bem como o direito de estacionar permanentemente as suas tropas em bases e instalações militares nos territórios dos 14 países africanos, totalmente administradas por oficiais franceses e com comando a partir de Paris.
Acordo Nº 7: Obrigatoriedade de o francês ser a língua oficial e de ensino
A França criou e patrocina uma organização para a língua francesa e para a divulgação da cultura francesa em todo o continente africano. Por isso, apesar de Moçambique não ser ex-colónia francesa, funciona o Centro Cultural Franco-Moçambicanos, como parece ser esta a mesma lógica de adopção do Português como língua oficial de Moçambique.
A referida organização chama-se “Francofonia”, cuja versão portuguesa é a “Lusofonia”, e tem várias organizações satélites que funcional como organizações e/ou instituições afiliadas e controladas pelo Ministro das Relações Exteriores da França. Isso ficou reforçado em Moçambique, alegadamente por a França ser vizinha de Moçambique por partilhar fronteiras com possessões territoriais francesas no Canal de Moçambique e ter concessões de gás na Bacia do Rovuma. Assim, Moçambique, como um legado colonial europeu, constitui um país de confluência da “Lusofonia” (por ser ex-colónia de Portugal), “Anglofonia” (por estar rodeado de ex-colónias britânicas) e “Francofonia”.
Acordo Nº 8: Obrigatoriedade de utilizar a moeda Franco CFA (moeda das colónias francesas em África)
Embora o sistema não seja compartilhado pela União Europeia (UE), as 14 ex-colónias francesas em África são obrigadas a usar exclusivamente a moeda Franco das Colónias Francesas em África (FCFA).
Acordo Nº 9: Obrigatoriedade de enviar à França o balanço anual do exercício financeiro e um relatório sobre a situação das reservas
Esta é a condição sine qua non os 14 países africanos ex-colónias francesas podem ter dinheiro para os seus Orçamentos de Estado e investimentos nos seus programas económicos e sociais anuais.
Ou seja, os Directores dos “Bancos Centrais” das 14 ex-colónias francesas em África devem apresentar anualmente os referidos relatórios nas reuniões anuais dos Ministros das Finanças das ex-colónias dirigidas pelo Ministro das Finanças da França. Estes relatórios são depois compilados e harmonizados num único relatório financeiro pelo Banco e Tesouro da França para posterior libertação dos respectivos orçamentos.
Acordo Nº 10: Renúncia de toda aliança militar com outros países, a menos que seja com autorização da França
É precisamente neste acordo que o Mali entrou em colisão com a França, por ter contratado o Grupo Wagner, uma empresa de segurança privada da Rússia, para apoiar o Exército do Mali a combater o terrorismo, perante o fracasso da sua colaboração militar com a França.
A maioria dos 14 Estados africanos ex-colónias francesas só tem alianças militares com os seus ex-colonizadores, simplesmente porque a França os proibiu de qualquer outra aliança militar.
Acordo Nº 11: Obrigatoriedade de aliar-se à França em caso de guerra ou crise mundial
A título de exemplo e no contexto actual, os 14 países africanos ex-colónias francesas tinham a obrigatoriedade, por força deste acordo, de condenar a alegada invasão da Rússia na Ucrânia.
Foi no quadros deste espírito militar colonial francês que mais de um milhão de soldados africanos lutaram para derrota do nazismo e do fascismo durante a II Guerra Mundial.
Agora que a França está militarmente ligada à UE, à Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) e aos EUA, é entendimento do Ocidente que a África deve estar, de facto, engajada ao lado da França e, por tal via, à NATO e aos EUA no conflito entre a Rússia e a Ucrânia.
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Portanto, tal como ficou explicado, estes 11 acordos ainda estão em vigor entre a França e os 14 países africanos da zona CFA. Nenhum órgão de comunicação social, incluindo os tais chamados especialistas em assuntos de África, se debruça sobre esses acordos sinistros que foram impostos aos países africanos na zona CFA pela França e se pretende que sejam válidos para todo o continente africano.
A continuidade deste relacionamento neo-colonial entre a África e o Ocidente é pior que o próprio sistema colonial. Por isso, os africanos têm a obrigação moral e ética de denunciar esta colonização praticada desde 1960, por intermediários como a França. Ou seja, os líderes africanos devem acordar para as suas escolhas de alianças que garantam a soberania dos Estados africanos.
Deve-se parar, a exemplo do Mali, com a actual tendência de apoiar e proteger cegamente os interesses de outrem, impondo até a ditadura aos seus próprios povos em defesa de interesses ocidentais.
O que interessa a África actualmente não são relações internacionais baseadas nestes 11 acordos e outros com o mesmo teor. O Acordo N⁰ 10 é especialmente significativo, por deixar expressamente claro que os 14 países africanos da zona CFA, através do acordo, não estão autorizados a ter uma aliança militar com outros países, incluindo mesmo outros Estados africanos. Também não estão autorizados a comprar equipamento militar em nenhum outro país sem o consentimento da França, incluindo mesmo na Europa ou nos EUA.
Nisso deve-se reconhecer que o Mali tem toda a razão do mundo. Mas está bloqueado injustamente pelo Ocidente, por desafiar o Acordo N⁰ 10 com a França. Contudo, abriu-se uma janela para aquele país cooperar livremente com todos os países do planeta, sem pedir permissão à França.
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